Palavras-chave
artroscopia - imagem de ressonância magnética - joelho - ligamento cruzado anterior - menisco
Introdução
Hoje, as lesões na articulação do joelho resultantes de acidentes de trânsito e atividades esportivas são onipresentes.[1] Essas lesões geralmente acometem os ligamentos e o menisco do joelho, alterando a estabilidade e a biomecânica normal da articulação e dificultando as atividades diárias rotineiras. Portanto, o diagnóstico e o manejo rápido e preciso de tais lesões são imperativos. Entre as lesões comuns do joelho estão aquelas que afetam o ligamento cruzado anterior (LCA) e/ou o ligamento cruzado posterior (LCP). A princípio, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970, os cirurgiões ortopédicos baseavam-se apenas no exame clínico, até que numerosos relatos sugeriram a eficácia da artroscopia no diagnóstico e tratamento de várias doenças dessa articulação.[2] O advento da ressonância magnética (RM) revolucionou o diagnóstico e o tratamento das rupturas de LCA e menisco, diminuindo a necessidade de artroscopia. Este estudo teve como objetivo avaliar os achados radiológicos e artroscópicos do LCA e LCP, correlacionar os resultados de ambas as técnicas e determinar qual método é superior no diagnóstico preciso das lesões destes ligamentos.
Métodos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética institucional sob número ECR/1092/Inst/KA/2018.
Foi realizado um estudo prospectivo em uma coorte de 200 indivíduos internados em um centro de saúde terciário com lesões no joelho decorrentes de diversas etiologias e que satisfizeram os critérios de inclusão. O estudo foi conduzido entre novembro de 2019 e novembro de 2022.
Critérios de inclusão
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Pacientes entre 18 e 60 anos de idade.
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Pacientes com resultados positivos à RM indicando lesões de LCA e/ou LCP.
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Pacientes posteriormente submetidos à artroscopia para avaliação e tratamento adicionais.
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Pacientes com lesões confirmadas de LCA e/ou LCP com base em exame artroscópico utilizando o método de rotina descrito a seguir.
Método artroscópico de rotina
O método artroscópico de rotina usou portais anteromedial e lateral. A sondagem cuidadosa do LCP avaliou a presença de lassidão ou lesões. Nos casos com suspeita de lesões do LCP com base no exame clínico ou na RM pré-operatória, o portal posteromedial foi empregado consistentemente durante o exame artroscópico para confirmar esses achados e garantir a análise abrangente do LCP. A utilização do portal posteromedial permitiu a avaliação e caracterização mais completas das lesões do LCP identificadas por meio de exame clínico ou imagem pré-operatória.
Ao incorporar o método artroscópico de rotina nos critérios de inclusão, o artigo esclarece a metodologia utilizada no estudo, assegurando que os pacientes com resultados positivos à RM fossem submetidos à artroscopia seguindo um procedimento específico que inclui o uso de portais anteromediais e laterais, bem como o possível uso do portal posteromedial para avaliação abrangente de lesões do LCP.
Critérios de exclusão
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Pacientes com contraindicações para RM, como clipes de aneurisma intracerebral, marcapassos cardíacos, corpos estranhos metálicos no olho ou implantes na orelha média.
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Pacientes com lesão recente no joelho, mas que, ao exame clínico, não apresentavam instabilidade.
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Pacientes considerados maus candidatos à anestesia.
Metodologia
Após a obtenção dos prontuários médicos, foi realizado um exame clínico abrangente, com diversos testes para avaliação da extensão da lesão no joelho. Especificamente, os testes de Lachman e de gaveta anterior foram empregados para análise da lesão do LCA, enquanto o sinal de afundamento de Godfrey e os testes de gaveta posterior foram empregados para avaliação das lesões do LCP.
A RM foi então realizada usando o protocolo de 1,5 Tesla em um equipamento de 1,5 T da General Electric Healthcare Company (GE Signa Voyager 1.5T, Waukesha, Wisconsin, EUA). As sequências ponderadas em T1 e T2 foram obtidas nos planos axial, coronal e sagital. As imagens foram avaliadas de forma meticulosa por um radiologista altamente qualificado, que documentou cuidadosamente o estado dos ligamentos cruzados.
Depois, foi realizada cirurgia artroscópica sob raquianestesia com o paciente posicionado em decúbito dorsal e apoio lateral na coxa proximal. Um torniquete proximal na coxa foi utilizado para cada caso. O cirurgião não foi informado dos resultados da RM.
Os dados adquiridos foram analisados com a sofisticada ferramenta estatística do software SPSS Statistics 28.0, IBM Corporation (Armonk, New York, EUA). As variáveis contínuas foram analisadas calculando-se a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN). O valor de p inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Para verificar a sensibilidade, especificidade e acurácia da RM, os resultados do exame artroscópico foram considerados representativos do verdadeiro diagnóstico. A sensibilidade, que representa a capacidade da RM de identificar indivíduos com a doença, foi calculada como a razão entre resultados verdadeiro-positivos (VP) e a soma de resultados VP e falso-negativos (FN).
A especificidade, que reflete a capacidade da RM de identificar com acurácia aqueles sem a doença, foi determinada como a razão entre resultados verdadeiro-negativos (VN) e a soma de resultados VN e falso-positivos (FP).
A acurácia, que representa a capacidade geral da RM de identificar corretamente os casos positivos e negativos, foi calculada como a soma dos resultados VP e VN dividida pelo número total de pacientes submetidos à artroscopia.
Os dados combinados foram meticulosamente compilados e categorizados em quatro grupos distintos, com base na sua correlação com os resultados RM. Essas categorias foram as seguintes:
Na primeira categoria, o resultado VP indicou casos em que o diagnóstico à RM foi confirmado com acurácia pela artroscopia.
Na segunda, o resultado VN, referente aos casos em que a RM foi negativa para a lesão, o que foi corroborado pelo exame artroscópico.
Na terceira, o resultado FP, que representou situações em que a RM indicava a presença de lesão, mas a artroscopia não conseguia confirmar sua existência.
Na quarta e última categoria, o resultado FN, que se referia aos casos em que a artroscopia detectou a presença da lesão, mas a RM não revelou qualquer indício dela.
Resultados
Um total de 200 pacientes com lesões traumáticas do LCA e LCP foram cuidadosamente identificados e examinados por meio de uma abordagem retrospectiva e prospectiva em que a avaliação por RM foi seguida por cirurgia artroscópica. Especificamente, os pacientes com suspeita de lesão do LCA ou LCP que atenderam aos critérios de inclusão pré-determinados foram cuidadosamente selecionados para inclusão no estudo.
Notavelmente, os indivíduos com alterações degenerativas ou evidências de corpos livres em radiografias simples, aqueles que foram considerados maus candidatos à anestesia e aqueles que foram submetidos a tratamentos não cirúrgicos foram cuidadosamente excluídos do estudo para assegurar sua validade.
Os dados coletados foram analisados meticulosamente para determinar os resultados VP, VN, FP e FN associados ao estudo. Por meio da utilização de medidas de especificidade e sensibilidade, foram calculados o VPP e o VPN com auxílio do exame artroscópico, que foi o padrão-ouro para comparação.
Distribuição etária
Este estudo foi realizado em pacientes com idade entre 18 e 60 anos, com idade média de 35,7 anos à admissão.
As maiores frequência e percentual foram observados na faixa etária de 20 a 24 anos com 60 indivíduos, o que representa 30% do total da amostra. As restantes faixas etárias variam entre 7 e 13% em frequência e 4 e 6% em percentagem.
Modo de lesão
O acidente de trânsito foi o modo de lesão mais comum em nosso estudo, representando cerca de 60% dos casos.
Ligamento cruzado anterior
Sensibilidade: VP / (VP + FN) = 138 / (138 + 16) = 0,896 ou 89,6%
Especificidade: VN / (VN + FP) = 37 / (37 + 9) = 0,804 ou 80,4%
VPP: VP / (VP + FP) = 138 / (138 + 9) = 0,939 ou 93,9%
VPN: VN / (VN + FN) = 37 / (37 + 16) = 0,698 ou 69,8%
Acurácia: (VP + VN) / (VP + VN + FP + FN) = (138 + 37) / 200 = 0,875 ou 87,5%
Portanto, o exame de RM tem alta sensibilidade (89,6%), indicando que identifica corretamente a maioria dos casos artroscopicamente positivos, mas uma especificidade menor (80,4%), mostrando que também identifica alguns casos artroscopicamente negativos como positivos. O VPP do teste é alto (93,9%), o que significa que se o exame de RM for positivo, há uma grande probabilidade de o paciente ser verdadeiramente positivo à artroscopia. Porém, o VPN é menor (69,8%), indicando que se a RM for negativa, ainda há uma probabilidade significativa de o paciente ser artroscopicamente positivo. De modo geral, a RM tem acurácia de 87,5%, um valor relativamente bom, mas não perfeito.
Ligamento cruzado posterior
Sensibilidade: VP / (VP + FN) = 45 / (45 + 15) = 0,75 ou 75%
Especificidade: VN / (VN + FP) = 123 / (123 + 17) = 0,878 ou 87,8%
VPN: VN / (VN + FN) = 45 / (45 + 17) = 0,726 ou 72,6%
VPN: VN / (VN + FN) = 123 / (123 + 15) = 0,891 ou 89,1%
Acurácia: (VP + VN) / (VP + VN + FP + FN) = (45 + 123) / 200 = 0,84 ou 84%
Portanto, a RM tem sensibilidade de 75%, indicando que identifica corretamente 75% dos casos artroscopicamente positivos. A especificidade é maior, de 87,8%, indicando que identifica corretamente uma proporção maior de casos artroscopicamente negativos. O VPP é de 72,6%, indicando que se a RM for positiva, há 72,6% de probabilidade de o paciente ser verdadeiramente positivo à artroscopia. O VPN é maior, de 89,1%, indicando que se a RM for negativa, há maior probabilidade de o paciente ser realmente negativo à artroscopia. De modo geral, a RM tem acurácia de 84%, um valor moderadamente bom, mas não perfeito.
Discussão
A RM da articulação do joelho é considerada uma ferramenta diagnóstica não invasiva eficaz e uma alternativa preferida à artroscopia diagnóstica. Na prática clínica atual, a RM é realizada rotineiramente para confirmar o diagnóstico de lesões do LCA e LCP. No entanto, discernir rupturas parciais pode representar desafios e variar dependendo do observador e da sensibilidade do equipamento.
Este estudo teve como objetivo comparar e correlacionar os achados de RM e artroscópicos no diagnóstico de lesões do LCA e LCP. A coorte do estudo abrangeu indivíduos com idade entre 18 e 60 anos, sendo o paciente mais jovem do sexo masculino com 18 anos e o paciente mais velho do sexo feminino com 60 anos. Os homens eram mais propensos a lesões nos joelhos e foram submetidos a cirurgias em idades menores, principalmente devido ao seu envolvimento ativo em esportes. Além disso, o joelho direito foi mais comumente acometido do que o esquerdo.[3]
Estudos anteriores relataram alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de rupturas do LCA usando exames de RM. Rubin et al.[4] relataram sensibilidade de 93% para o diagnóstico de rupturas isoladas do LCA. Uma sensibilidade entre 92 e 100% e especificidade entre 93 e 100% foi observada para o diagnóstico por RM de rupturas do LCA demonstradas por estudos semelhantes no passado.[5] Nosso estudo observou uma sensibilidade de 90,90% e uma especificidade de 78,26% para RM em diagnosticar rupturas do LCA, apresentando uma boa correlação com a artroscopia. A acurácia da RM na detecção de rupturas do LCA foi de 88%, categorizando-a no grupo de interpretação “muito boa” (80–90%). Os resultados foram consistentes com a literatura, sugerindo uma faixa de acurácia de 80 a 94% na detecção de rupturas de ligamentos cruzados. O VPP da RM foi de 93,33%, enquanto o VPN foi de 72%.
A interpretação dos resultados da RM depende muito da experiência e do treinamento do radiologista.[6]
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[8] A artroscopia é uma referência na maioria dos estudos de RM do joelho devido às suas demandas técnicas, e os resultados estão sujeitos à experiência do cirurgião, principalmente em casos desafiadores. A RM continua a ser a ferramenta diagnóstica por excelência para lesões do LCA e do LCP, com acurácia relatada entre 70 e 100%.[9] No entanto, a artroscopia deve ser considerada um complemento de um exame clínico abrangente, incluindo anamnese completa, exame físico e radiografias apropriadas. As alternativas cirúrgicas são discutidas minuciosamente com o paciente antes do procedimento, e o procedimento cirúrgico definitivo ocorre durante o exame artroscópico.
Diversos estudos validaram a utilidade da RM no diagnóstico de lesões do LCA e LCP. Apesar da variabilidade do observador na interpretação dos resultados da RM, esta técnica ainda é uma ferramenta diagnóstica indispensável na prática clínica atual.[10] A artroscopia, entretanto, deve ser usada em conjunto com um exame clínico abrangente, fornecendo um diagnóstico definitivo e um plano de tratamento para os pacientes.
Conclusão
Nosso estudo demonstrou conclusivamente que a RM é uma ferramenta extremamente confiável no diagnóstico de lesões do LCA e do LCP na articulação do joelho. A sensibilidade, especificidade e acurácia global da RM são excepcionalmente altas, afirmando assim o seu papel indispensável na identificação de tais lesões. Como tal, é uma ferramenta de rastreio ideal, tornando a artroscopia diagnóstica desnecessária para o diagnóstico na grande maioria dos pacientes.
Notavelmente, a RM é precisa e não invasiva, tornando-a uma modalidade ideal para avaliação de lesões ligamentares. À luz destes achados, concluímos que a RM deve ser a investigação de primeira linha em pacientes com lesão no joelho e suspeita de acometimento ligamentar.