Palavras-chave abordagem pélvica - acetábulo - fixação de fratura - Stoppa
Introdução
Desde os trabalhos de Judet et al.[1 ] na década de 1960, com evidências reforçadas posteriormente por Letournel e Judet[2 ] e Matta,[3 ] considera-se princípio fundamental do tratamento das fraturas de acetábulo sua redução anatômica com fixação estável, que apresenta resultados funcionais melhores no curto e longo prazos,[1 ]
[3 ]
[4 ] sendo o padrão-ouro a redução aberta com fixação interna.[5 ]
[6 ] O sucesso depende, em boa parte, da adequada exposição do foco da fratura[7 ]
[8 ] para melhor redução e subsequente posicionamento dos materiais de síntese.
No estudo de alternativas de abordagens, Cole e Bolhofner[9 ] e Hirvensalo et al.
[10 ] desenvolveram[5 ]
[7 ]
[11 ]
[12 ] uma via intrapélvica que garante amplo acesso à pelve verdadeira.[5 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[13 ] Após isso, os autores encontraram similaridades na via proposta por Stoppa et al.[14 ] em 1984 para o manejo de hérnias inguinais complicadas.[9 ]
[12 ] Assim, se permite a visualização direta do acetábulo, incluindo a lâmina quadrilátera,[4 ]
[5 ]
[6 ]
[8 ] o corpo do púbis, o ramo superior, a raiz púbica, e do aspecto medial das colunas posterior e anterior da articulação sacroilíaca.[5 ]
[7 ]
[8 ] Essa exposição também permite configurações de placa que não são possíveis nas abordagens tradicionais[7 ]
[9 ] (como placa infrapectínea[11 ]). Por outro lado, também apresenta riscos de complicações, como lesão do nervo obturador, da corona
mortis , atrofia de reto abdominal e lesão peritoneal.[4 ]
[7 ]
Atualmente, a via de Stoppa modificada pode ser uma alternativa para o manejo de fraturas anteriores do acetábulo. Mesmo com ampla visualização da pelve verdadeira, em 60% a 83%[6 ] dos casos, pode ser necessária associação de outros acessos para a redução e a fixação adequadas de alguns tipos de fratura,[6 ]
[7 ]
[12 ] como a janela lateral do acesso ilioinguinal[6 ]
[7 ] ou a via de Kocher-Langenbeck.[6 ]
[8 ]
O objetivo deste estudo é descrever os resultados clínicos e radiográficos de uma coorte de pacientes com fraturas de acetábulo tratados pelo acesso de Stoppa modificado.
Materiais e Métodos
O desenho deste estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE: 52764821.4.0000.5225). Foi realizada uma análise prospectiva de dados de pacientes com fraturas de acetábulo submetidos à redução aberta e fixação interna (RAFI) pelo acesso de Stoppa modificado em hospital universitário de junho de 2020 a junho de 2021. Foram incluídos no estudo os pacientes maiores de 18 anos com acompanhamento mínimo de 12 meses após o tratamento cirúrgico. Foram excluídos casos de fraturas osteoporóticas/patológicas.
A abordagem de Stoppa modificada foi escolhida nos casos em que havia comprometimento da coluna anterior acetabular, tanto na forma isolada quanto nos padrões de fraturas combinadas. Assim, segundo a classificação de Letournel e Judet,[2 ] foram incluídas fraturas dos tipos: coluna anterior, transversa, coluna anterior com hemitransversa posterior, em T e dupla coluna. Nas fraturas transversas, o acesso anterior foi escolhido quando a coluna anterior apresentava maior desvio em relação ao desvio da coluna posterior.
Os dados coletados durante o estudo foram: gênero; idade; mecanismo do trauma; classificação pré-operatória conforme Letournel;[15 ] qualidade da redução pós-operatória segundo os critérios de Matta[3 ] (avaliada por dois médicos ortopedistas especialistas em quadril), por meio de radiografias e tomografias; dias entre internação e abordagem definitiva; tempo cirúrgico; perda sanguínea; necessidade de transfusão; outros acessos concomitantes; lesões associadas; e complicações peri e pós-operatórias. Para as análises, a classificação de Matta[3 ] foi considerada categoricamente como: 1 (anatômica), 2 (imperfeita: 1 mm a 3mm) e 3 (ruim: maior do que 3 mm). Foram aplicados dois escores funcionais após um ano de acompanhamento ambulatorial: o Harris Hip Score (HHS) modificado e Majeed Pelvic Score (MPS).
A rotina de exames pré e pós-operatórios incluiu radiografias de pelve em incidência anteroposterior e nas incidências de Judet, e tomografia axial computadorizada de pelve com reconstrução tridimensional, além de exames laboratoriais ([Fig. 1 ]). No centro cirúrgico, são sempre realizadas a tricotomia e a conferência das imagens com fluoroscopia em mesa radiotransparente, antes do início do procedimento, sendo preparado todo o membro inferior do lado acometido para ter mobilidade livre para flexão e tração, para auxiliar nas manobras de redução durante a cirurgia. O acesso de Stoppa modificado sempre foi o primeiro a ser realizado. Outros acessos eram realizados na sequência durante o procedimento conforme a necessidade e o planejamento pré-operatório ([Fig. 2 ]).
Fig. 1 (A ): Radiografia em incidência anteroposterior (AP). (B ) Radiografia em obturatriz. C ) Radiografia em alar. (D ) Tomografia tridimensional (3D) que evidencia fratura em dupla coluna do acetábulo esquerdo.
Fig. 2 Aspecto dos acessos utilizados. Seta preta : acesso de Stoppa modificado. Seta branca : janela lateral do ilioinguinal.
A fisioterapia motora é iniciada precocemente com amplitude de movimento livre; o paciente então é orientado a realizar apenas carga proprioceptiva no membro acometido com o auxílio de andador. O retorno ambulatorial sequencial para a progressão da carga se deu com 2 semanas, 8 semanas, 4 meses, 6 meses e 1 ano de pós-operatório.
Os dados coletados foram tabulados e analisados estatisticamente utilizando coeficiente de correlação de Pearson para variáveis contínuas de distribuição normal (confirmadas pelo teste de Shapiro-Wilk; p > 0,05) e correlações de Tau de Kendall para as demais variáveis para inferências.
Resultados
No período analisado, após aplicados os critérios de inclusão e exclusão, foram estudados 15 casos, sendo 14 homens (93,3%) e 1 mulher (6,67%). Outros dados, como idade, tempo operatório e dias até a cirurgia estão contidos na [Tabela 1 ], e a frequência de fraturas conforme classificação de Letorunel e Judet,[2 ] na [Fig. 3 ].
Tabela 1
Média
Desvio padrão
Mínimo
Máximo
Idade (anos)
35,4
±11,879
20
55
Tempo operatório (minutos)
221
±77,78
90
390
Dias até cirurgia
11,067
±8,093
4
33
Fig. 3 Frequência das fraturas conforme Letournel.
Na avaliação tomográfica pós-operatória, redução anatômica foi observada em 50% dos casos, imperfeita, em 13,6% e ruim, em 36,4%. Nos scores funcionais, encontramos uma variação de 56 a 100, com média de 92,5 no HHS. No MPS, o resultado funcional foi excelente em 36,5% dos casos, bom em 40,6%, moderado em 18,7% e ruim em 4,2%.
A correlação do tempo entre internamento e cirurgia definitiva e a qualidade da redução foi estatisticamente significativa. O MPS e o HHS se correlacionaram positivamente com a qualidade da redução ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
τ b de Kendall
p
Tempo até procedimento versus tempo operatório
0,311
0,126
Tempo operatório versus qualidade da redução
0,241
0,283
HHS versus MPS (1 ano)
0,404
0,036
Qualidade da redução
versus
HHS
−0,602
0,006
Qualidade da redução
versus
MPS
−0,577
0,006
Qualidade da redução
versus
tempo até o procedimento
0,544
0,007
Entre os 15 casos, houve algumas complicações pós-operatórias: 4 praxias do nervo Obturador e 1 de nervo cutâneo lateral, que obtiveram resolução no seguimento; 4 infecções de sítio cirúrgico (das quais apenas 1 no acesso de Stoppa modificado, que complicou tardiamente com artrite séptica); 1 lesão de corona
mortis , que necessitou de abordagem conjunta com a equipe de cirurgia vascular do serviço, no mesmo tempo operatório; e 1 caso de complicação tardia com hérnia incisional. A lesão do nervo obturador foi a complicação mais frequente apontada por Soni et al.,[16 ] mas com resolução completa em 95% dos casos em 3 a 6 meses. Em relação às complicações tardias, a artrose foi a mais comum. Em nossa série, 27,7% dos pacientes apresentaram praxia do nervo obturador, todos com resolução completa no acompanhamento de 1 ano.
Ao todo, 13 dos 15 casos necessitaram do uso da janela lateral e 4, da via de Kocher-Langenbeck (sendo 3 associados à janela lateral). Em um dos casos, foi utilizada abordagem percutânea ([Fig. 4 ]). A maioria dos estudos demonstraram o tratamento com acesso único de Stoppa em grande parte dos casos: no estudo de Guo et al.,[8 ] em 59% dos pacientes, seguido de 40% de Stoppa mais acesso posterior de Kocher Langenbeck;
Fig. 4 Acessos associados.
A média estimada de sangramento nos procedimentos foi de 1.411 mL (variação: 400 mL a 3.525 mL), valor próximo ao encontrado por Laflamme et al.,[17 ] com 1.376 mL de média. Foi necessária hemotransfusão intraoperatória em seis casos e, somente em um, pós-operatória. Não houve complicações graves relacionadas à hemorragia na série de casos.
Por fim, houve oito casos de lesões associadas. Destas, três não foram ortopédicas: lesão de aorta, hematoma epidural e hemotórax hipertensivo. Lesões ortopédicas de membros superiores foram mais frequentes, e estiveram presentes em cinco casos.
Foi encontrada correlação positiva (r de Pearson = 0,712; p = 0,003; intervalo de confiança de 95% [IC95%] 0,314 a 0,897) para tempo de cirurgia com sangramento intraoperatório. O tempo de cirurgia não teve correlação com a qualidade da redução (τ de Kendall; p = 0,283 [Tabela 2 ]) ou com o tempo até a cirurgia (τ de Kendall; p = 0,126). Porém, maiores tempos até a abordagem cirúrgica obtiveram significância estatística para piores qualidades de redução (p = 0,007). O MPS e o HHS correlacionaram com a qualidade da redução (τ de Kendall; p < 0,006 para ambos).
Discussão
Percebemos que o acesso de Stoppa modificado permite um bom ângulo de ataque tanto para manobras de redução da lâmina quadrilátera quanto para a fixação dela ([Fig. 5 ]), seja com parafusos interfragmentários ou placas anticisalhantes ([Fig. 6 ]). Outra manobra que ajuda bastante na redução das fraturas tratadas com esse acesso é a tração lateral do fêmur, com o auxílio de um pino de Schanz no colo femoral, para diminuir a pressão sobre a lâmina e permitir a sua redução.
Fig. 5 (A ) Radiografia pós-operatória em AP. (B ) Radiografia pós-operatória em obturatriz. (C ) Radiografia pós-operatória em alar. (D ) Corte axial da tomografia pós-operatória que demonstra ângulo de ataque e posição de parafuso interfragmentário fixando a coluna anterior à coluna posterior.
Fig. 6 Aspecto intraoperatório. Seta preta: placa suprapectínea. Seta branca : placa infrapectínea.
No presente estudo, obtiveram-se relativamente poucos casos em que foi realizado o acesso de Stoppa exclusivo. O uso da janela lateral do acesso ilioinguinal associado parece ser uma boa opção de acesso concomitante. Provavelmente, com o aumento da curva de aprendizado, será cada vez menos necessário o uso do acesso posterior de Kocher-Langenbeck no mesmo tempo, uma vez que estudos com amostras maiores apresentam menor porcentagem do uso concomitante desta via com o Stoppa modificado.
Acreditamos que a manutenção da integridade do canal inguinal propicia menos dissecção de partes moles e consequente menor chance de infecção. O tempo entre o trauma e a abordagem cirúrgica definitiva também pode ser considerado um fator importante, pois fraturas envelhecidas, com mais de 15 dias, tendem a ter uma menor mobilização e consequente difícil redução e, às vezes, com necessidade de mais de 2 acessos, com aumento do tempo cirúrgico e piores resultados funcionais.
Conclusão
Conclui-se que, na coorte estudada, o acesso de Stoppa modificado proporcionou bons resultados clínicos funcionais, como demonstrado pela média de 92,5 no HHS modificado e 77,1% de excelentes ou bons resultados no MPS. O estudo da série de casos demonstrou relevância estatística positiva entre a qualidade da redução e os desfechos funcionais, e entre o tempo até a cirurgia e a qualidade da redução. No seguimento de um ano, demonstrou-se que o uso desta via pode ser uma excelente alternativa para as fraturas anteriores do acetábulo.