CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60(01): s00441800946
DOI: 10.1055/s-0044-1800946
Artigo Original

Organização de um mutirão de cirurgia de escoliose pediátrica e análise dos resultados clínicos e radiográficos

Article in several languages: português | English
1   Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Fortaleza, CE, Brasil
,
2   Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
,
1   Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Fortaleza, CE, Brasil
,
3   Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil
,
3   Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil
,
1   Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Fortaleza, CE, Brasil
› Author Affiliations
 

Resumo

Objetivo Mostrar como o mutirão de cirurgias pode auxiliar no acesso ao procedimento cirúrgico para muitos pacientes que aguardam para realizar cirurgia na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS).

Métodos Trata-se de um estudo retrospectivo de coorte que contou com 28 pacientes da lista de espera do SUS, incluídos em um mutirão de cirurgia de escoliose pediátrica, no qual foram realizadas revisão de prontuário, análise epidemiológica e de resultados clínicos e radiográficos.

Resultados Os dados mostraram que os resultados pós-cirúrgicos de correção das curvas e o nível de complicações observadas nos pacientes, tais como o acometimento de infecções, feridas cirúrgicas, dor ou outros tipos de eventos, são compatíveis com a literatura sobre tema.

Conclusão Sendo assim, entende-se que o mutirão é importante para facilitar o acesso ao procedimento cirúrgico e devolver a qualidade de vida a centenas de pacientes.


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Introdução

A escoliose consiste em um termo utilizado para definir uma deformidade da coluna vertebral no plano coronal superior a 10°, embora consista em uma deformidade vertebral rotacional.[1] A escoliose idiopática é uma doença estrutural, que acomete crianças na puberdade ou perto dela.[2] Pode se originar a partir de diferentes etiologias, associada a síndromes genéticas, malformações congênitas da coluna vertebral, displasias esqueléticas, doenças do tecido conjuntivo e neuromusculares.[1]

A grande maioria desses casos apresenta baixa magnitude da curvatura, medida pelo ângulo de Cobb,[3] o que não traz grandes repercussões clínicas. A prevalência de curvaturas com magnitude grande o suficiente para considerar tratamento cirúrgico é extremamente baixa, entre 0,04 e 0,4%.[1] [4]

A maioria dos casos de escoliose apresentam deformidade não-progressiva e não requerem tratamento cirúrgico. No entanto, alguns casos apresentam progressão rápida da magnitude da curvatura, necessitando de tratamento cirúrgico por conta das deformidades complexas associadas à escoliose pediátrica, o que levou à ideia da organização de projetos para a realização de mutirões de cirurgia.[5]

Os mutirões visam dar celeridade ao andamento das filas de cirurgias eletivas. Com relação à temática abordada neste estudo, a Scoliosis Research Society (SRS) foi pioneira no desenvolvimento de programas para a organização de ações de treinamento de centros referência no tratamento cirúrgico de escoliose pediátrica, culminando com a realização de mutirões de cirurgia, o que foi recentemente descrito na literatura.[6] [7]

Neste trabalho, descreveremos em seus pormenores um mutirão de tratamento de escoliose, com dados epidemiológicos, logísticos, radiográficos e clínicos, como modo de incentivo a iniciativas similiares.


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Materiais e Métodos

Trata-se de um estudo observacional retrospectivo de coorte. Os participantes foram selecionados da lista de espera do Sistema Único de Saúde (SUS) do estado do Maranhão e passaram pelo ambulatório de reavaliação com o grupo e pelo ambulatório de avaliação anestésica, tendo como critérios de exclusão: cirurgias prévias, infecção ativa e falta de condição anestésica para o procedimento.

Todos os pacientes selecionados foram orientados sobre o estudo e convidados a participarem, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e do termo de assentimento do menor, após aprovação pelo comitê de ética em pesquisa. O mutirão aconteceu no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA). Participaram 28 pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos no período de 1 a 4 de fevereiro de 2021.

Os dados demográficos foram colhidos e registrados, incluindo sexo, idade, peso, etiologia da deformidade, e tempo de espera entre a inclusão na lista de espera até a cirurgia, tendo sido calculados média, mediana e desvios padrões das variáveis, assim como a frequência de cada etiologia de escoliose.

Foram avaliados e tabulados os dados relacionados ao procedimento cirúrgico em si, como sangramento intra-operatório, alterações neurofisiológicas, quantidade e tipos de implantes utilizados, dentre outros fatores. Também foi avaliado, no pós-operatório dos pacientes, dados sobre o dreno, transfusões sanguíneas e a presença ou não de infecções.

A magnitude da deformidade, determinada pelo ângulo de Cobb foi calculada para todos os pacientes no pré e no pós-operatório imediato. Utilizou-se o aplicativo SurgiMap (Nemaris Inc., Methuen, MA, EUA) para realização dos cálculos.

Também, foram coletados dados dos profissionais envolvidos no mutirão, como área de especialidade na medicina e região da federação de atuação, através de entrevistas. Foram contabilizados aspectos organizacionais, como a quantidade de salas cirúrgicas, reservas de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI), bem como aferidas as necessidades específicas observadas subjetivamente em cada etapa do processo.


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Resultados

Resultados Demográficos e Pré-operatórios Clínicos

Os participantes tinham entre 10 e 17 anos, incluindo 24 do sexo feminino e 4 do sexo masculino. Observou-se maior incidência da escoliose idiopática (infantil, adolescente e juvenil), (com 20 pacientes; 71%), seguido da congênita (4 pacientes; 14%), neuromuscular (3 pacientes; 11%) e diplomielia (1 paciente; 4%) ([Tabela 1]).

Tabela 1

Paciente

Etiologia da escoliose

Altura pré procedimento(m)

Peso (Kg)

Sexo

M1

Idiopática do adolescente

1.65

46

Feminino

M2

Neuromuscular

1.43

30

Feminino

M3

Congênita

1.39

35

Feminino

M4

Idiopática do adolescente

1.56

48

Feminino

M5

Idiopática do adolescente

1.54

46

Feminino

M6

Idiopática do adolescente

1.57

44

Feminino

M7

Idiopática infantil

1.48

60

Feminino

M8

Idiopática do adolescente

1.62

43

Feminino

M9

Diplomielia

1.35

28

Feminino

M10

Idiopática do adolescente

1.66

55

Feminino

M11

Idiopática do adolescente

1.55

54

Feminino

M12

Idiopática juvenil

1.72

59

Feminino

M13

Idiopática Infantil

1.59

43

Feminino

M14

Idiopática do Adolescente

1.65

52.5

Feminino

M15

Idiopática do adolescente

1.59

47

Feminino

M16

Neuromuscular

1.30

30

Masculino

M17

Idiopática juvenil

1.42

41

Masculino

M18

Congênita

1.64

60

Masculino

M19

Idiopática juvenil

1.53

37.2

Masculino

M20

Idiopática do adolescente

1.61

47

Feminino

M21

Neuromuscular

1.30

22

Feminino

M22

Congênita

1.61

46

Feminino

M23

Idiopática juvenil

1.68

55

Masculino

M24

Idiopática do adolescente

1.66

50

Feminino

M25

Idiopática do adolescente

1.62

56

Feminino

M26

Congênita

1.27

23

Feminino

M27

Idiopática do adolescente

1.64

46

Feminino

M28

Idiopática do adolescente

1.52

38

Feminino

A idade média de diagnóstico/indicação de cirurgia foi de 10,2 anos; a idade de cirurgia de 15,1 anos e a média de atraso entre o diagnóstico e realização do procedimento de 4,7 anos.


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Resultados Intraoperatórios

Sobre os dados das cirurgias ([Tabela 2]), a média de perda sanguínea foi de 768,61 ml, e 3 pacientes necessitaram de transfusão sanguínea. O tempo médio de duração das cirurgias foi 200.74 minutos. Alterações neurofisiológicas transitórias foram identificadas em cinco pacientes, porém não houve déficits neurológicos no pós-operatório.

Tabela 2

Paciente

Perda sanguínea (ml)

Alteração neurofisiológica

Descrição dos episódios

Técnicas

Nível proximal incluído na artrodese

Nível distal incluído na artrodese

Tempo de cirurgia(min)

M1

790

Sim

Queda de potencial motor no momento da derrotação. Sinais normalizados após retirada da barra. Cirurgia finalizada sem mais intercorrências

NA

T8

L3

180

M2

870

Não

NA

Tração intraoperatória: Bipolar

T1

Ílio

310

M3

110

Não

NA

Laminectomia; TLIF

L4

S1

180

M4

580

Não

NA

NA

T4

L2

200

M5

1.115

Não

NA

NA

T4

T12

180

M6

470

Sim

Queda de potencial motor à esquerda. Retorno do potencial após aumento de PAM e temperatura da sala

Tração intraoperatória

T4

L1

220

M7

970

Sim

Queda de Potencial a esquerda que retornou após retirada da tração

Tração intraoperatória;

T2

L2

180

M8

650

Não

NA

NA

T11

L3

100

M9

1.140

Não

NA

Tração intraoperatória; Costoplastia

T3

L3

240

M10

550

Não

NA

Tração intraoperatória

T4

L3

300

M11

960

Não

NA

NA

T4

L4

200

M12

1.400

Não

NA

Osteotomias (3)

T4

L4

300

M13

1.010

Não

NA

Tração intraoperatória

T4

L2

200

M14

610

Não

NA

NA

T4

T12

145

M15

900

Não

NA

NA

T6

L3

135

M16

350

Não

NA

Tração intraoperatória; Bipolar

T1

Ílio

250

M17

1.500

Não

NA

Tração intraoperatória; Osteotomia (3)

T2

L2

220

M18

560

Não

NA

Osteotomias (3)

T2

L2

280

M19

980

Não

NA

Osteotomias (3); Tração intraoperatória

T4

L3

120

M20

690

Não

NA

NA

T10

L4

120

M21

840

Não

NA

Tração intraoperatória; Bipolar

T1

Ílio

220

M22

1.250

Sim

Queda de potencial motor e sensitivo durante osteotomia. Potencial retorna após finalização da descompressão e osteotomia

OSP assimétrico T10

T6

L3

270

M23

740

Não

NA

NA

T3

T12

200

M24

950

Não

NA

Osteotomias(3)

T3

L2

200

M25

300

Não

NA

NA

T4

T12

100

M26

330

Sim

Queda de potencial em MID, retornou após diminuição da tração

Tração intraoperatória

C7

L1

240

M27

820

Não

NA

Translação PL

T4

L3

200

M28

590

Não

NA

NA

T11

L4

150

Procedimentos de tração e osteotomias tipo 2 foram realizadas em 17 pacientes; cinco foram submetidos a tração intraoperatória; três foram submetidos a tração intraoperatória combinada à técnica bipolar; três fizeram procedimento de tração intraoperatória e osteotomias e um fez tração intraoperatória combinada à costoplastia; três fizeram apenas osteotomias.

Outros procedimentos realizados nas cirurgias foram: osteostomia de subtração pedicular (OSP) assimétrica de T10; laminectomia; e técnica de fusão lombar transforaminal (TLIF, na sigla em inglês).

Com relação à artrodese, o nível proximal da inserção de parafusos localizou-se na região torácica, em sua maioria na vértebra T4; em 1 paciente ocorreu na região cervical (C7) e em outro, na região lombar (L4). O nível distal concentrou-se na região lombar; em 4 pacientes ocorreu na região torácica (T12), em 1 paciente na região do sacro (S1) e em 3 pacientes, o procedimento foi realizado na região do quadril (ílio).

Todos os pacientes receberam implantes. Foram necessários 457 implantes, entre eles parafusos, hastes, ganchos e bandas sublaminares.


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Resultados Pós-operatórios Clínicos e Complicações

Os dados pós-operatórios clínicos ([Tabela 3]) mostram que o tempo médio de alta foi de 6.92 dias. Todos os pacientes apresentaram secreções ou sangue no dreno no 1° dia após a cirurgia (média de 370.05 ml), 27 (96%) pacientes no 2° dia (média de 252.59 ml), 9 (32%) no 3° dia (média de 144.66 ml), e apenas um (4%) no 4° dia (280 ml).

Tabela 3

Paciente

Tempo de alta

Débito dreno D1 (ml)

Débito dreno D2 (ml)

Débito dreno D3 (ml)

Débito dreno D4 (ml)

Bolsas de sangue transfundidas

Quantas

Hemoglobina PO1

Hemoglobina PO3

Infecções

Descrição das infecções

Outras complicações

Descrição das complicações

M1

5 dias

225

175

150

Sim

2

8.2

9,8

não

sim

Náuseas e vômitos

M2

12 dias

680

350

Sim

3

12.6

12.8

não

não

M3

4 dias

300

200

Não

11.1

11.0

não

não

M4

4 dias

370

250

Não

10.6

10.1

não

não

M5

6 dias

317

150

não

10.2

9.9

não

não

M6

8 dias

454

300

não

9.4

9.1

não

não

M7

7 dias

144

180

sim

2

8.2

10.2

não

sim

Náuseas e vômitos

M8

5 dias

300

150

86

não

9.0

8.1

não

sim

Náuseas e vômitos

M9

5 dias

480

200

sim

2

8.1

12.2

não

sim

Dor intensa

M10

6 dias

290

278

não

10.1

10.7

não

sim

Dispneias aos médios esforços

M11

6 dias

450

140

sim

4

8.4

12.3

não

sim

Náuseas e vômitos

M12

18 dias

250

500

500

sim

3

7.5

9.3

sim

Infecção de sítio cirúrgico por Klebsiella pneumoniae

sim

FO secretiva, desbridamento dia 12/02

M13

7 dias

155

45

não

9.7

8.1

não

sim

Náuseas e vômitos

M14

6 dias

300

188

sim

1

8.5

10.7

não

sim

Dor moderada

M15

5 dias

390

380

120

não

9.5

9.6

não

não

M16

14 dias

630

450

não

11.2

10.3

sim

ITU por enterobacter cloacae

sim

Úlcera sacral por estase

M17

5 dias

550

190

sim

3

7.6

10.5

não

sim

Acidose metabólica

M18

5 dias

250

450

53

não

13.6

11.3

não

não

M19

6 dias

500

150

sim

1

9.7

11.0

não

sim

Acidose metabólica

M20

18 dias

370

500

115

280

sim

2

9.1

9.4

não

sim

Obstrução funcional, crises convulsivas, hipocalemia.

M21

8 dias

400

344

não

10.9

11.1

não

não

M22

5 dias

725

400

118

não

9.0

8.4

não

sim

Dor intensa

M23

5 dias

400

200

não

11.4

11.0

não

não

M24

6 dias

303

100

não

9.4

8.4

não

sim

Bexigoma, acidose metabolica

M25

4 dias

350

170

100

não

8.9

8.9

não

não

M26

5 dias

358

180

sim

2

8.0

11.2

não

não

M27

5 dias

200

sim

2

8.0

10.9

não

sim

Náuseas e vômitos

M28

4 dias

220

200

60

não

10.3

10.4

não

não

Dos pacientes, 12 (43%) precisaram receber bolsas de sangue no pós-operatório. Seis receberam duas; três receberam três, dois receberam uma e um recebeu quatro bolsas.

Dentre as complicações observadas, houve infecção em dois pacientes, uma urinária com a bactéria Enterobacter cloacae e outra de sítio cirúrgico por Klebsiella pneumoniae. Analisando em termos percentuais, por etiologia, obtivemos 5% de infecções de sítio operatório em casos idiopáticos, sem outras infecções de sítio operatório. Dezesseis pacientes (57%) apresentaram alguma intercorrência; oito apresentaram náuseas e vômitos; dois tiveram dor intensa e um apresentou dor moderada; dois pacientes tiveram acidose metabólica, um apresentou acidose e alterações urinárias (bexigoma); um teve úlcera sacral por estase; um precisou passar por desbridamento cirúrgico, um paciente apresentou dispneias aos médios esforços e um apresentou obstrução funcional, crises convulsivas e hipocalemia.


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Resultados Radiográficos Pré e Pós-operatórios

Quanto aos dados radiográficos, observou-se uma média pré-operatória do ângulo de Cobb da curva torácica alta de 29,3 graus (0–68), torácica baixa de 63,6 graus (0–120), lombar de 42,2 graus (16–79), cifose torácica de 36,6 graus (5–75) e lordose lombar de 55,6 graus (8–86) ([Tabela 4]).

Tabela 4

Paciente

Cobb TP pre (graus)

Cobb TD pré-operatório (graus)

Cobb lombar pré-operatório (graus)

Cobb cifose Pré-operatório (graus)

Cobb lordose pré-operatório (graus)

Cobb TP pós-operatório (graus)

Cobb TD pós-operatório (graus)

Cobb lombar pós-operatório (graus)

Cobb cifose pós-operatório (graus)

Cobb lordose pós-operatório (graus)

M1

22

49

35

43

60

20

29

21

2

36

M2

50

86

36

17

46

34

61

25

4

56

M3

0

0

55

38

66

0

0

50

38

46

M4

35

72

38

16

58

16

23

9

27

47

M5

30

48

36

27

57

3

27

31

20

50

M6

33

106

55

47

50

22

29

34

36

45

M7

49

83

44

58

86

38

44

25

49

68

M8

15

36

45

5

30

24

33

16

13

34

M9

68

120

20

75

56

20

56

0

40

52

M10

27

56

68

5

48

5

23

48

33

45

M11

66

103

40

41

55

56

54

21

15

49

M12

0

50

79

5

8

0

26

23

19

33

M13

49

78

43

28

57

35

44

20

39

55

M14

9

54

40

18

65

15

25

7

32

20

M15

16

49

48

38

71

15

37

31

30

52

M16

12

22

50

28

72

20

14

34

28

80

M17

30

97

37

70

45

27

65

25

50

50

M18

40

74

47

56

58

33

54

27

41

36

M19

30

94

38

58

53

35

38

17

38

40

M20

6

36

47

36

52

6

10

20

40

50

M21

45

101

16

62

68

40

78

2

3

45

M22

51

89

44

70

76

28

53

21

55

55

M23

23

60

34

25

43

26

30

26

28

35

M24

43

57

30

42

56

29

35

16

38

50

M25

19

40

20

10

71

5

0

0

12

60

M26

45

87

31

65

57

37

48

10

33

24

M27

6

0

40

23

48

0

0

16

40

40

M28

2

34

66

19

45

0

24

27

30

37

29,32142857

63,60714286

42,21428571

36,60714286

55,60714286

21,03571429

34,28571429

21,5

29,75

46,55555556

Percentual de correção das curvas

TA: 28%

TB: 47%

L: 50%

No pós-cirúrgico imediato, conseguiu-se uma correção em média de 28% da curva torácica alta, 47% da curva torácica baixa e 50% da curva lombar (médias pós-operatórias de 21 graus, 34,2 graus e 21,5 graus, respectivamente).

Abordando separadamente as escolioses não-idiopáticas, obtivemos, em suas curvas principais, percentual de correção de 28% nas neuromusculares e 30% nas congênitas.


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Resultados organizacionais e de logística

Sobre a estrutura hospitalar, contou-se com ambulatórios, acesso ao setor de radiologia, 5 salas cirúrgicas exclusivas disponíveis durante 4 dias e cerca de 10 a 15 vagas de UTI para rotina pós-operatória. A equipe cirúrgica contou com médicos voluntários e com médicos do quadro de funcionários do próprio hospital. Os implantes foram obtidos por doação, não sendo possível então, avaliar os custos envolvidos com precisão.

As cirurgias aconteceram em fevereiro de 2021, em um período de 4 dias, contudo, a organização do mutirão se iniciou em 2020 ([Fig. 1]).

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Fig. 1 Cronograma de execução do mutirão.

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Discussão

Observou-se uma prevalência de pacientes do sexo feminino, 24 (86%) dentre os 28 pacientes, coincidindo com outro estudo no qual participaram 169 pacientes, 121 (71,6%) dos quais eram do sexo feminino.[7] Outro estudo sobre a incidência da escoliose idiopática do adolescente (EIA) em diversos países, notou que a prevalência e a gravidade da escoliose são maiores em meninas.[8]

Esta pesquisa também constatou uma maior prevalência da escoliose idiopática, contabilizando 20 casos (71%). A EIA é uma doença com uma prevalência geral de 0,47 a 5,2% na literatura atual.[8] Na revisão realizada por Pereira e Gomes,[9] menciona-se estudos que corroboram os resultados desta pesquisa: amostra de 358 adolescentes, 16 com EIA, prevalência de 4,8%[10]; amostra de 3.105 adolescentes, 38 com EIA, prevalência em 5,3%[11]; 418 indivíduos, 18 adolescentes com EIA, prevalência de 4,3%[12]; e 2.562 adolescentes, 37 com EIA, prevalência de 1,5%.[13] Tais dados demonstram que nosso estudo se encontra em consonância com a literatura no aspecto epidemiológico.

Em relação a complicações pós-operatórias, desconfortos são considerados comuns, dentre eles náuseas e vômitos nas primeiras horas de pós-operatório devido à realimentação oral ou em razão da anestesia, dispneia, oligúria,[14] odinofagia, dor nos locais das injeções intravenosas, insônia e constipação.[15] [16] Observou-se que oito pacientes apresentaram náuseas e vômitos, um apresentou dispneias aos médios esforços e um apresentou obstrução funcional, reações comuns em pacientes no pós-operatório.

Com relação à dor, ressalta-se que “[...] a ferida cirúrgica não é espontaneamente dolorosa após 48 horas do ato cirúrgico[14]”; desta forma, é importante averiguar o nível de dor do paciente e realizar os procedimentos necessários. Dentre os 28 pacientes, apenas 2 apresentaram dor intensa e 1 apresentou dor moderada, sem outras complicações.

Outras ocorrências mais dolorosas podem acontecer no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos em geral: sangramento, infecção da ferida, trombose venosa, insuficiência respiratória, tromboembolismo pulmonar, atelectasia pulmonar e infecção urinária.[15] [16]

Outros estudos sobre infecções no pós-cirúrgico de pacientes que se submeteram a tratamento de deformidades na coluna vertebral relatam infecções no trato urinário, perda de controle esfincteriano, contaminação, infecções de feridas ou distúrbios gastrointestinais e complicações pulmonares,[17] além de maior risco de infecções em pacientes com escoliose neuromuscular do que aqueles com EIA. Neste estudo, as complicações e infecções relatadas são comuns em pacientes no pós-operatório de uma forma geral.[18]

A perda de sensibilidade nas extremidades pode ocasionar perda de controle do intestino ou da bexiga e está mais associada a pacientes com escoliose neuromuscular.[18] As complicações observadas no paciente M16 (neuromuscular) podem estar relacionadas com o tipo de escoliose; o paciente não deambulava e apresentou infecção urinária e úlcera sacral.

A complicação mais grave foi apresentada pelo paciente M12 (EIA), que evoluiu com infecção da ferida operatória, uma complicação também observada em outros estudos.[15] [16] [17] [18] O tratamento utilizado foi a desbridamento cirúrgico, mencionado como tratamento usual,[18] juntamente com a irrigação do sítio cirúrgico. Na literatura, a taxa de infecção em cirurgia para EIA variou de 0,9 a 3%; já para a escoliose neuromuscular, a taxa de infecção variou de 4,2 a 20%. Neste estudo, a prevalência de infecção da ferida operatória ficou aproximadamente em 3,5% na análise geral e de 5% entre os casos idiopáticos.

Quanto a outras complicações, os dados irão depender das bases de dados consultadas, variando de 5 a 23% em EIA. Dados mais recentes do banco de dados da SRS, de 2011, revelaram taxa de complicação de 6,3% para todos os casos de EI. Neste estudo os dados mostram que 16 pacientes (57%) apresentaram complicações, aquelas associadas ao tipo específico de cirurgia acometeram 6 dos 28 pacientes, com taxa de prevalência de 21%, sendo apenas uma complicação mais séria (que gerou reoperação), a infecção do sítio cirúrgico.

As taxas de complicações e infecções coincidem com o que é observado na literatura; desta forma, o tempo curto da realização das cirurgias não está relacionado com as complicações observadas.

Com relação ao aspecto radiográfico, houve uma correção média geral de 28% da curva torácica alta, 47% da curva torácica baixa e 50% da curva lombar (médias pós-operatórias de 21 graus, 34,2 graus e 21,5 graus). Estratificando pelas etiologias não-idiopáticas, em suas curvas principais, obtivemos correção de 28% nas neuromusculares e 30% nas congênitas. Em um estudo[19] que analisou vários resultados pós-cirúrgicos, um artigo publicado em 1973, com 71 participantes utilizando hastes de Harrington, gesso de Risser e deambulação precoce, relatou que a curva média pré-operatória era de 56°, com correção de 54% no dia da cirurgia e uma correção de 46% no seguimento. Em 1989 (352 participantes), em pacientes tratados por fusão posterior da coluna, a curva pré-operatória média foi de 54° e a correção média de inclinação ativa supina pré-operatória de 48%. A correção média na cirurgia foi 52% e no seguimento de 2 anos 40%.[19]

Em 2004, um estudo comparativo de 4 diferentes instrumentações (haste dupla, multissistemas de gancho), que avaliou 127 pacientes, com o uso dos sistemas C-D Horizon, Moss-Miami, TSRH e Isola, sendo a correção média de 63% para o C-D Horizon e Moss-Miami, e 58% para TSRH e Isola.[19]

As correções das curvas ao longo dos anos permaneceram similares, e os valores alcançados nessa pesquisa são semelhantes aos outros estudos, confirmando o fato de que apesar de não corrigir completamente a curva, obteve-se um resultado satisfatório.[19] As [Figs. 2] [3] [4] [5] demonstram de forma visual o nível de correção alcançado em alguns pacientes.

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Fig. 2 Paciente M21 pré-operatório. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 3 Paciente M1 resultados pós-cirúrgicos. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 4 Paciente M16 pré-cirúrgico. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 5 Paciente M16 resultados pós-cirúrgico. Fonte: Autores (2023).

Com relação a questão logística, algumas dificuldades foram observadas na realização do mutirão, mas não termos trabalhos similares que abordaram tal aspecto. Observamos que no período pré-operatório, houve dificuldade na divulgação do ambulatório de triagem e em estabelecer contato com os diversos pacientes; além disso, houve a necessidade de técnicos de radiologia capacitados para a realização de radiografias panorâmicas da coluna em ortostase. Observamos, também, que houve a necessidade de salas de atendimento amplas para confecção de fotos e avaliação clínica dos pacientes no ambulatório de triagem. Nos aspectos da avaliação pré-operatória, também houve a necessidade de ambulatório de anestesiologia para avaliação e preparação dos pacientes para o procedimento.

As dificuldades logísticas no intraoperatório dizem respeito a reunir equipe e recursos no período estipulado para o mutirão. Para a sua realização foi necessário reunir uma equipe de profissionais de várias áreas de atuação e de estados diferentes, com experiência em cirurgia de escoliose que estivessem disponíveis no período de realização do mutirão.

No pós-operatório, as dificuldades encontradas foram na disponibilização de salas de UTI. Eram necessários cerca de 10 a 15 leitos simultaneamente, pelo fato de, por vezes, pacientes mais graves não conseguirem receber alta da UTI no primeiro dia pós-operatório. Além disso, era necessário equipe de enfermagem e fisioterapia treinada em procedimentos de tratamento de escoliose, para manutenção de drenos, trocas de curativo ou por conta de deambulação precoce.

Os artigos estudados que tratavam da realização de mutirão[5] [7] para correção de curva de escoliose não trouxeram dados acerca das dificuldades logísticas; tampouco falaram sobre complicações apresentadas pelos pacientes que pudessem justificar a não realização de mutirões de cirurgia. Contudo, algumas reportagens forneceram dados acerca de mutirões cirúrgicos e ressaltam pontos importantes a serem observados.

O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (CREMEB)[20] lançou nota em 2018, alertando para algumas questões relacionadas a mutirão de cirurgias, pois alguns problemas podem surgir devido às condições em que essas cirurgias venham a ser oferecidas, além dos riscos de complicações nos pacientes submetidos aos processos cirúrgicos, especialmente por nem sempre ter pessoal qualificado para acompanhamento durante e após a cirurgia.

Apesar das reportagens acerca de complicações relacionadas a mutirões, nenhuma trata de cirurgia de escoliose, e os casos que apresentaram problemas são baixos se comparados à quantidade de pessoas que são beneficiadas.

Em dezembro de 2022, o Centro Estadual de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER), um centro de reabilitação da Secretaria de Saúde do Governo de Goiás (SES-GO), realizou mutirão de cirurgias eletivas de escoliose para pacientes na lista do SUS. Foram atendidos 20 pacientes, alguns dos quais já aguardavam há cerca de 5 anos, que graças ao mutirão tiveram a oportunidade de melhorar sua qualidade de vida.[21]

Em Pernambuco, a equipe de traumatologia e ortopedia do Hospital Otávio de Freitas realizou um mutirão cirúrgico para tratamento de escoliose e atendeu 18 pacientes com o objetivo de minimizar a fila do SUS. Foram realizados 4 procedimentos por dia, em 3 salas cirúrgicas separadas para essa ação e utilizados 16 leitos de enfermaria adulta e pediátrica, bloco cirúrgico de trauma, UTI e sala de recuperação.[22]

Nesta pesquisa, a idade média de diagnóstico foi de 10,2 anos e a de cirurgia 15,1 anos, sendo o tempo de espera para o procedimento de 4,7 anos, no Brasil, conforme estudo[23] realizado com 51 pacientes todos receberam diagnóstico com idades entre 10 e 17 anos, e a média de espera pela cirurgia foi de 25,41 meses (variando entre 2–180 meses), alguns pacientes esperaram por até 15 anos. Esse tempo de espera pode comprometer a qualidade de vida do paciente, afetando sua autoimagem, satisfação e funcionalidade.[24]

No presente estudo, não analisamos questionários de qualidade de vida e satisfação pessoal devido a dificuldades logísticas.


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Conclusão

Apesar das dificuldades identificadas para a organização de ações similares e de algumas complicações observadas, parece ser viável estimular a multiplicação desse evento em um maior número de hospitais, tendo em vista o número elevado de pacientes em filas de espera de cirurgias aguardando tratamento cirúrgico para escoliose. Porém, é importante salientar que necessitamos de mais ações nesse modelo para avaliação mais acurada de sua segurança e aplicabilidade, principalmente no que diz respeito a casos mais graves e não-idiopáticos.


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Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Suporte Financeiro

Os autores declaram que não receberam suporte financeiro de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.


Trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.



Endereço para correspondência

Augusto Belchior Bitencourt Júnior
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Fortaleza, CE
Brasil   

Publication History

Received: 12 May 2024

Accepted: 14 October 2024

Article published online:
11 April 2025

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Bibliographical Record
Carlos Augusto Belchior Bitencourt Júnior, Raphael de Rezende Pratali, Réjelos Charles Aguiar Lira, Sebastião Vieira de Morais, Anderson Matheus Medeiros de Araújo, Carlos Fernando Pereira da Silva Herrero. Organização de um mutirão de cirurgia de escoliose pediátrica e análise dos resultados clínicos e radiográficos. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00441800946.
DOI: 10.1055/s-0044-1800946

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Fig. 1 Cronograma de execução do mutirão.
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Fig. 1 Task force schedule.
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Fig. 2 Paciente M21 pré-operatório. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 3 Paciente M1 resultados pós-cirúrgicos. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 4 Paciente M16 pré-cirúrgico. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 5 Paciente M16 resultados pós-cirúrgico. Fonte: Autores (2023).
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Fig. 2 Preoperative image of patient M21. Source: Authors (2023).
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Fig. 3 Postoperative outcomes in patient M1. Source: Authors (2023).
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Fig. 4 Preoperative image of patient M16. Source: Authors (2023).
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Fig. 5 Postoperative outcomes in patient M16. Source: Authors (2023).