Palavras-chave complicações pós-operatórias - linfócitos - metástase neoplásica - neutrófilos - plaquetas - procedimentos cirúrgicos operatórios
Introdução
O câncer é um problema de saúde pública, com cerca de 626 mil novos casos no Brasil em 2020.[1 ] A doença óssea metastática é a neoplasia maligna mais comum do esqueleto, e ocupa o terceiro lugar na disseminação de adenocarcinomas, após o pulmão e o fígado.[2 ]
[3 ] As metástases ósseas (MOs) ocorrem principalmente no esqueleto axial (80%), na pelve e no fêmur, e afetam especialmente mulheres acima da quarta década de vida.[4 ]
[5 ] A maioria das MOs originam-se da mama, da próstata ou do pulmão.[4 ]
[5 ]
A presença de MO é a principal causa de morbidade em pacientes com câncer avançado,[6 ] e seu controle é essencial para melhorar a qualidade de vida, a dor e a independência do paciente.[2 ] O tratamento é multidisciplinar, e inclui medidas clínicas ou cirúrgicas.
A cirurgia busca estabilizar fraturas iminentes ou patológicas, ao promover a redução da dor, a melhora da função do membro, a deambulação precoce e ao evitar as complicações do decúbito prolongado.[2 ] A decisão cirúrgica deve considerar a localização, a extensão da metástase, a resposta a terapias adjuvantes, o quadro clínico e a expectativa de vida.[6 ] A taxa de complicações do tratamento da MO correlaciona-se à idade avançada, às comorbidades clínicas, à imunodeficiência, à desnutrição, à internação prolongada e à irradiação local.[7 ]
A inflamação é um marco do câncer: em alguns tumores, precede a malignização; em outros, o tumor induz a resposta inflamatória, o que favorece o seu crescimento.[8 ] Biomarcadores inflamatórios, como a razão neutrófilo-linfócito (RNL, contagem de neutrófilos dividida pela de linfócitos) e a razão plaqueta-linfócito (RPL, contagem de plaquetas dividida pela de linfócitos), têm valor prognóstico em diversos tipos de câncer.[9 ] O aumento da RNL correlaciona-se a menor sobrevida em neoplasia gástrica, colorretal, pulmonar, de mama, de endométrio e em mieloma múltiplo.[10 ] Nesse contexto, a RNL e a RPL podem ser usadas para prever a sobrevida e as complicações pós-operatórias em pacientes com MO.[2 ]
Este estudo visa identificar o perfil epidemiológico dos pacientes com metástase em ossos longos, a incidência de complicações, a taxa de sobrevida pós-operatória e a correlação da RNL e RPL com complicações e sobrevida em até um ano de pós-operatório.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo observacional retrospectivo, longitudinal, analítico e descritivo. Os pacientes foram selecionados a partir do livro de registro cirúrgico do Serviço de Oncologia Ortopédica do Hospital Erasto Gaertner, e os dados foram extraídos por meio de revisão dos prontuários eletrônicos Tasy (Philips Healthcare, Best, Holanda), em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, lei n° 13.709/2018). A coleta abrangeu pacientes operados no período de 1° de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2019.
O perfil epidemiológico incluiu variáveis como idade, gênero, sítio primário do tumor, localização da MO, procedimento cirúrgico, presença de outras metástases, comorbidades e radioterapia (RT) prévia. Foram determinadas a RNL e a RPL e sua correlação com a sobrevida e as complicações pós-operatórias.
Os critérios de inclusão foram pacientes operados para o tratamento de MO do esqueleto apendicular, com confirmação diagnóstica de neoplasia maligna óssea metastática por exame histológico ou imunohistoquímico. E os critérios de exclusão foram prontuários incompletos, pacientes submetidos a cirurgia de revisão em outra instituição, e ausência de hemograma pré-operatório.
Os valores da RNL e RPL foram obtidos do hemograma pré-operatório, realizado no laboratório do hospital até 72h antes da cirurgia. Em pacientes submetidos a múltiplas cirurgias ortopédicas por MO, consideraram-se apenas os dados da primeira.
Análise Estatística
Os dados foram organizados em planilha do programa Excel (Microsoft Corp., Redmond, WA, Estados Unidos) e analisados com o programa Stata/SE (StataCorp LLC, College Station, TX, Estados Unidos), versão 14.1. As variáveis quantitativas foram expressar por valores de média, desvio padrão, mediana, mínimo, máximo e intervalo interquartil (IIQ). As variáveis categóricas foram expressas por frequências absolutas e percentuais. Para analisar fatores os associados às complicações pós-operatórias, foram ajustados modelos de regressão logística. A significância de cada variável foi avaliada por meio do teste de Wald. A medida de associação estimada foi a razão de chances (RC) com intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Os pontos de corte para a RNL e a RPL foram determinados pelo programa Cutoff Finder,[11 ] que identifica os pontos de corte que produzem diferenças significativas nos testes de log-rank . Esse processo assegura que os pontos de corte selecionados correspondam aos valores da RNL e da RPL que mais se relacionam com os desfechos clínicos selecionados. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística.
Resultados
Perfil Epidemiológico
Foram avaliados 160 prontuários entre 2010 e 2019. Destes, 16 foram excluídos por falta de dados ou perda de seguimento, 2, por ausência de confirmação de metástase no exame anatomopatológico, e 1, por cirurgia em outro serviço. Foram incluídas 154 cirurgias, sendo 12 em pacientes com múltiplas metástases. Para a análise dos dados, considerou-se apenas a primeira, totalizando 141 procedimentos.
A média de idade foi de 61,5 (variação: 25–89) anos, e a sobrevida média, de 13,2 (0–99,6) meses. Os parâmetros laboratoriais médios estavam dentro da normalidade, conforme os valores de referência para o hemograma normal.[12 ] A RNL foi de 5,3 (variação: 0,2–30,7) e a RPL, de 199,7 (variação: 32,1–676,7; [Tabela 1 ]).
Tabela 1
Variável
n
Média
Desvio padrão
Mediana
Mínimo
Máximo
Intervalo interquartil
Idade (anos)
141
61,5
12
62
25
89
54–69
Sobrevida (meses)
141
13,2
18,8
5
0
99,6
1,9–16,9
Neutrófilos
141
6.451
3.094
5.762
137
19.272
.4276–8.398
Linfócitos
141
1.542
779
1.315
301
4.518
999–1.958
Leucócitos
141
8.657
3.486
8.100
980
21.900
6.340–10.800
Plaquetas
141
25.2579
104.642
241.000
63.000
596.000
174.000–308.000
Razão neutrófilo-linfócito
141
5,3
4,5
4,2
0,2
30,7
2,7–6,3
Razão plaqueta-linfócito
141
199,7
118,8
171,6
32,1
676,7
114,9–248
Em relação ao gênero, 64,5% (n = 91) dos pacientes eram mulheres. O fêmur foi o osso mais acometido (n = 112), seguido do úmero (n = 21). Quanto ao procedimento cirúrgico, 67% dos pacientes foram submetidos à ressecção do tumor com substituição por endoprótese de quadril. A maioria (80,1%) tinha múltiplas MOs, e 51,1% apresentavam metástases viscerais. Os demais dados estão resumidos na [Tabela 2 ].
Tabela 2
Variável
Classificação
n
%
Gênero
Feminino
91
64,50%
Masculino
50
35,50%
Anatomia
Fêmur diafisário
3
2,10%
Fêmur distal
10
7,10%
Fêmur proximal
99
70,20%
Rádio
2
1,40%
Tíbia diafisária
1
0,70%
Tíbia proximal
5
3,50%
Úmero diafisário
8
5,70%
Úmero distal
2
1,40%
Úmero proximal
11
7,80%
Operação
Endoprótese de quadril
95
67,40%
Endoprótese de joelho
15
10,60%
Endoprótese de ombro
10
7,10%
Fixação de fratura
6
4,30%
Ressecção artroplástica
4
2,80%
Endoprótese diafisária: fêmur
3
2,10%
Endoprótese de cotovelo
2
1,40%
Amputação
1
0,70%
Desarticulação
1
0,70%
Endo fêmur total
1
0,70%
Endoprótese diafisária: úmero
1
0,70%
Ressecção do rádio proximal
1
0,70%
Ressecção intralesional
1
0,70%
Presença de outras
metástases viscerais
Não
72
51,10%
Sim
69
48,90%
Presença de outras
metástases ósseas
Não
28
19,90%
Sim
113
80,10%
Diabete
Não
110
78,00%
Sim
31
22,00%
Radioterapia prévia
Não
136
96,50%
Sim
5
3,50%
A distribuição e a categorização do tumor primário estão na [Tabela 3 ]. No gênero feminino, o sítio primário mais comum foi mama, com 62,6% (n = 57), e no masculino, o tumor primário mais comum foi o de próstata, com 38% (n = 19). Em ambos, a segunda neoplasia mais comum foi a de pulmão.
Tabela 3
Diagnóstico primário
Gênero
Geral
Feminino
Masculino
n
%
n
%
n
%
Câncer de mama
57
62,60%
57
40,40%
Câncer de próstata
19
38,00%
19
13,50%
Câncer de pulmão e anexos
9
9,8
9
18,00%
18
12,70%
Câncer de rim
5
5,50%
9
18,00%
14
9,90%
Diagnóstico primário desconhecido
7
7,70%
1
2,00%
8
5,70%
Câncer de cólon
1
1,10%
2
4,00%
3
2,10%
Câncer de endométrio
3
3,30%
3
2,10%
Câncer gástrico
2
2,20%
1
2,00%
3
2,10%
Câncer de bexiga
2
2,20%
2
1,40%
Câncer de esôfago
2
4,00%
2
1,40%
Câncer de pele
2
4,00%
2
1,40%
Câncer de faringe
1
2,00%
1
0,70%
Câncer de gastrointestinal
1
1,10%
1
0,70%
Hemangiopericitoma intracraneano
1
1,10%
1
0,70%
Câncer hepático
1
2,00%
1
0,70%
Câncer de laringe
1
2,00%
1
0,70%
Melanoma
1
1,10%
1
0,70%
Câncer de orofaringe
1
2,00%
1
0,70%
Câncer de pâncreas
1
1,10%
1
0,70%
Câncer de tireoide
1
2,00%
1
0,70%
Câncer de útero e anexos
1
1,10%
1
0,70%
Total
91
100%
50
100%
141
100%
Complicações Pós-operatórias
Conforme descrito na [Tabela 4 ], o tempo médio para a ocorrência de complicações pós-operatórias foi de 27,9 (variação: 0–140) dias. A taxa de complicações foi de 31,2% (n = 44). A [Tabela 5 ] mostra que as complicações mais comuns foram pneumonia (n = 10) e infecção da ferida operatória (n = 5). Ao todo, 4 pacientes apresentaram infecção profunda, sendo 2 casos associados à luxação da prótese. Todos foram submetidos à limpeza e desbridamento cirúrgico, e 2 pacientes foram submetidos a uma nova cirurgia para a troca do implante.
Tabela 4
Variável
n
Média
Desvio padrão
Mediana
Mínimo
Máximo
Intervalo interquartil
Tempo até a complicação
pós-operatória (dias)
44
27,9
31,7
15
0
140
3–42
Tabela 5
Variável
Classificação
n
%
Complicações pós-operatórias
Não
97
68,8%
Sim
44
31,2%
Tipo de complicação
pós-operatória (n = 44)
Pneumonia
10
22,7%
Infecção de ferida operatória
5
11,3%
Hemorragia do trato gastrointestional
4
9,1%
Infecção de prótese
4
9,1%
Luxação de prótese
4
9,1%
Oclusão arterial aguda de membro inferior
2
4,5%
Sangramento de ferida operatória
2
4,5%
Tromboembolismo pulmonar
2
4,5%
Choque hemodinâmico
2
4,5%
Recidiva local
2
4,5%
Hipercalcemia
2
4,5%
Deiscência com exposição de material
1
2,3%
Infecção do trato urinário
1
2,3%
Síndrome da resposta inflamatória sistêmica
1
2,3%
Trombose venosa profunda
1
2,3%
Avaliação da Associação entre os Fatores e a Ocorrência de Complicações Pós-operatórias
Para cada variável, testou-se a hipótese nula de associação com a probabilidade de complicação pós-operatória contra a hipótese alternativa de que havia associação. A [Tabela 6 ] apresenta os fatores demográficos e clínicos e as complicações pós-operatórias.
Tabela 6
Variável
Classificação
Total
Complicação pós-operatória
p*
RC (IC95%)
Não
Sim
Idade (anos)
Média ± DP
141
60,7 ± 12,5
63,3 ± 10,9
0,238
1,02 (0,99–1,05)
Gênero
Masculino
50
39 (78,0%)
11 (22,0%)
Feminino
91
58 (63,7%)
33 (36,3%)
0,083
2,02 (0,91–4,46)
Presença de outras metástases viscerais
Não
72
46 (63,9%)
26 (36,1%)
Sim
69
51 (73,9%)
18 (26,1%)
0,201
1,60 (0,78–3,29)
Presença de outras metástases ósseas
Não
28
19 (67,9%)
9 (32,1%)
Sim
113
78 (69%)
35 (31,0%)
0,905
1,06 (0,44–2,57)
Diabete
Não
110
76 (69,1%)
34 (30,9%)
Sim
31
21 (67,7%)
10 (32,3%)
0,886
0,94 (0,40–2,21)
Radioterapia prévia
Não
136
94 (69,1%)
42 (30,9%)
Sim
5
3 (60,0%)
2 (40,0%)
0,668
0,67 (0,11–4,16)
Neutrófilos (a cada 100)
Mediana (IIQ)
141
5.550 (3.760–7.900)
6.941 (4.933–8.689)
0,040
1,01 (1,001–1,02)
Linfócitos (a cada 100)
Mediana (IIQ)
141
1.280 (974–1.940)
1.361 (1.058–2.005)
0,925
1,00 (0,96–1,05)
Leucócitos (a cada 100)
Média ± DP
141
8.280 ± 3.246
9.487 ± 3.876
0,062
1,01 (1,00–1,02)
Plaquetas (a cada 10.000)
Mediana (IIQ)
141
237.000 (181.000–304.000)
243.500 (154.000–310.000)
0,797
1,00 (0,96–1,03)
Hemoglobina
Média ± DP
141
11,9 ± 2,0
11,3 ± 1,8
0,145
0,87 (0,72–1,05)
Razão neutrófilo- linfócito
Mediana (IIQ)
141
4,1 (2,5–5,8)
4,5 (3,2–6,9)
0,534
1,03 (0,95–1,11)
Razão plaqueta-linfócito
Mediana (IIQ)
141
167 (116–269)
177 (105–242)
0,534
0,999 (0,996–1,002)
Não houve correlação da hemoglobina, da diabete ou da RT prévia com as complicações. A presença de outras metástases, viscerais ou ósseas, também não teve correlação com as complicações. Com relação aos neutrófilos tomados isoladamente, houve associação significativa com a probabilidade de complicação (p = 0,040): a cada 100 unidades a mais, a chance de complicação aumenta em 1%. A RNL e RPL não foram consideradas fatores de risco para complicação.
Óbito
Análise Descritiva do Tempo de Sobrevida
A [Fig. 1 ] apresenta a curva de Kaplan-Meier do tempo de sobrevida dos pacientes e a mediana, que foi de 5 meses, com taxa de sobrevida de 34,7% (n = 49) em um ano.
Fig. 1 Curva de Kaplan-Meier com o tempo de sobrevida dos pacientes (intervalo de confiança de 95%, IC95%). Definição de pontos de corte para a razão neutrófilo-linfócito (RNL) e a razão plaqueta-linfócito (RPL) associados ao tempo de sobrevida.
Os valores de corte mais significativos foram RNL= 2 e RPL = 209. A [Tabela 7 ] e a [Fig. 2 ] apresentam as taxas de sobrevida e as curvas de Kaplan-Meier considerando o ponto de corte para RNL = 2. Testou-se a hipótese nula de que as curvas de sobrevida eram iguais para RNL < 2 e RNL ≥ 2 contra a hipótese alternativa de que eram diferentes. A partir do terceiro mês de pós-operatório, a sobrevida dos pacientes com RNL ≥ 2 (p < 0.001) diminui de 92,3 para 62,5%, e aos 12 meses, de 61,5 para 31,3% ([Tabela 8 ]).
Tabela 7
Variável
Classificação
Total
Óbito
p *
Não
Sim
n
%
n
%
Razão neutrófilo- linfócito
< 2
13
2
15,4%
11
84,6%
< 0,001
≥ 2
128
0
0%
128
100%
Fig. 2 Curva de sobrevida considerando o ponto de corte de 2 para a RNL.
Tabela 8
Tempo
% de sobrevida
RNL <2
RNL ≥2
0 = operação
100%
100%
1 mês
92,3%
92,2%
3 meses
92,3%
62,5%
6 meses
69,2%
41,4%
12 meses
61,5%
31,3%
Para a RPL, testou-se a hipótese nula de que as curvas de sobrevida eram iguais para casos com RPL < 209 e RPL ≥ 209 contra a hipótese alternativa de que eram diferentes. Semelhante à RNL, pacientes com RPL ≥ 209 (p < 0.001) apresentaram menor sobrevida, com a taxa diminuindo de 69 para 59,3% no terceiro mês, e de 40,2 para 25,9% após 1 ano de pós-operatório ([Tabela 9 ]). A [Tabela 10 ] e a [Fig. 3 ] mostram os resultados e as curvas de sobrevida de Kaplan-Meier considerando o ponto de corte para RPL = 209.
Tabela 9
Variável
Classificação
Total
Óbito
p *
Não
Sim
n
%
n
%
Razão plaqueta-linfócito
< 209
87
2
2,3%
85
97,7%
0,019
≥ 209
54
0
0%
54
100%
Tabela 10
Tempo
% de sobrevida
RPL < 209
RPL ≥ 209
0 = operação
100%
100%
1 mês
81,6%
79,6%
3 meses
69,0%
59,3%
6 meses
49,4%
35,2%
12 meses
40,2%
25,9%
Fig. 3 Curva de sobrevida considerando o ponto de corte de 209 para a RPL.
Discussão
Anualmente, mais de 18 milhões de casos de câncer são registrados no mundo, e cerca de 50% desenvolverão doença metastática avançada.[13 ]
[14 ] Com o avanço do tratamento oncológico, a sobrevida dos pacientes aumenta e, paralelamente, o número de MOs também. Estima-se que em 2030 a prevalência de MO nos Estados Unidos alcance 600 mil indivíduos.[4 ]
Este estudo incluiu 141 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para MO, com média de idade de 61,5 (variação: 25–89) anos e predominância de mulheres (64,5%; n = 91). Meohas et al.[15 ] observaram maior incidência em mulheres acima dos 40 anos, assim como Li et al.[16 ]
Hernández et al.[17 ] analisaram 382.733 pacientes com tumores sólidos primários. A incidência de MO foi de 6,9% (n = 26.250), com média de idade de 64 anos. Os tumores mais prevalentes e que tiveram maior suscetibilidade para MO foram os cânceres de mama, de próstata e de pulmão.[17 ] Em outro estudo,[18 ] com 85.296 pacientes com MO, a prevalência foi de 64,2% para os tumores de mama, de 59,89% para os de próstata, de 52,85% para os da nasofaringe, de 35,82% para os de pulmão e de 35,10% para o câncer renal. Semelhante à literatura, nesta pesquisa, 66% das MOs se originaram dos tumores de mama, próstata e pulmão.
Mais de 80% das MOs localizam-se no esqueleto axial, e acometem principalmente as vértebras, as costelas e os quadris.[19 ] No esqueleto apendicular, localizam-se frequentemente nas regiões proximais dos membros, ao passo que lesões abaixo do joelho e do cotovelo são raras e associadas a neoplasias de pulmão, rim e tireoide.[20 ] Em um estudo[21 ] com 171 pacientes, 58 apresentaram lesões apendiculares: 73,8% no fêmur proximal, 58,3% no úmero proximal, e somente 4 casos na tíbia. Nesta análise, o osso mais acometido foi o fêmur, com 112 casos, seguido do úmero, com 21 casos. Houve somente 3 MOs de extremidades: duas no rádio e uma na diáfise tibial. Esse padrão de disseminação reflete a vascularização da medula óssea vermelha, que facilita a implantação e o crescimento de células tumorais.[14 ]
Idealmente, pacientes com MO somente devem ser submetidos a um procedimento que permita suporte total de peso precoce e dure a expectativa de vida prevista.[22 ] Pacientes com expectativa de vida inferior a 3 meses podem ser tratados de forma não cirúrgica ou com técnicas menos invasivas, ao passo que aqueles com expectativa maior podem se beneficiar de procedimentos cirúrgicos mais complexos para controle tumoral e melhora da função.[23 ]
Neste estudo, 88% dos pacientes (n = 124) passaram por reconstrução óssea com endoprótese. Complicações pós-operatórias ocorreram em 44 pacientes; 68% de natureza clínica e 10%, cirúrgica. Ao todo, 4 pacientes apresentaram infecção de prótese, com 2 trocas de implante. Teixeira et al.[2 ] avaliaram 64 pacientes operados por MOs. Destes, 17 (26,6%) apresentaram complicações: 10 complicações cirúrgicas, 4 clínicas e 3 combinadas.[2 ] Kumar et al.,[24 ] relataram 4 infecções, 2 luxações e 2 solturas assépticas em 32 pacientes submetidos a procedimentos de endoprótese de fêmur proximal.
Cerca de 60% dos pacientes com MO apresentam comorbidades, especialmente cardiovasculares, respiratórias e metabólicas.[5 ] Bindels et al.[25 ] associaram complicações pós-operatórias precoces a fatores como tumores de crescimento rápido, múltiplas MOs, fratura patológica, cirurgia em membros inferiores, hipoalbuminemia, hiponatremia e leucocitose.[25 ] A RT pré-operatória aumenta o risco de complicações pós-operatórias, especialmente quando realizada até 2 meses antes da cirurgia.[26 ] Diabetes e RT foram avaliados como fatores de risco, mas sem associação com complicações.
A anemia afeta negativamente a sobrevida de pacientes com câncer, independentemente do tumor primário.[9 ]
[10 ] Contudo, neste estudo, não houve associação entre níveis de hemoglobina e complicações pós-operatórias. A leucocitose, associada a infecções e inflamações, também não mostrou correlação com complicações. Entretanto, identificou-se uma associação entre o aumento dos neutrófilos e o risco de complicação pós-operatória: a cada 100 unidades a mais de neutrófilos, houve um aumento de 1% na chance de complicação.
A taxa de sobrevida global em 1 ano foi de 34,7% (n = 49), com mediana de 5 meses. Nos pacientes com RNL ≥ 2 (p < 0.001), a sobrevida diminuiu de 92,3 para 62,5% em 3 meses, e de 61,5 para 31,3% em 1 ano. Embora os mecanismos de interação entre o câncer e os fatores inflamatórios necessitem de esclarecimento, estudos[9 ]
[10 ] mostram que a RNL elevada está associada a menor sobrevida em vários tipos de câncer, como gástrico, colorretal, pulmonar, mamário, endometrial e mieloma múltiplo. Uma metanálise com 40.559 pacientes com tumores malignos descobriu que RNL elevada, acima de 4, está associada a pior sobrevida global.
Wang et al.[27 ] selecionaram 497 pacientes com MO de diferentes carcinomas, 225dos quais foram tratados cirurgicamente, e avaliaram as implicações prognósticas da RNL. Eles dividiram a RNL em ≤ 3,0 e > 3,0, e observaram que RNL alta estava associada a pior prognóstico, especialmente nos pacientes cirúrgicos.[27 ] Em uma análise de 1.012 pacientes com MO, Thio et al.[28 ] definiram pontos de corte de 4 para a RNL e de 408 para a RPL. Pacientes com RNL e RPL elevadas apresentaram menor sobrevida aos 3 meses: 84,0% dos com RNL baixa estavam vivos, comparados a 61,3% dos com RNL alta; e 75,8% dos com RPL baixa, comparados a 55,6% dos com RPL alta.[28 ]
O valor prognóstico da RPL tem sido amplamente estudado nos últimos anos, mas os mecanismos que ligam RPL elevada a mau prognóstico em pacientes com câncer ainda são desconhecidos. Uma metanálise[10 ] com 12.754 pacientes de 20 estudos sobre RPL em tumores sólidos mostrou que os valores de corte variaram de 150 a 300, e revelou uma associação significativa entre RPL elevada e menor sobrevida global, especialmente em pacientes com doença metastática. No presente estudo, pacientes com RPL ≥ 209 apresentaram redução na sobrevida: de 69 para 59,3% no terceiro mês, e e de 40,2 para 25,9% após 1 ano.
O uso de diferentes pontos de corte para a RNL e A RPL é controverso. O estágio avançado da doença, com maior nível de inflamação, pode resultar em uma RNL ou uma RPL mais elevadas, o que indica que os pontos de corte podem ser maiores. Além disso, os valores prognósticos da RNL e da RPL e seus pontes de corte ideais podem variar entre diferentes tumores, o que indica que análises específicas são necessárias.
Este estudo tem limitações, como o uso de uma abordagem estatística para definir os valores de corte ideais para RNL e RPL, baseada em dados, não em hipóteses. Devido à natureza retrospectiva, não houve critérios uniformes para o tratamento ou a cirurgia, e pacientes não submetidos a cirurgia, com MO no esqueleto axial ou com mieloma múltiplo foram excluídos. Assim, nossas conclusões se aplicam a pacientes com MO em ossos longos e candidatos à cirurgia.
Fatores como idade, gênero, raça, quimioterapia, antibióticos, transfusões e infecções podem afetar as contagens de neutrófilos, linfócitos ou plaquetas. No entanto, como os valores prognóstico da RNL e da RPL não estão elucidados, acreditamos que as contagens pré-tratamento refletem a resposta imunológica e inflamatória dos pacientes, sem identificar os fatores individuais que as influenciaram.
Conclusão
Neste estudo, não foi verificada associação positiva da RNL e da RPL com taxas de complicações pós-operatórias. Contudo, observou-se forte correlação do aumento da RNL e da RPL com a redução da expectativa de vida dos pacientes a partir do terceiro mês de pós-operatório.
Bibliographical Record
Matheus Silva Teixeira, Ana Valeria Rigolino Teixeira, Glauco Jose Pauka Mello, Fernando Issamu Tabushi, Claudio Luciano Franck, Carmen Austrália Paredes Marcondes Ribas. Correlação das razões neutrófilo-linfócito e plaqueta-linfócito com complicações e sobrevida pós-operatórias na cirurgia para metástase óssea do esqueleto apendicular. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00451804497. DOI: 10.1055/s-0045-1804497