CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2024; 59(S 02): e180-e183
DOI: 10.1055/s-0044-1790596
Relato de Caso

Condromatose sinovial do ombro: Relato de dois casos

Article in several languages: português | English
1   Disciplina de Ortopedia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil
2   Hospital de Ortopedia Uniort.e, Londrina, PR, Brasil
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3   Escola de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil
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3   Escola de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil
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3   Escola de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil
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1   Disciplina de Ortopedia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Londrina, PR, Brasil
2   Hospital de Ortopedia Uniort.e, Londrina, PR, Brasil
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Suporte Financeiro Os autores declaram que não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.
 

Resumo

A condromatose sinovial é uma afecção benigna incomum de caráter progressivo que favorece a metaplasia sinovial com a produção de tecido cartilaginoso em forma de corpos livres, encontrados nas articulações. Em casos raros, pode afetar o interior da articulação do ombro e apresentar-se com dor, edema e prejuízo da mobilidade. O diagnóstico é desafiador, requerendo técnicas de imagem e muitas vezes confirmado apenas após o tratamento cirúrgico e exame anatomopatológico. Os autores relatam dois casos de pacientes com quadros clínicos semelhantes de dor, edema e perda de mobilidade na articulação do ombro. A investigação contou com exames de imagem como radiografias e ressonância magnética, além do exame anatomopatológico, que confirmou a hipótese diagnóstica. O tratamento cirúrgico artroscópico com sinovectomia e remoção dos corpos livres, seguido de reabilitação fisioterapêutica, resultou na melhora clínica de ambas as pacientes. Com esse relato, os autores ressaltam a importância da investigação na suspeita de condromatose sinovial, devido ao seu quadro clínico inespecífico. Comparando os resultados obtidos com os propostos na literatura, concluímos que o tratamento cirúrgico com sinovectomia e remoção de corpos livres, associado a fisioterapia, é eficaz, e que o seguimento ambulatorial a longo prazo é necessário para detecção de recidiva.


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Introdução

A condromatose sinovial (CS) é uma artropatia excepcional, geralmente monoarticular, caracterizada pela proliferação e metaplasia do tecido sinovial, com a formação de corpos livres cartilaginosos na bainha dos tendões ou nos espaços articulares.[1] [2] [3] O padrão de acometimento inclui articulações diartrodiais, com destaque para o joelho, o quadril e o cotovelo, sendo escassa na literatura a descrição do envolvimento do ombro.[2] A etiologia ainda é desconhecida e a maior incidência da CS encontra-se na terceira até a quinta década de vida, sendo três vezes mais comum em homens.[3] O quadro clínico consiste em dor, crepitação, edema e limitação do movimento articular,[2] muitas vezes sem causa aparente.[1] A transformação maligna é incomum e não há relação direta com traumatismos ou processos inflamatórios.[4] O diagnóstico clínico é difícil, por não haver história e exame físico específicos. Assim, os métodos de imagem como radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética tornam-se essenciais para identificar os diversos tipos de lesão e as fases da doença.[5] A confirmação do diagnóstico ocorre após o exame histológico do tecido sinovial e o tratamento de escolha para os pacientes sintomáticos é o cirúrgico.[1] [3]


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Relato de Caso

Caso 1: paciente do sexo feminino, 62 anos, com história de dor no ombro direito após esforço. Ao exame, o ombro apresentava leve edema e limitação dos movimentos. O teste do impacto de Neer e os testes de Jobe e Speed eram positivos. As radiografias demonstravam sinais de impacto e calcificações. O exame de ressonância magnética apresentou ruptura do tendão supra-espinal e múltiplas calcificações na bolsa, medindo de 0,4 a 1,2 cm ([Figs. 1] e [2]). A paciente foi submetida a tratamento cirúrgico videoartroscópico, com sinovectomia e retirada dos condromas, além de reparo da lesão do supra-espinal. O exame anatomopatológico confirmou a condromatose sinovial. A paciente iniciou fisioterapia após duas semanas de pós-operatório. No acompanhamento ambulatorial, evoluiu com melhora da dor, da amplitude do movimento e da força do ombro direito.

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Fig. 1 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte coronal ponderado em T2).
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Fig. 2 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte axial ponderado em T2).

Caso 2: paciente do sexo feminino, 56 anos, com história de dor no ombro direito. Ao exame físico, apresentava leve edema, limitação dos movimentos e teste de Jobe positivo. As radiografias demonstravam sinais de impacto e acrômio ganchoso, associado a esporão. O exame de ressonância magnética apresentava intensa sinovite proliferativa com pequenos nódulos intra-articulares nos recessos axilares, bursite, ruptura do tendão supra-espinal, lesão parcial extensa do tendão subescapular e tendão da cabeça longa do bíceps roto. A paciente foi submetida a tratamento videartroscópico de reparo da lesão do tendão supra-espinal, sinovectomia, descompressão subacromial e retirada de múltiplos corpos livres ([Figs. 3], [4], e [5]). O exame anatomopatológico confirmou a condromatose sinovial. A paciente iniciou a reabilitação fisioterapêutica com 1 mês de pós-operatório. Houve melhora da dor logo após o tratamento cirúrgico e da função do ombro com 6 meses de reabilitação.

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Fig. 3 Visão artroscópica intra-articular.
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Fig. 4 Visão artroscópica subacromial.
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Fig. 5 Aspecto macroscópico dos condromas removidos.

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Discussão

A CS do ombro é um relato raro na literatura (<5%), devido à sua localização atípica,[3] apesar de ser uma patologia com características bem definidas. A classificação em formas primária e secundária considera o número, o formato e o tamanho dos corpos cartilaginosos ou a presença de doença pré-existente. No ombro, a forma secundária é a mais comum, incidentalmente diagnosticada em exames para uma doença de base prévia.[5] Apesar da CS ser mais comum em homens, em nosso relato os pacientes são do sexo feminino. A característica monoarticular é congruente com a literatura. Em ambos os casos, a CS apresentou relação com a síndrome do manguito rotador.

Os corpos cartilaginosos provenientes da metaplasia sinovial[3] podem aumentar de tamanho, sofrer calcificação[3] [4] ou ossificação endocondral, provocando erosões articulares, dor, rigidez e restrição do movimento.[3] Por isso, exames de imagem são essenciais e seus achados dependem da fase da doença. Nossas pacientes foram submetidas a exames de radiografia e ressonância magnética do ombro, havendo a detecção de corpos livres. Nos dois casos, a ressonância magnética mostrou ruptura do tendão supra-espinal. A lesão do manguito rotador pode ser devida à presença persistente de corpos livres na região subacromial e ao impacto.[6]

Apesar de haver controvérsias sobre a melhor terapia na CS,[2] [7] [8] [9] além de relatos de remissão espontânea,[7] o tratamento cirúrgico é o mais respaldado pela literatura.[1] [2] [9] A maioria dos casos que utilizam terapias conservadoras permanecem sintomáticos ou ocorre o agravamento dos sintomas antes da cirurgia.[9] Tudo indica que o tratamento artroscópico é o gold standard [9] e a necessidade de realização da sinovectomia ainda não está bem estabelecida.[2] [8] [9] A recorrência da doença tem sido reportada devido ao fato de poder acometer a bainha do tendão da cabeça longa do bíceps e não ser detectada, ou ao seu tratamento incompleto quando da utilização de técnica artroscópica isolada, sem a realização de artrotomia ou técnicas mini-open, quando necessário.[9] A remoção dos corpos livres com sinovectomia é descrita por vários autores.[8] Entretanto, Jeffreys (1967) concluiu em seu estudo que apenas a remoção dos corpos livres foi muito bem sucedida.[10] Milgram (1977) apud Maurice et al.[8] (1988), recomendou a sinovectomia associada à remoção de corpos livres para a fase inicial e a remoção isolada daqueles na fase tardia.

Alguns autores, como Ramos et al.[7] (1997), preferem a simples retirada dos corpos livres articulares, mas quando há intimidade com a sinovial, como em nossos casos, preferimos acrescentar a sinovectomia artroscópica para melhor precisão do procedimento. A artroscopia possui incisões pequenas que permitem avaliar toda a articulação glenoumeral, além de facilitar a rápida reabilitação.[1] [2] Acreditamos que a sinovectomia associada à remoção de todos os corpos livres é a melhor terapia para casos de CS do ombro, e a ressecção da bolsa junto aos nódulos na região subacromial pode minimizar a ocorrência de futuras lesões do manguito rotador.[6] Além disso, há registro de recidiva quando a membrana sinovial não é excisada,[3] favorecendo a transformação maligna para condrossarcoma sinovial, ainda que seja um evento raro.[1] [3] A associação de radioterapia no tratamento é questionada devido ao fato de haver pouco benefício na sua utilização, já que metástase desenvolvida por paciente com CS prévia é um evento raro.[1]

A reabilitação com fisioterapia é fundamental para a recuperação da função do ombro e para prover os bons resultados como descrito na literatura.[9] Em ambos os casos, obteve-se uma melhora não apenas da dor, como da mobilidade da articulação glenoumeral. O acompanhamento ambulatorial de longo prazo desses pacientes é importante, pois a possibilidade de recorrência não deve ser negligenciada. A avaliação a cada 2 ou 3 anos, com exames de imagem, deve ser considerado no tratamento desta patologia.[2] [5] [8]


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Trabalho desenvolvido no Hospital de Ortopedia Uniort.e, Londrina, PR, Brasil.


  • Referências

  • 1 Brasil Filho R, Filardi Filho CS, Menitti EL, Baptista MV, Daher SS. Condromatose sinovial: relato de um caso. Rev Bras Ortop 1997; 32 (11) 921-923
  • 2 Paim AE, Ferreira DC, Paim A, Almeida RM. Tratamento artroscópico da condromatose sinovial do ombro: relato de caso. Rev Bras Ortop 2008; 43 (04) 146-149
  • 3 Acharya BM, Devkota P, Shrestha SK, Pradhan NS, Ahmad S. Condromatose sinovial simétrica bilateral do ombro: relato de caso. Rev Bras Ortop 2018; 53 (05) 647-650
  • 4 Fuerst M, Zustin J, Lohmann C, Rüther W. Synoviale Chondromatose. Orthopade 2009; 38 (06) 511-519
  • 5 McKenzie G, Raby N, Ritchie D. A pictorial review of primary synovial osteochondromatosis. Eur Radiol 2008; 18 (11) 2662-2669
  • 6 Horii M, Tamai M, Kido K, Kusuzaki K, Kubo T, Hirasawa Y. Two cases of synovial chondromatosis of the subacromial bursa. J Shoulder Elbow Surg 2001; 10 (02) 186-189
  • 7 Ramos MRF, Ramos RRM, Santos LA. Condromatose sinovial. Relato de caso. Rev Bras Ortop 1997; 32 (09) 749-750
  • 8 Maurice H, Crone M, Watt I. Synovial chondromatosis. J Bone Joint Surg Br 1988; 70 (05) 807-811
  • 9 Sanchez-Munoz E, Prado MA, Martinho G, Pérez YG, Miró RL. Condromatose sinovial do ombro. Descrição de dois casos e revisão da literatura. Rev Port Ortop Traumatol 2014; 22 (03) 406-414
  • 10 Jeffreys TE. Synovial chondromatosis. J Bone Joint Surg Br 1967; 49 (03) 530-534

Endereço para correspondência

Daniel Ferreira Fernandes Vieira, MSc
Hospital de Ortopedia Uniort.e, Avenida Higienópolis
2600, Guanabara, 86050-000, Londrina, PR
Brasil   

Publication History

Received: 18 June 2021

Accepted: 14 October 2021

Article published online:
27 December 2024

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

  • Referências

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  • 10 Jeffreys TE. Synovial chondromatosis. J Bone Joint Surg Br 1967; 49 (03) 530-534

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Fig. 1 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte coronal ponderado em T2).
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Fig. 2 Imagem de ressonância magnética do ombro (corte axial ponderado em T2).
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Fig. 3 Visão artroscópica intra-articular.
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Fig. 4 Visão artroscópica subacromial.
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Fig. 5 Aspecto macroscópico dos condromas removidos.
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Fig. 1 Magnetic resonance imaging of the shoulder (coronal view, T2-weighted image).
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Fig. 2 Magnetic resonance imaging of the shoulder (axial view, T2-weighted image)
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Fig. 3 Intra-articular arthroscopic view.
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Fig. 4 Subacromial arthroscopic view.
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Fig. 5 Macroscopic appearance of the removed chondromas.