Introdução
O transtorno dismórfico corporal (TDC) é uma doença mental caracterizada pela percepção de dismorfias corporais; trata-se de patologia pertencente aos transtornos obsessivos compulsivos, e consiste em pensamentos obsessivos sobre um defeito imaginário na aparência, não condizente com a realidade.[1]
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[5] Os pacientes que sofrem deste transtorno costumam passar horas do dia pensando em sua aparência, e podem realizar ações compulsivas, como se olhar repetidamente no espelho, ou ficar constantemente comparando a sua aparência com a de outras pessoas.[6]
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[10] O TDC também se caracteriza por um sofrimento significativo, funcionamento prejudicado, retraimento social e repetidas tentativas de esconder ou corrigir o defeito imaginado.[11]
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Os pacientes diagnosticados com TDC têm ideias ou delírios de referência, e o transtorno está associado a altos níveis de ansiedade social, esquiva social, humor deprimido, perfeccionismo e neuroticismo, bem como a baixa autoestima e a baixa extroversão.[11]
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[15] A maioria dessas pessoas busca os procedimentos estéticos a fim de sanar seus defeitos percebidos; porém, parecem ficar pouco satisfeitos com tais tratamentos, o que, por vezes, pode acabar piorando o quadro. As variáveis que influenciam no transtorno são gênero, nível socioeconômico e idade.[16]
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Discussão
Transtornos psiquiátricos e cirurgia plástica
Em 2009, Conrado realizou um estudo em que analisou a prevalência do TDC na população geral, e comprovou que os índices podem chegar a 2,4%.[6] Já entre os pacientes que vão em busca e realizam uma cirurgia plástica, essa porcentagem pode variar de 6 a 54%.[3]
[7] Em uma metanálise, Sun e Rieder[4] afirmaram que 15,04% de todos os pacientes de cirurgia plástica preenchem os critérios diagnósticos do TDC. A doença é mais prevalente entre pacientes que procuram os procedimentos estéticos do que entre outras populações e indivíduos que não têm interesse em cirurgia plástica.[22] O TDC tem sido considerado a condição neuropsiquiátrica de maior relevância para os procedimentos estéticos.[5]
Em uma revisão clínica sistemática sobre a psicologia da cirurgia plástica,[8] observou-se que os transtornos de personalidade narcisista, histriônica, e o TDC são as três condições psiquiátricas mais comuns encontradas em pacientes que procuram a cirurgia plástica estética. Um estudo[9] comprovou que 29,5% dos indivíduos diagnosticados com TDC apresentavam sintomas de narcisismo. Outros traços de personalidade comuns a esses pacientes são a impulsividade, a compulsão alimentar e o mal-estar corporal.[10]
Sinais e sintomas do TDC: sobre a cultura e o corpo
Os pacientes com TDC relatam preocupações com até cinco a sete partes do corpo durante o decorrer do transtorno, e há também algumas diferenças relacionadas ao gênero.[11] Homens tendem mais a ficar perturbados com seus órgãos genitais, sua constituição corporal e a queda de cabelo que resulta em calvície. Em contraste, as mulheres, que são as mais afetadas pelo distúrbio, tendem a ficar obcecadas com sua pele, peso, seios, nádegas, coxas, pernas, quadris, excesso de pelos, e se preocupam excessivamente com mais áreas do corpo quando comparadas aos homens.[23]
O sintoma nuclear do TDC é a insatisfação corporal, categoria incluída no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais.[2] Há várias teorias sobre a origem da doença, sendo a genética um fator importante nesses casos, uma vez que pacientes com histórico familiar positivo têm de quatro a oito vezes mais chances de desenvolvê-la. A busca por procedimentos estéticos e cirúrgicos a fim de sanar as insatisfações pessoais, seguida de dietas restritivas e exercícios físicos excessivos, são algumas das peculiaridades desses pacientes.[12]
A depressão é a comorbidade mais comumente associada ao TDC, com maior probabilidade de persistir ao longo da vida dos pacientes, em uma taxa de 75%. Entre 30 e 50% relataram abuso de álcool ou droga, e a maioria desses indivíduos afirmou que o etilismo e o tabagismo tinham surgido como resultado dos sintomas do TDC e do sofrimento clínico associado. A terceira comorbidade mais comum é a fobia social, que acomete entre 37 e 39% dos pacientes, e o transtorno obsessivo-compulsivo, que afeta de 32 a 33%. No estudo de Phillips et al.,[23] em uma amostra de indivíduos com TDC, descobriu-se que apenas 9% dos pacientes apresentavam somente o TDC, 22% apresentavam outro transtorno mental associado, 29%, 2 transtornos ou mais, e 43%, 3 transtornos ou mais, além do TDC. Quanto mais comorbidades uma pessoa sofre, pior tende a ser a sua qualidade de vida.[13]
Ao longo da história, a sociedade cultivou o corpo, a estética e o belo de diferentes modos, conforme a época. Tanto hoje em dia quanto antigamente, a cultura pela qual o ser humano enxerga o mundo influencia totalmente os seus comportamentos. Um padrão é definido, e aqueles que não o atendem são vistos de modo inferior com relação aos demais. A busca pela beleza ideal é fluida e mutável ao longo dos tempos e das necessidades humanas, o que torna essa conquista sempre inviável. Este conceito de aparência física adequada muitas vezes é confundido com sentimentos de felicidade e satisfação, de modo que diversas pessoas o tem como indicador de sucesso, seja ele na esfera pessoal, profissional, política ou cultural.[12]
A exposição as plataformas de conferência digital aumentou significativamente, o que leva os usuários a verificar constantemente sua aparência e encontrar defeitos em sua aparência virtual percebida. Estudos demonstraram que o uso frequente de mídias sociais pode levar os indivíduos a terem uma imagem corporal irrealista e distorcida, o que acarreta uma preocupação significativa com a aparência e elevada ansiedade. Além da exposição às redes piorar a insatisfação com a imagem corporal, pode também afetar as comorbidades do TDC, tais como a depressão e os distúrbios alimentares.[14]
Critérios diagnóstico e métodos de triagem
O nível de conhecimento sobre seu próprio distúrbio é chamado de insight, e é um critério diagnóstico importante, que deve ser observado.[11] É dividido em três níveis: bom, pobre ou ausente; quando o paciente tem ciência de que os pensamentos sobre seu corpo não são verdadeiros, é chamado de bom. O pobre é quando as crenças são provavelmente verdadeiras; quando ausente, o paciente não acha que sofre de um transtorno e não tem consciência, nem controle sobre seus pensamentos, está totalmente convencido de que suas crenças são verdadeiras. São relatados pensamentos intrusivos, que surgem de forma espontânea e são difíceis de tirar da mente, e eles, se intensificam quando os pacientes se sentem observados.[2]
Estes defeitos, associados a ideias de supervalorização da imagem corporal e a um insight insuficiente, passam a ser de preocupação clínica, capazes de gerar uma morbidade significativa, que leva o paciente a sofrer perdas ocupacionais e sociais importantes.[13] Em um estudo realizado por Ribeiro,[15] verificou-se que 15,04% dos pacientes de cirurgia plástica apresentam TDC (variação: 2,21–56,67%); a média de idade dos pacientes foi de 34,54 ± 12,41 anos, sendo a maioria mulheres (74,38%). Rabaioli et al.[7] relataram que levantamentos realizados pela International Society of Aeshetic Plastic Surgery (ISAPS) apontaram que o Brasil é o primeiro no ranking mundial de procedimentos cirúrgicos estéticos. Segundo os resultados desses estudos,[7] esses números ultrapassam os das cirurgias plásticas realizadas nos Estados Unidos, líder mundial dos últimos anos.
A avaliação psicológica pré-operatória deve ser uma parte central da consulta inicial de cirurgia plástica.[10] Apesar de a triagem formal para buscar o TDC não ser comum na prática, a presença do transtorno é uma contraindicação relativa para a realização da cirurgia plástica.[16] A triagem é feita por do questionário Body Dismorphic Disorder Questionnaire (BDDQ), que avalia a probabilidade de o paciente ter o TDC.[17]
Procedimentos mais procurados, risco da ideação e tentativa suicida
Os procedimentos mais realizados para sanar as insatisfações pessoais são: implante de prótese de mama (15,3%), lipoaspiração de abdômen (13,9%), blefaroplastia (11,9%), lipoescultura (9,1%) e rinoplastia (8,2%).[11]
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[26] Em uma pesquisa sobre as taxas de prevalência do TDC,[16] constatou-se que os candidatos à abdominoplastia apresentam a maior taxa, de 57%, seguidos por 52% dos pacientes da rinoplastia e 42% dos da ritidoplastia. A gravidade do TDC foi significativamente associada ao grau de insatisfação corporal, comportamentos de evitação, abuso sexual e ideação suicida.[16]
Em 2006, Phillips et al.[23] relataram que os pacientes diagnosticados com TDC apresentaram taxas elevadas de ideação suicida ao longo da vida, que chegando a de 78%, e os piores prognósticos foram em pacientes que chegaram à tentativa de suicídio (27,5%).[23] Os relatos de ideação suicida foram associados a uma maior depressão comórbida ao longo da vida.[13]
Tratamento e índice de insatisfação pós-operatória
É um desafio tratar esses pacientes, pois eles se recusam a acreditar que sofrem de uma desordem mental. Portanto, as cirurgias estéticas são proscritas, pois nenhum procedimento realizado irá satisfazer o paciente, que sofre de um transtorno mental. A terapêutica considerada mais eficaz se baseia em terapia cognitivo comportamental (TCC) e no uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs). A TCC é considerada tratamento de primeira linha, e os pacientes relatam que obtiveram uma maior percepção de sua aparência e melhor qualidade de vida. A farmacoterapia como aliada mostrou-se eficaz na redução dos sintomas relacionados à preocupação com a aparência e os comportamentos compulsivos, assim como dos sintomas de depressão e ansiedade associados; ademais, mostrou efeitos positivos no funcionamento social, nos pensamentos suicidas e na qualidade de vida geral. Contudo, ainda são necessárias mais pesquisas para padronizar a conduta frente a esses pacientes.[6]
Um estudo sobre a evolução de indivíduos com defeito mínimo na aparência 5 anos após a solicitação de cirurgia estética[28] confirmou que esse tipo de cirurgia não é eficaz para pacientes diagnosticados com o TDC, mesmo com a satisfação declarada do paciente, o que pode explicar o fato de alguns cirurgiões plásticos não aderirem totalmente à contraindicação cirúrgica. Estudos em geral mostram que a realização da cirurgia estética raramente melhora os sintomas do TDC, e indicam que os pacientes relatam baixo grau de satisfação e apresentam deterioração dos sintomas da doença, o que leva os cirurgiões s encaminhar prontamente aqueles rastreados com o transtorno a um psiquiatra familiarizado com a patologia.[13]
Apesar da incapacidade de qualquer procedimento abordar suas falhas percebidas, os pacientes costumam buscar opiniões adicionais e outras opções de tratamento. Em colaboração com o conselho jurídico, são fornecido sinais de alerta para reconhecer o transtorno, avaliar criticamente o consentimento informado e as ramificações legais para operar esses pacientes, devido à alta insatisfação pós-operatória.[18] Do ponto de vista legal, o médico deve se resguardar contra possíveis problemas envolvendo o resultado desses procedimentos e contra a possível insatisfação pós-operatória; para tanto, ele deverá lançar mão dos mais variados recursos, considerando que não há leis nem condutas bem definidas que orientam uma disputa judicial entre o médico e o paciente portador do transtorno.[6]
Conduta dos cirurgiões
Ao se identificar o paciente psicologicamente desafiador antes da intervenção cirúrgica, pode-se oferecer a ele assistência psicológica adequada, o que pode resultar em um indivíduo mais saudável.[5] Cabe ao cirurgião plástico explicar as possibilidades e os riscos associados à cirurgia, para estabelecer uma boa relação com o seu paciente, pautando sua conduta em princípios éticos e de consciência moral.[27]
Foi aplicado um questionário a 265 cirurgiões plásticos: 84% acreditavam ter operado um paciente com TDC, e em apenas 1% dos casos eles acreditavam que o procedimento tinha trazido benefícios para o indivíduo. Ao todo, 40% desses médicos sofreram algum tipo de ameaça, seja legal ou de espancamento, e mais de 80% descobriram somente depois do procedimento que o paciente tinha TDC. Entre aqueles que operaram um paciente com TDC, 43% acreditavam que a preocupação do paciente surgia após o procedimento, e 39% acreditavam que surgiam preocupações com outras partes do corpo após a cirurgia. Foi observada uma discrepância entre a melhora percebida pelos pacientes e a melhora real dos sintomas após a cirurgia estética: 35% dos pacientes se sentiram melhor após os procedimentos, mas somente 1,3% relataram diminuição dos sintomas após a cirurgia. Na maioria dos estudos, os resultados sugerem que a cirurgia estética raramente melhora os sintomas do TDC, e pode ser até prejudicial para o paciente.[13]
Um estudo realizado em 2019 revela que o TDC leve a moderado, não é um critério de exclusão para a cirurgia estética, mas um planejamento de tratamento específico e uma abordagem multidisciplinar são necessários. Triagem direcionada, discussão ativa e prudente, bem como o conhecimento das opções de tratamento e das características especiais do padrão da doença, compreensão flutuante da doença e desejo de medidas de cirurgia plástica são estritamente necessários. A cautela torna-se uma qualidade médica essencial (pois não se trata de um problema estético, mas de uma desordem mental), para aumentar a satisfação geral dos pacientes e diminuindo o risco de litígio contra os cirurgiões.[29]
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Conclusão
Constatou-se que a prevalência do TDC, a patologia mais prominente em pacientes candidatos a cirurgia plástica da atualidade, varia de 2 a 50%, mas com vários estudos convergindo na hipótese de que esses procedimentos raramente melhoram os sintomas do TDC, e podem até piorar o quadro clínico, com altos graus de insatisfação cirúrgica.
Os procedimentos mais comumente procurados por esses pacientes são a mamoplastia de aumento, a lipoaspiração de abdômen, a blefaroplastia, a lipoescultura, a rinoplastia, a abdominoplastia e a ritidoplastia. A gravidade do caso se define a partir do insight que o paciente tem sobre o seu transtorno e das comorbidades envolvidas, que afetam negativamente a qualidade de vida. Não há uma maneira de evitar o TDC, mas o diagnóstico e tratamento precoces com a abordagem de uma equipe multidisciplinar após o início dos sintomas é indispensável.
Conclui-se que, pelo risco da piora dos sinais e sintomas, além do alto índice de insatisfação cirúrgica presente, o Brasil, país campeão no mundo em termos de cirurgias plásticas estéticas, deve ter seus profissionais capacitados para tratar todos os pacientes hígidos na cirurgia plástica, assim como para 0avaliar a necessidade de cancelamentos cirúrgicos em casos graves.