Palavras-chave acetábulo - artroplastia do quadril - smartphone
Introdução
O posicionamento adequado do implante durante a artroplastia total do quadril (ATQ)
primária é crucial para os desfechos e a sobrevida no curto e longo prazos.[1 ]
[2 ] É ainda mais importante durante a revisão de ATQ (rATQ), em especial na presença
de defeitos ósseos ou distorção dos marcos anatômicos.[2 ]
[3 ]
O fardo econômico da rATQ tem aumentado graças à instabilidade e ao afrouxamento asséptico,
que são as principais causas de revisão. Portanto, várias estratégias já foram empregadas
para reduzir o risco de revisão, inclusive a melhora do desenho dos implantes, dos
materiais de suporte e novas tecnologias, como navegação por computador e cirurgias
assistidas por robótica. No entanto, a maioria dessas tecnologias é cara e não está
disponível em todas as instituições.[1 ]
[4 ]
[5 ]
A colocação de acetábulo assistida por smartphone foi investigada na ATQ primária com resultados promissores tanto em estudos com cadáveres
quanto com pacientes, e demonstrou precisão aceitável, facilidade de uso por cirurgiões
jovens e aplicação barata, particularmente em instituições com algumas restrições
econômicas que limitam a introdução das novas tecnologias já mencionadas.[6 ]
[7 ]
[8 ]
Apresentamos uma técnica simples e econômica com o uso de aplicativos de smartphone para o ajuste da inclinação do acetábulo em uma técnica de rATQ de três etapas, e
relatamos os resultados obtidos nos quatro primeiros casos.
Técnica Cirúrgica e Descrição dos Casos
Técnica Cirúrgica e Descrição dos Casos
Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética institucional (IRB número: 17300762),
e o termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado por todos os pacientes
antes da cirurgia.
O protocolo perioperatório para todos os pacientes foi o seguinte: 1) histórico médico
e cirúrgico detalhados; 2) avaliação clínica pré-operatória; 3) exames laboratoriais
como parte da avaliação pré-operatória regular e para a exclusão de infecção (na forma
de hemograma completo com contagem diferencial de leucócitos, velocidade de hemossedimentação
e determinação da concentração de proteína C-reativa); e 4) exames de imagem: radiografias
simples pré-operatórias em projeções anteroposterior (AP) da pelve (incluindo ambos
os quadris) ([Figs. 1A,B ] e [2A,B ]), AP e em perfil do quadril afetado ([Fig. 2A ]), e AP da pelve com o paciente em decúbito lateral (conforme descrito na literatura;[9 ]
[10 ]
[Figs. 3B ] e [4C ]). Também solicitamos tomografias computadorizadas (TC) para a avaliação da extensão
do defeito ósseo em caso de suspeita ([Fig. 1C ]).
Fig. 1 Caso 1. (A ) Hemiartroplastia bipolar não cimentada com deslocamento e infecção. (B ) Artroplastia total de quadril (ATQ) de primeiro estágio com a aplicação de um espaçador
de cimento com antibióticos (a haste foi retida, pois sua posição era sólida). (C)
Tomografia computadorizada para a avaliação da extensão do defeito ósseo. (D) Ajuste
intraoperatório assistido por aplicativo de smartphone da haste supra-acetabular (seta branca) como referência para a inclinação da cúpula
(seta vermelha: smartphone em saco plástico estéril; círculo vermelho: ângulo ajustado medido pelo aplicativo
Spirit Level; seta preta: parafuso de Schanz supra-acetabular; e seta amarela: pinça).
(E ) Fresagem acetabular paralela à haste supra-acetabular. (F ) Radiografia em incidência anteroposterior (AP) da pelve no período pós-operatório
imediato, mostrando cúpula de mobilidade dupla sem cimento e ângulo de inclinação
de 41,9°. (G ) Último acompanhamento (aos 24 meses), mostrando a manutenção da posição da cúpula.
Fig. 2 Caso 2. (A) Hemiartroplastia bipolar cimentada com infecção após a fixação de fratura
do colo do fêmur prévia e malsucedida. (B ) Artroplastia total de quadril de primeiro estágio com a aplicação de um espaçador
de cimento articulado com antibióticos. (C ) Ajuste intraoperatório assistido por aplicativo de smartphone da haste supra-acetabular (seta branca) como referência para a inclinação da cúpula
(seta vermelha: smartphone em um saco plástico estéril; círculo vermelho: ângulo ajustado medido pelo aplicativo
Spirit Level; seta preta: parafuso de Schanz supra-acetabular; seta amarela: pinça;
e seta azul: ligamento acetabular transverso para o ajuste da anteversão). (D ) Fresagem acetabular paralela à haste supra-acetabular. (E ) Seta verde mostrando os aloenxertos usados para o enxerto ósseo de impacto para
a reconstrução do defeito ósseo. (F ) Inserção final da cúpula acetabular com o cabo paralelo à haste supra-acetabular.
(G) Radiografia AP da pelve no período pós-operatório imediato, mostrando a cúpula
sem cimento e um ângulo de inclinação de 42,9°.
Fig. 3 Caso 3. (A ) Cúpula acetabular não cimentada, mal posicionada, e com afrouxamento asséptico.
(B ) Radiografia AP da pelve com o paciente em decúbito lateral, mostrando a inclinação
pélvica lateral (adução) de -6°. (C ) Ajuste intraoperatório assistido por aplicativo de smartphone da haste supra-acetabular como referência para a inclinação da cúpula (seta vermelha:
smartphone em saco plástico estéril; círculo vermelho: ângulo ajustado medido pelo aplicativo
Spirit Level). (D ) Seta azul mostrando o ligamento acetabular transverso para o ajuste da anteversão.
(E ) Após a fresagem acetabular e a inserção de uma cúpula de teste, a extensão do defeito
ósseo acetabular pôde ser avaliada (seta laranja). (F ) Radiografia AP da pelve no período pós-operatório imediato, mostrando a cúpula de
mobilidade dupla cimentada com ângulo de inclinação de 46,9° e reconstrução do defeito
ósseo com um aumentador metálico. (G ) Último acompanhamento (aos 17 meses), mostrando a manutenção da posição da cúpula.
Fig. 4 Caso 4. (A ) Hemiartroplastia bipolar cimentada com soltura e infecção. (B ) Artroplastia total de quadril de primeiro estágio com um espaçador de cimento deslocado
e com antibióticos. (C ) Radiografia AP da pelve com o paciente em decúbito lateral, mostrando a inclinação
pélvica lateral (abdução) de 3°. (D ) Ajuste intraoperatório assistido por aplicativo de smartphone da haste supra-acetabular (seta branca) como referência para a inclinação da cúpula
(seta vermelha: smartphone em saco plástico estéril; círculo vermelho: ângulo ajustado medido pelo aplicativo
Spirit Level, seta preta: parafuso de Schanz supra-acetabular; e seta amarela: pinça).
(E,F ) Fresagem acetabular e inserção final da cúpula paralelas à haste supra-acetabular.
(G ) Radiografia AP da pelve no período pós-operatório imediato, mostrando a cúpula sem
cimento e ângulo de inclinação de 40,6°. (H ) Último acompanhamento (aos 19 meses), mostrando a manutenção da posição da cúpula.
O mesmo cirurgião foi responsável por todos os procedimentos (os detalhes dos pacientes
estão descritos na [Tabela 1 ] e nas [Figs. 1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ]), realizados sob raquianestesia com o paciente em decúbito lateral (após assegurar
o paralelismo da mesa em relação ao chão) por meio de uma abordagem lateral direta
modificada (incorporando a incisão cirúrgica anterior); após a exposição adequada,
a remoção do implante e o desbridamento, pelo menos cinco amostras de tecido foram
obtidas e enviadas para cultura bacteriana e antibiograma. Nosso objetivo era inserir
a cúpula dentro da zona de segurança de Lewinnek (40° ± 10° de inclinação e 15° ± 10°
de anteversão).
Tabela 1
Caso 1
([Fig. 1 ])
Caso 2
([Fig. 2 ])
Caso 3
([Fig. 3 ])
Caso 4
([Fig. 4 ])
Idade (anos)
35
61
58
60
Sexo
Feminino
Masculino
Masculino
Masculino
Lado
Direito
Esquerdo
Direito
Esquerdo
Diagnóstico pré-operatório
IAP que demandava rATQ de segundo estágio
IAP que demandava rATQ de segundo estágio
Cúpula mal posicionada com afrouxamento asséptico
IAP que demandava rATQ de segundo estágio
Número de cirurgias anteriores
3
4
1
3
Período de acompanhamento (meses)
24
23
17
19
Defeito no osso acetabular
Sim
Sim
Sim
Sim
Defeito ósseo segundo a classificação de Paprosky
2A
2C
3A
2A
Inclinação pélvica lateral pré-operatória (graus)
0
0
-6
+3
Implantes usados
Cúpula não cimentada de mobilidade dupla; o lado femoral não foi revisto
Cúpula primária cimentada e haste não cimentada (Wagner)
Cúpula cimentada de mobilidade dupla; o lado femoral não foi revisto
Cúpula primária cimentada e haste não cimentada (Wagner)
Reconstrução do defeito ósseo
Não necessária
Enxerto ósseo de impacto com aloenxerto
Aumentador metálico (tântalo)
Não necessária
Inclinação pós-operatória da cúpula (graus)
41,9
42,9
46,9
40,6
Inclinação da cúpula no último acompanhamento (graus)
41,5
Não obtida
46,4
40,6
Complicações
Dor branda ocasional e claudicação
Dor branda ocasional
Nenhuma
Nenhuma
Harris Hip Score (no último acompanhamento)
95
Não obtido*
92
90
Os detalhes cirúrgicos, nas três etapas principais, para a utilização de aplicativos
de smartphone na rATQ para o ajuste da inclinação do acetábulo, foram:
1) Cálculo radiológico ou clínico da possível inclinação lateral da pelve; radiológico:
na radiografia AP da pelve, com o paciente em decúbito lateral, como o ângulo entre
um eixo transversal da pelve (linhas interlágrimas ou interisquiáticas) e o nível
da mesa de radiologia ([Figs. 3B ] e [4C ]); caso não possa ser obtida antes da cirurgia, pode ser obtida por fluoroscopia
após o posicionamento final do paciente na mesa cirúrgica. A pelve pode estar em posição
neutra (0°) se o ângulo for de 90°, abduzida (valor positivo), se o ângulo for > 90°
, ou aduzida (valor negativo), se o ângulo for < 90°;[8 ]
[9 ]
[10 ] clínica: como o ângulo entre uma linha que conecta as marcas nas espinhas ilíacas
anterossuperiores (EIAS) bilaterais e o nível da mesa cirúgica.[6 ]
[8 ]
2) Definição da referência intraoperatória para a inclinação da cúpula: seguimos os
mesmos passos descritos na literatura,[6 ]
[8 ] usando um saco plástico estéril para proteger o smartphone após o acionamento do aplicativo Spirit Level, com uma bússola embutida em um iPhone
XR (Apple Inc., Cupertino, CA, Estados Unidos) ou outros aplicativos similares de
download gratuito (para smartphones baseados na plataforma Android). Um parafuso de Schanz supra-acetabular foi inserido
de dentro da abordagem cirúrgica e conectado a uma haste com uma braçadeira ajustável.
A haste é uma referência para ajustar a inclinação da cúpula após considerar o valor
da inclinação pélvica. Para um ângulo-alvo de inclinação final de 45° e se a inclinação
pélvica for de -10°, por exemplo, a haste é ajustada em 35° e vice-versa, em caso
de abdução pélvica ([Figs. 1D, ]
[2C, ]
[3C ] e [4D ]).
3) Fresagem do acetábulo e inserção final da cúpula acetabular: a fresagem progressiva
do acetábulo foi realizada por meio de ajuste do cabo da fresa paralelamente à haste
supra-acetabular para o ajuste da inclinação ([Figs. 1E, ]
[2D ] e [4E ]). Para a anteversão, contamos principalmente com o ligamento acetabular transverso
(LAT) ([Figs. 2C ] e [3D ]), um marco anatômico consistente na maioria dos casos de revisão.[11 ]
[12 ] Após atingir o ajuste adequado, um componente acetabular de teste é usado para avaliar
o tamanho final da cúpula, a estabilidade, e a necessidade de reconstrução do defeito
acetabular presente ([Fig. 3E ]). A inserção final da cúpula (cimentada ou não) é realizada com o cabo do equipamento
de inserção paralelo à haste supra-acetabular ([Figs. 2F ] e [4F ]).
Avaliação e Acompanhamento Pós-operatórios
No pós-operatório e no último acompanhamento, radiografias AP da pelve foram obtidas
para avaliar o ângulo de inclinação (abdução) da cúpula acetabular, medido entre as
linhas interlágrimas ou interisquiáticas e uma linha ao longo do eixo do eclipse da
cúpula, formado pela borda superolateral e pela borda inferomedial como pontos de
referência ([Figs. 1F, ]
[2G, ]
[3F e ]
[4G ]). Os resultados funcionais no último acompanhamento foram avaliados de acordo com
o Harris Hip Score (HHS), e complicações em qualquer ponto do acompanhamento foram
relatadas. Os desfechos estão apresentados na [Tabela 1 ].
Discussão
A maioria dos cirurgiões concorda que o posicionamento ideal do acetábulo é crucial
para os desfechos em longo prazo e a redução da incidência de instabilidade após ATQ
primária e de revisão.[2 ]
[5 ]
[11 ]
A navegação por computador e a utilização de robótica na rATQ mostraram resultados
satisfatórios em relação à diminuição do risco de instabilidade por posicionamento
adequado dos implantes e à redução das taxas de luxação após a rATQ em até 0%.[13 ] No entanto, essas tecnologias são dispendiosas, não estão disponíveis em todas as
instituições ,e exigem formação e preparação específicas.[4 ]
[5 ]
Para superar esses obstáculos, usamos aplicativos de smartphone que auxiliaram com sucesso o ajuste da cúpula acetabular em quatro procedimentos
de rATQ. Acreditamos que a técnica é simples e de fácil aplicação pelo cirurgião,
sem a necessidade de preparação complexa ou exames especiais de imagem antes do procedimento
além de uma radiografia AP da pelve com o paciente em decúbito lateral para o cálculo
da inclinação pélvica lateral, e ajudou a atingir o ângulo de inclinação da cúpula
acetabular dentro da zona segura; além disso, nenhuma complicação ou infecção foi
relatada em nenhum dos casos.
A técnica de colocação de cúpula assistida por smartphone foi descrita na ATQ primária e mostrou resultados promissores ao ajudar cirurgiões
jovens e menos experientes a alcançar a colocação ideal da cúpula acetabular de modo
comparável ao dos seus pares mais experientes, com melhora na precisão do procedimento
em comparação a métodos visuais. Isso foi comprovado em estudos clínicos,[8 ]
in vitro e em modelos com cadáveres.[7 ]
Na técnica atual, usamos os mesmos instrumentos manuais das ATQs de rotina, sem a
necessidade de configuração complexa. O tempo gasto utilizando o aplicativo do smartphone e ajustando os ângulos foi de cerca de 5 minutos, sem assistência externa. Admitimos
que a técnica assistida por smartphone não pode competir com a precisão da navegação por computador ou o posicionamento
da cúpula assistido por robótica; no entanto, acreditamos que é mais econômica e reduz
o tempo gasto com essas tecnologias.
Em uma revisão sistemática sobre o papel de um inclinômetro (incluindo aplicativos
de smartphone ) no ajuste do posicionamento da cúpula acetabular durante a ATQ, van Duren et al.[3 ] relataram que o grupo em que foi utilizado o inclinômetro apresentou ângulos de
inclinação da cúpula significativamente mais próximos da zona-alvo em comparação às
técnicas assistidas por guias mecânicos ou à mão livre. Eles[3 ] também relataram que o uso do inclinômetro aumentou o tempo operatório em 2 a 7
minutos em comparação a outras técnicas, com base nos resultados relatados em 3 ensaios
clínicos.
Na literatura, a inclinação pélvica lateral foi relatada como ± 10°, com até 45% dos
pacientes apresentando uma inclinação absoluta de 5°.[8 ]
[9 ]
[14 ] Portanto, uma etapa pré-operatória crucial que recomendamos é antecipar a inclinação
pélvica lateral, que pode passar despercebida pelo cirurgião e ficar obscurecida após
a colocação dos curativos, especialmente em pacientes com sobrepeso ou deformidade
fixa da articulação do quadril.[9 ]
[10 ]
[14 ]
Obtivemos inclinações da cúpula acetabular dentro das zonas seguras em todos os pacientes,
e nenhuma instabilidade foi relatada durante o acompanhamento. Kurosaka et al.[7 ] compararam a precisão do posicionamento da cúpula acetabular assistida por iPhone
à navegação por computador em cinco quadris de cadáveres em procedimentos realizados
por sete cirurgiões (quatro residentes do primeiro ano e três cirurgiões de quadril
seniores); eles relataram uma diferença média entre as técnicas de 2,1° ± 1,6° (variação:
0°–6°), mas nenhuma diferença significativa entre residentes ou cirurgiões experientes
no ajuste de inclinação (p = 0,74). Além disso, todas as cúpulas acetabulares colocadas usando a técnica com
o iPhone estavam dentro da zona segura de Lewinnek.[7 ]
Uma limitação da técnica do smartphone é a dificuldade de avaliação da anteversão, já relatada em estudos anteriores.[7 ] Para superar esse obstáculo, confiamos no LAT em todos os casos como um marco anatômico
consistente e específico do paciente.[12 ]
Conclusão
Smartphones podem auxiliar cirurgiões jovens ou que não têm acesso a tecnologias mais recentes
no ajuste da inclinação da cúpula acetabular quando de sua colocação na rATQ. No entanto,
a avaliação da possível inclinação pélvica lateral e sua consideração durante o posicionamento
da cúpula são cruciais.
Bibliographical Record Ahmed A. Khalifa, Mahmoud Faisal Adam, Mohamed A. Mahran. Ajuste de inclinação do
acetábulo assistido por smartphone durante revisão de artroplastia total de quadril: Técnica cirúrgica e relato de quatro
casos. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451804490. DOI: 10.1055/s-0045-1804490