Palavras-chave cirurgia plástica - imagem corporal - implante mamário - mastodinia - qualidade de vida
Introdução
Os implantes mamários de silicone foram introduzidos na prática cirúrgica na década de 1960,[1 ]
[2 ] e são muito utilizados desde então.[3 ]
[4 ] O censo de 2018 da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica aponta a mastoplastia de aumento como a cirurgia mais realizada no Brasil; entretanto, com porcentagem cada vez menor ao longo dos anos.[5 ] Estatísticas da American Society of Plastic Surgeons (Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos) mostram um aumento dos explantes mamários de 2019 para 2020 nos Estados Unidos.[6 ]
As complicações mais importantes relacionadas aos implantes mamários de silicone são contratura capsular, mau posicionamento do implante, assimetria mamária, ruptura, dor e infecção.[4 ]
[7 ]
[8 ] Por outro lado, têm sido descritos casos de associação do silicone com sintomas sistêmicos e possíveis doenças autoimunes, mas sem evidências claras, sendo ainda um tema controverso.[3 ]
[4 ]
[7 ]
[8 ]
[9 ]
[10 ]
[11 ]
A doença do implante mamário (DIM) é um diagnóstico não oficial caracterizado por sintomas sistêmicos que iniciaram após o implante.[4 ]
[7 ]
[10 ] Até o momento, foram relatados mais de 100 sintomas distintos, sendo os mais comuns: fadiga crônica, artralgia, mialgia, comprometimento cognitivo, boca e olhos secos, alopecia, e lesões cutâneas.[3 ]
[4 ]
[7 ]
[11 ]
[12 ] Existe a teoria de que a percepção da dor estaria alterada devido a um estímulo nociceptivo causado pelo implante mamário associado à extensa preocupação com a segurança do implante, similar a casos de fibromialgia.[3 ]
[9 ] Existe ainda outra teoria de que a DIM é uma síndrome somática funcional, cujos sintomas sistêmicos são resultados de transtorno de somatização.[4 ]
A cirurgia de explante mamário está em ascensão, tanto por sua associação com sintomas locais e sistêmicos quanto pela preocupação com linfoma anaplásico de grandes células (breast implant-associated anaplastic large cell lymphoma , BIA-ALCL, em inglês) e pela mudança do estilo de vida das pacientes.[7 ]
[8 ] A grande cobertura da mídia sobre a segurança dos implantes pode estar contribuindo para essa tendência.[10 ]
Objetivo
O objetivo deste estudo é avaliar pacientes submetidas a explante mamário comparando a imagem corporal e a qualidade de vida antes e após o procedimento cirúrgico.
Materiais e Métodos
Trata-se de estudo prospectivo realizado no Hospital do Servidor Público Estadual (parte do sistema de saúde do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, IAMSPE), em São Paulo, de dezembro de 2022 a abril de 2023. Foram avaliadas 11 pacientes do sexo feminino submetidas a explante de prótese mamária no ambulatório de Cirurgia Plástica. A avaliação se deu por meio da aplicação, nos pré e pós-operatório de 60 dias, dos questionários Breast Evaluation Questionnaire (Questionário de avaliação das mamas)[13 ]
[14 ] e do módulo de redução mamária do questionário BREAST-Q.[15 ]
[16 ] Os resultados foram avaliados mediante o teste não paramétrico de Wilcoxon.
Foram incluídas na pesquisa as pacientes com desejo de retirar os implantes mamários, independentemente da idade, e os motivos para o explante foram: dor nas mamas, contratura capsular, receio de desenvolvimento de câncer de mama, ruptura e rotação do implante, artralgia associada a artrite reumatoide sem melhora com tratamento medicamentoso, e massa sólida peri-implante ([Tabela 1 ]).
Tabela 1
Paciente
Dor na mama
Contratura capsular
Outros motivos
1
Sim
Sim (Baker III)
Receio de patologia (câncer)
2
Sim
Não
Não
3
Sim
Não
Massa local
4
Sim
Sim (Baker IV)
Rotação do implante
5
Sim
Sim (Baker IV)
Não
6
Sim
Sim (Baker III)
Ruptura do implante
7
Sim
Sim (Baker I)
Sintoma sistêmico (artralgia)
8
Sim
Não
Não
9
Sim
Não
Não
10
Sim
Sim (Baker III)
Não
11
Sim
Não
Não
Quanto à técnica cirúrgica, foram submetidas a explante com capsulectomia parcial ou total, a depender da facilidade técnica, seguido de mastopexia com lipoenxertia se o volume mamário resultasse pequeno ([Fig. 1 ]).
Fig. 1 Fotos do pré e pós-operatório de 2 meses de uma das pacientes do estudo.
Resultados
Foram avaliadas 11 pacientes, com média de idade de 55 (variação: 40–87) anos. As respostas do módulo de redução mamária do BREAST-Q foram convertidas para uma escala Rasch, com variação de 0 a 100 pontos, e, quanto maior a pontuação, maior a satisfação e melhor a qualidade de vida.[15 ] O resultado do módulo “satisfação com as mamas” no pré-operatório teve uma média de 52,3 (desvio-padrão [DP]: ± 18,6), com aumento para 64,3(±31,9) após a cirurgia. Quanto ao módulo “bem-estar psicossocial”, a média pré-operatória foi de 67,9(±27,3), e a pós-operatória, de 67,2(±27,3). O módulo “bem-estar físico” teve uma média de 50,7(±25,0), com diminuição para 36,6(±12,6) no pós-operatório ([Tabela 2 ]).
Tabela 2
Módulos
Pré-operatório
Pós-operatório
Valor de p
Média
Mediana
Desvio Padrão
Média
Mediana
Desvio Padrão
Satisfação com as mamas
52,3
48,0
± 18,6
64,3
61,0
± 31,9
0,3276
Bem-estar psicossocial
67,9
66,0
± 27,3
67,2
66,0
± 27,3
0,8785
Bem-estar físico
50,7
51,0
± 25,0
36,6
40,0
± 12,6
0,0251
Outros itens do questionário BREAST-Q foram avaliados somente no pós-operatório. A satisfação com o resultado pós-operatório teve uma média de 85,9(±17,1) ([Tabelas 3 ]
[4 ]). Com relação à satisfação com o complexo areolopapilar, 72,7% das pacientes ficaram muito satisfeitas com o alinhamento e o formato, 63,6% ficaram muito satisfeitas com a altura em relação às mamas e a sua aparência, e 54,5% ficaram muito satisfeitas com a sensibilidade ([Tabela 5 ]).
Tabela 3
Satisfação com os resultados do pós-operatório
Média
Mediana
Desvio padrão
85,9
100,0
± 17,1
Tabela 4
Satisfação com os resultados
Discordo
Concordo um pouco
Concordo totalmente
n
%
n
%
n
%
Passar pela cirurgia foi a melhor decisão para mim
0
0,0
0
0,0
11
100,0
Eu encorajaria outras mulheres na minha situação a fazer a cirurgia similar à minha
0
0,0
1
9,1
10
90,9
Eu faria novamente
0
0,0
0
0,0
11
100,0
De modo geral, a cirurgia foi uma experiência positiva
1
9,1
1
9,1
9
81,8
Passar pela cirurgia mudou minha vida para melhor
0
0,0
5
45,5
6
54,5
Não me arrependo de ter feito a cirurgia
0
0,0
0
0,0
11
100,0
O resultado foi exatamente o que eu esperava
0
0,0
3
27,3
8
72,7
Aconteceu exatamente como eu planejava
0
0,0
4
36,4
7
63,6
Tabela 5
Satisfação com os mamilos
Muito insatisfeita
Um pouco insatisfeita
Um pouco satisfeita
Muito satisfeita
n
%
n
%
n
%
n
%
Quão altos ou baixos estão os seus mamilos em relação às suas mamas?
1
9,1
0
0,0
3
27,3
7
63,6
Como seus mamilos estão alinhados entre si?
1
9,1
0
0,0
2
18,2
8
72,7
E quanto ao formato de seus mamilos e aréolas?
2
18,2
0
0,0
1
9,1
8
72,7
E quanto à aparência de seus mamilos e aréolas?
1
9,1
1
9,1
2
18,2
7
63,6
Quanto sensibilidade você consegue ter em seus mamilos?
1
9,1
2
18,2
2
18,2
6
54,5
Já no Questionário de Avaliação das Mamas (em inglês, Breast Evaluation Questionnaire [BEQ 55]), a pontuação na resposta de cada item varia de 1 a 5, e, quanto maior a pontuação, maior a satisfação.[13 ]
[14 ] O item de satisfação com a aparência das mamas teve uma média de 3,0(±1,6) no pré-operatório, e de 3,8(±1,5) no pós-operatório. Em relação à satisfação com o tamanho das mamas, a média de 3,0(±1,6) diminuiu para 2,9(±1,7). Quanto ao formato das mamas, a média de 2,4(±1,6) aumentou para 2,9(±1,7). E em relação à firmeza das mamas, a média de 2,4(±1,2) aumentou para 3,2(±1,7). Os resultados dos dois questionários aplicados não obtiveram relevância estatística ([Tabela 6 ]).
Tabela 6
Módulos
Pré-operatório
Pós-operatório
Valor de p
Média
Mediana
Desvio padrão
Média
Mediana
Desvio padrão
Qual o grau de satisfação com o TAMANHO das suas mamas?
3,0
3,0
± 1,6
2,9
3,0
± 1,7
0,5281
Qual o grau de satisfação com o FORMATO das suas mamas?
2,4
2,5
± 1,6
2,9
3,0
± 1,7
0,7498
Qual o grau de satisfação com a FIRMEZA das suas mamas?
2,4
3,0
± 1,2
3,2
4,0
± 1,7
0,2812
Você está satisfeita com a aparência (visual) das suas mamas?
3,0
3,0
± 1,6
3,8
4,5
± 1,5
0,3079
Discussão
A realização de explante na DIM se baseia na teoria de melhora sintomática com a retirada do adjuvante por redução da autoimunidade, do estímulo nociceptivo, e do fator psicológico.[3 ]
[4 ]
[11 ] Neste estudo, somente uma paciente tinha sintoma sistêmico: artralgia associada a artrite reumatoide, com melhora progressiva após a explantação.
Antes da decisão cirúrgica, as pacientes devem receber todas as informações científicas atualizadas acerca do tema, para alinhar as expectativas com os resultados possíveis. Deve-se informá-las das alterações locais ocorridas pelo efeito expansivo dos implantes, com atrofia da musculatura e do parênquima mamário, e aumento da redundância de pele. Não existem evidências de que a cápsula precisa ser removida na sua totalidade para a melhora dos sintomas, podendo ser realizada capsulectomia parcial ou total a depender das condições locais, devendo-se avaliar o risco de hematoma e pneumotórax.[17 ]
[18 ]
[19 ] Após o explante, pode-se apenas fechar as incisões, ou associar técnicas de mastopexia com possibilidade de retalhos locais e enxertos de gordura.[20 ]
Poucos estudos avaliaram a qualidade de vida das pacientes após o explante. O estudo de Miranda[21 ] utilizou o questionário BREAST-Q com esse objetivo, e notou uma melhora após a explantação. Nenhum estudo utilizou o Questionário de Avaliação das Mamas no contexto de explantação.[13 ]
[14 ]
Neste estudo, a análise do questionário BREAST-Q mostrou um aumento na média da satisfação com as mamas após a cirurgia, sem alteração no bem-estar psicossocial. Houve piora do bem-estar físico, provavelmente pela aplicação precoce do questionário pós-operatório, durante a qual muitas pacientes ainda estavam em recuperação cirúrgica. A satisfação geral com a cirurgia foi alta, e todas as pacientes afirmaram que “passar pela cirurgia foi a melhor decisão” e “eu faria novamente” ([Tabela 4 ]). O Questionário de Avaliação das Mamas demonstrou melhora da satisfação com a aparência das mamas, assim como melhora no formato e na firmeza das mamas. Os dois questionários mostraram resultados iniciais positivos, mas tiveram limitação pelo número amostral pequeno e o curto período de acompanhamento para avaliar o impacto na qualidade vida.
Há uma crescente discussão sobre os implantes mamários nas redes sociais, muitas vezes sem base científica, com debates sobre os problemas e a segurança do procedimento.[4 ]
[10 ] Isso é uma possível causa de diminuição dos procedimentos de implantes mamários e do aumento dos procedimentos de explantação.[5 ] Apesar dessa tendência, é importante destacar que o implante mamário continua sendo a técnica mais utilizada para o aumento das mamas, e a prevalência da DIM e do BIA-ALCL é extremamente baixa.[8 ]
[22 ]
Conclusão
Dados iniciais apontam um aumento da satisfação com as mamas após o explante mamário; entretanto, mais pacientes devem ser avaliadas em períodos mais longos de pós-operatório para concluir sobre impacto na qualidade de vida com resultados significativos.
Bibliographical Record
Raissa Barakatt de Figueiredo, Eduardo Machado Mariano, Maria Madureira Murta, Wilson Cintra-Junior, Álvaro de Azevedo Ferreira, An Wan Ching, José Antônio Cezaretti. Imagem corporal e qualidade de vida após explante mamário. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica (RBCP) – Brazilian Journal of Plastic Surgery 2024; 39: s00441801338. DOI: 10.1055/s-0044-1801338