CC BY 4.0 · Brazilian Journal of Oncology 2017; 13(45): e-BJO20171345A92
DOI: 10.26790/BJO20171345A92
Artigo Original

Sintomas biopsicossociais em pacientes com câncer incurável no Brasil

Biopsychosocial symptoms in patients with incurable cancer in Brazil
Isadora Miranda de Azevedo
1   Universidade Federal de São Paulo São Paulo, SP Brasil
,
Carolina Gaue Zayat
1   Universidade Federal de São Paulo São Paulo, SP Brasil
,
Getúlio Yuzo Okuma
1   Universidade Federal de São Paulo São Paulo, SP Brasil
,
Edvane Birelo Lopes De Domenico
1   Universidade Federal de São Paulo São Paulo, SP Brasil
,
Cristiane Decat Bergerot
1   Universidade Federal de São Paulo São Paulo, SP Brasil
› Author Affiliations
Recursos financeiros: Para a realização desse trabalho não houve auxílio ou recursos financeiros.
 

RESUMO

Objetivo: Cuidado paliativo (CP) é essencial para a identificação e manejo dos sintomas reportados por pacientes com câncer metastático. Essa assistência promove uma maior qualidade de vida à pacientes e familiares ao longo do continuum da doença, por meio da antecipação, prevenção e alívio do sofrimento. No Brasil, o CP ainda é incipiente no âmbito da assistência oncológica. Sendo assim, o presente estudo objetiva caracterizar as principais demandas de pacientes com câncer em estadio IV, bem como, identificar os fatores associados aos sintomas a fim de determinar aqueles de maior risco psicológico.

Métodos: Trata-se de um estudo descritivo e prospectivo realizado com 253 pacientes diagnosticados com câncer metastático, em tratamento quimioterápico paliativo em um hospital público universitário, localizado em São Paulo. Para tanto, os pacientes foram avaliados quanto ao distress (Termômetro de Distress - TD), a ansiedade e a depressão (Escala de Ansiedade e Depressão - HADS) e a qualidade de vida (Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - FACT-G). Os procedimentos de análise de dados incluíram na análise descritiva, correlação linear simples e regressão logística.

Resultados: A média da idade dos pacientes avaliados foi de 56,6 anos, sendo 64,4% do sexo feminino, 51% casados e 54,2% com Ensino Fundamental. Os cânceres de mama (29,2%) e gastrointestinal (28,9%) foram os mais frequentes. Quase metade dos pacientes (44,7%) reportou um distress moderado a severo, sendo que 21,7% apresentaram sintomas de ansiedade e 16,6% de depressão. A correlação foi significativa entre esses sintomas psicossociais (ps<0,001), sendo que maiores escores de distress estiveram associados a uma pior qualidade de vida global, com consequente impacto negativo no bem-estar físico, social/familiar, emocional e funcional (ps<0,001). Ademais, idade jovem, medo, preocupação, fadiga, dor, sono, ansiedade e depressão foram os fatores associados a um maior risco psicológico.

Conclusão: Pacientes com câncer metastático reportaram inúmeros sintomas físicos e psicossociais. Essa alta prevalência impactou significativamente na qualidade de vida desses pacientes, reforçando a relevância da inserção precoce do CP. Constata-se que a assistência precisa considerar a inserção de uma rotina de avaliação sistemática que auxilie na identificação dos sintomas, para proposição de tratamentos adequados e direcionados às necessidades dos pacientes, de maneira a reduzir, antecipar e prevenir o sofrimento desses pacientes.


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ABSTRACT

Objective: Palliative Care (CP) is essential for the identification and management of symptoms reported by patients with metastatic cancer. Such assistance promotes higher quality of life for patients and families throughout the disease continuum, by anticipation, prevention and relief of suffering. In Brazil, the CP is still incipient in the context of Oncology care. Thus, the present study aims to characterize the main demands reported by cancer patients at stage IV, as well as to identify the factors associated with symptoms in order to determine those most at psychological risk.

Methods: This is a descriptive and prospective study conducted with 253 patients diagnosed with metastatic cancer, undergoing a palliative chemotherapy treatment in a public hospital, located in Sao Paulo. To this end, patients were evaluated regarding the distress (Distress Thermometer), anxiety and depression (Hospital Anxiety and Depression Scale), and the quality of life (Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - General). The data analysis procedures included the descriptives analysis, simple linear correlation and logistic regression.

Results: The average age of patients was 56.6 years, 64.4% female, 51% married, and 54.2% had elementary school. Breast (29.2%) and gastrointestinal (28.9%) cancers were the most frequent. Almost half of patients (44.7%) reported a moderate and severe distress, and 21.7% showed symptoms of anxiety and 16.6% of depression. The correlation was significant among these psychosocial symptoms (ps<0.001), with higher scores of distress associated with a worse quality of life, with consequent negative impact on the physical, social/family, emotional and functional well-being (ps<0.001). In addition, young age, fear, worry, fatigue, pain, sleep, anxiety and depression were factors associated with a greater psychological risk.

Conclusion: Patients with metastatic cancer reported numerous physical and psychological symptoms. This high prevalence significantly impacted on the quality of life of these patients, highlighting the importance of early insertion of CP. We noted that the cancer care need to consider the screening routine that helps the identification of symptoms, to adequate propose a treatment targeted to the patients needs, in order to anticipate and prevent the suffering of these patients.


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INTRODUÇÃO

Nas últimas cinco décadas, o cuidado paliativo (CP) evoluiu de uma filosofia que visa melhorar a assistência a pacientes no final da vida para uma especialidade qualificada que busca oferecer uma assistência integral ao paciente e familiares ao longo da trajetória da doença.([1]) De acordo com o consenso internacional, o CP pode ser definido como uma assistência centrada no paciente e familiares que otimiza a qualidade de vida ao antecipar, prevenir e tratar o sofrimento.([2],[3]) O CP ao longo do continuum da doença envolve a identificação das necessidades de cada paciente e a proposição de um tratamento para os sintomas físicos, emocionais, sociais e espirituais, facilitando a autonomia do paciente, seu acesso à informação e a participação na decisão terapêutica.([2],[3])

Vários estudos randomizados forneceram evidências de que a inserção precoce do CP está associada a benefícios potenciais como, por exemplo, a uma melhor qualidade de vida, a otimização do controle de sinais e sintomas físicos e psicossociais e a uma maior sobrevida.(([4]-[6]) Essas constatações favoreceram a proposição de ações e recomendações para a integração do CP precoce na assistência Oncológica.([3],[7]-[9]) Diversos modelos conceituais e clínicos foram desenvolvidos com o intuito de auxiliar a integração do CP nos serviços de Oncologia.[10]) Em todas as propostas, a avaliação das necessidades do paciente é imperativa e atua de forma efetiva na identificação e definição de tratamentos e ou encaminhamentos efetivos e que atendam as necessidades de cada paciente.

Entre os pacientes com câncer metastático sabe-se que a prevalência de sintomas físicos e psicossociais é acentuada. Estudos indicam que além de um alto distress([11]) e da piora na qualidade de vida([12],[13]) é comum o relato de sintomas mal controlados, de intensidade moderada a severa, de fadiga/astenia, dor, dispneia, alimentação (anorexia/caquexia), sono, náusea/vômito, constipação, ansiedade e depressão.([11]-[14]) para tanto, instrumentes de medida de qualida de vida (ex.: Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - FACT, Quality of Life at the End of Life - QUAL-E) e de sinais e sintomas (ex.: Termômetro de Distress - TD, Escala de Avaliação de Sintomas de Edmonton - ESAS, Escala de Ansiedade e Depressão - HADS) sendo utilizados e recomendados a inserção na rotina de avaliação seriada.([15],[16])

No Brasil, em resposta a essas evidências, portarias foram criadas com o intuito de promover a inserção do CP no Sistema único de Saúde (SUS),([17]) auxiliar na conscientização e na normatização de ações para a prática clínica, em prol da redução da disparidade no acesso a esse serviço. Em 2005 foi publicada a primeira portaria (nº 2.439/2005) que determinou a inserção do CP na Política Nacional de Atenção Oncológica (PNAO).([18]) Dias depois foram propostas algumas normas de funcionamento para a rede de alta


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MÉTODOS

Um estudo descritivo e prospectivo foi conduzido no ambulatório de Oncologia do Hospital São Paulo (HSP), da Universidade Federal de São Paulo (UNI-FESP), no período entre abril de 2015 a janeiro de 2016. Após submissão e aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (Registro 100531/2015), os pacientes foram contatados na sala de espera dos ambulatórios de Oncologia. Nesse momento, foram informados acerca da metodologia e objetivo do estudo, não havendo incentivo para participação.

Participantes

Pacientes foram elegíveis se diagnosticados com um câncer metastático, com um Eastern Cooperative Oncology Group Status (ECOG) ≤ 2, estivessem em tratamento quimioterápico sem intenção curativa, com idade igual ou superior a 18 anos e concordassem em participar da pesquisa. Não eram elegíveis aqueles com alguma comorbidade psiquiátrica ou déficit cognitivo e que apresentassem alguma outra incapacidade para responder aos instrumentos. Os complexidade (Portaria nº 741/2005), com inclusão dos Centros e Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (CACON).([19]) Já em 2013, foram instituídas as medidas de promoção de melhorias para a qualidade de vida dos usuários do SUS, nos níveis de atenção básica, média e alta complexidade (Portaria nº 874/2013).([20])

Contudo, mesmo com a alta prevalência (60,5%) de pacientes diagnosticados com câncer em estadiamento avançado([21]), o CP permanece incipiente na assistência Oncológica brasileira. Pouco se sabe sobre as necessidades físicas e psicossociais reportadas por pacientes brasileiros. Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo caracterizar as principais demandas de pacientes diagnosticados com câncer metastático (estadio IV), em tratamento paliativo em um Serviço de Oncologia designado como Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Ademais, identificar os fatores associados aos sintomas a fim de determinar aqueles de maior risco psicológico.

pacientes que concordaram em participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e na sequência responderam de forma assistida a três instrumentos que avaliaram o distress, a ansiedade, a depressão e a qualidade de vida. O tempo aproximado de aplicação foi de 30 minutos. Cumpre mencionar que não houve recusa em participar do estudo.


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Instrumentes

Fatores sociodemográficos e clínicos: idade, sexo, raça, estado civil e escolaridade foram reportados pelos pacientes no momento anterior à aplicação dos instrumentos. O tipo de câncer, ano do diagnóstico, modalidades de tratamento realizados e performance status (ECOG) foram coletados no prontuário eletrônico.

Distress: versão traduzida e validada para o português do Termômetro de Distress (TD)([22]) que avalia o distress em uma escala de 11 pontos (0 - sem distress a 10 - distress extremo) e os potenciais problemas mas correlacionados em uma Lista de Problemas (LP), com 35 itens subdivididos em cinco domínios - prático, familiar, emocional, espiritual e físico. Pontuação igual ou superior a quatro é indicativa de distress moderado a severo.([22])

Ansiedade e Depressão: versão traduzida e validada para o português da Escala de Ansiedade e Depressão (HADS)([23]), composta por 14 itens que avaliam sintomas de ansiedade e depressão, em escalas de pontuação 0-21. O indicador para sintomas moderados ou graves de ansiedade é o escore igual ou superior a oito e, para sintomas moderados a graves de depressão, igual ou superior a nove.([23])

Qualidade de Vida: versão traduzida e validada para o português do Functional Assessment of Chronic Illness Therapy-General (FACT-G)([24]), composta por 27 itens que avaliam o bem-estar físico (sete itens; pontuação 0-28), social/familiar (sete itens; pontuação 0-28), emocional (seis itens; pontuação 0-24) e funcional (sete itens; pontuação 0-28). Os escores de cada domínio são somados, podendo totalizar 108 pontos. Quanto maior o escore, melhor a qualidade de vida.([24])


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Análise estatística

Para a caracterização da amostra utilizou-se a estatística descritiva que analisou as frequências, as médias e desvios-padrão das variáveis pesquisadas. Avaliou-se a correlação entre distress, ansiedade/depressão e qualidade de vida. Por fim, utilizou-se a Regressão Logística para identificação dos fatores potenciais associados ao distress, incluindo as variáveis sociodemográficas e clínicas, a ansiedade/depressão, a lista de problemas e a qualidade de vida. As covariáveis que estavam associadas significativamente ao distress foram incorporadas no modelo final da Regressão Logística.


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RESULTADOS

Um total de 253 pacientes participou desse estudo. A maioria deles era do sexo feminino (64,4%), com idade média de 56,6 anos (20-86 anos; DP=14,2), casados (51%), brancos (54,5%) e tendo cursado o Ensino Fundamental (54,2%). Os tipos de câncer mais frequentes foram mama (29,2%) e gastrointestinal (28,9%), 61,7% foram diagnosticados entre os anos de 2014 e 2015, tal como descrito na [tabela 1].

A proporção de pacientes que reportaram distress moderado a severo foi de 44,7%. Destes, apenas 21,7% apresentaram sintomas moderados a severos de ansiedade e 16,6% de depressão. Ademais, elevado nível de distress esteve significativamente associado à ansiedade e depressão (ps<0,001). Na LP, observou-se que os problemas mais frequentemente listados foram: fadiga (60,5%), dor (53,4%), preocupação (51,8%), sono (48,8%), pele seca/coceira (42,5%), náusea (41,9%), alimentação (39,9%) e tristeza (38,7%) ([Tabela 2]).

No geral, os pacientes apresentaram uma qualidade de vida média de 78,8 (DP = 16,9), com pontuações mais altas nas sub-escalas bem-estar físico (M=20,8; DP=5,6) e social/familiar (M=20,8; DP=4,9) ([Tabela 2]). Uma associação significativa foi encontrada entre maiores escores de distress e uma pior qualidade de vida global, com consequente impacto negativo no bem-estar físico, social/familiar, emocional e funcional (ps<0,001).

Na regressão logística foi possível identificar uma associação significativa entre distress moderado a severo e idade jovem, medo, preocupação, fadiga, dor, sono, ansiedade e depressão ([Tabela 3]). Esse modelo foi significativo - x2(6)=66,33, p<000 - e explicou 31% (Nagelkerke R2) da variância no distress moderado a severo, classificando corretamente 75% dos casos. Idade mais jovem esteve associada a um maior risco de distress. Contudo, gênero, estado civil, raça, escolaridade, renda mensal e tipo de câncer não foram significativamente associados a um elevado nível de distress, assim como qualidade de vida e demais problemas avaliados.

Tabela1

Características sociodemográficas e clínicas

Características

n

Idade (Min - Max)

20-86

M (SD)

57,6 (14,2)

Sexo (%)

Masculino

90 (35,6)

Feminino

163 (64,4)

Raça (%)

Branco

138 (54,5)

Negro

32 (12,6)

Pardo

73 (28,9)

Amarelo

10 (4,0)

Estado civil (%)

Solteiro

35 (13,8)

Casado

129 (51,0)

Divorciado

48 (19,0)

Viúvo

41 (16,2)

Escolaridade (%)

Sem escolaridade

20 (7,9)

Ensino Fundamental

137 (54,2)

Ensino Médio

72 (28,5)

Ensino Superior

24 (9,5)

Tipo de câncer (%)

Mama

74 (29,2)

Gastrointestinal

73 (28,9)

Hematológico

24 (9,5)

Pulmão

24 (9,5)

Geniturinário

20 (7,9)

Ginecológico

15 (5,9)

Ano do diagnóstico (%)

2001-2006

8 (3,2)

2007-2011

30 (11,8)

2012

24 (9,5)

2013

35 (13,8)

2014

57 (22,5)

2015

99 (39,2)

Tratamentos realizados (%)

Quimioterapia

253 (100)

Hormonioterapia

18 (7,1)

Cirurgia

146 (57,7)

Radioterapia

76 (30,0)

Tabela2

Dados descritivos dos instrumentos de medida de distress, ansiedade, depressão e qualidade de vida

Características

n

HADSA

Min-Max

0-18

M (DP)

4,8 (3,8)

≥ 8 (%)

21,7

HADSD

Min-Max

0-17

M (DP)

4,75 (3,9)

≥ 9 (%)

16,6

TD

Min-Max

0-10

M (DP)

3,6 (2,6)

≥ 4 (%)

44,7

Problema prático (%)

56,9

Cuidar da casa

20,9

Financeiro

38,7

Problema familiar (%)

15,4

Filhos

13,8

Problema emocional (%)

62,5

Medos

21,7

Nervosismo

37,5

Tristeza

38,7

Preocupação

51,8

Perda do interesse nas atividades usuais

22,5

Problema espiritual (%)

5,5

Problema físico (%)

96,0

Aparência

35,2

Respiração

31,2

Constipação

21,3

Alimentação

39,9

Fadiga

60,5

Inchaço

25,3

Memória/Concentração

34,8

Nausea

41,9

Dor

53,4

Pele seca/coceira

42,5

Sono

48,8

Mãos/Pés formigando

35,7

FACTG

Min-Max

34-107

M (DP)

78,8 (16,9)

Bem-estar físico

Min-Max

0-28

M (DP)

20,8 (5,6)

Bem-estar social/Familiar

Min-Max

0-28

M (DP)

20,8 (4,9)

Bem-estar emocional

Min-Max

4-24

M (DP)

18,9 (4,6)

Bem-estar funcional

Min-Max

4-28

M (DP)

18,1 (5,9)

TD: Termômetro de distress. HADS-A: Escala de ansiedade e depressão - Sintomas de ansiedade. HADS-D: Escala de ansiedade e Depressão - Sintomas de depressão. FACT-G: Functional Assessment of Chronic Illness Therapy - General. M: média; DP: desvio padrão.

Tabela3

Covariáveis associadas ao distress moderado a severo

Covariáveis

B

DP

ß

Valor p

Idade

−0,02

0,009

0,98

0,04

Medo

1,60

0,74

4,96

0,03

Preocupação

0,60

0,40

2,33

0,03

Fadiga

0,97

0,32

2,64

0,003

Dor

1,14

0,03

3,13

0,000

Sono

0,79

0,30

2,21

0,009

Ansiedade

2,43

0,06

1,27

0,000

Depressão

0,27

0,06

1,30

0,000

B: coeficiente DP: desvio padrão.

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DISCUSSÃO

No presente estudo prospectivo identificou-se uma alta frequência de sintomas físicos e psicossociais em pacientes diagnosticados com câncer em estadio IV, em tratamento paliativo, em um serviço publico de referência, localizado na capital do estado de São Paulo. Verificou-se, ainda, que esses sintomas impactaram significativamente na qualidade de vida desses pacientes, corroborando com as evidências descritas na literatura e com a relevância da inserção precoce do CP.([4],[5],[25]-[27])

Uma grande proporção dos pacientes reportaram níveis de distress e de ansiedade de moderado a severo, o que pode ser compreendido pela alta prevalência de sintomas físicos mal controlados e por uma possível percepção do diagnóstico como uma doença incurável, dado o longo período de tratamento a que esses pacientes estão submetidos. A falta de uma avaliação sistemática para manejo efetivos dos sintomas e uma má comunicação acerca do prognóstico podem resultar em uma sensação de ameaça iminente e de insegurança relacionados ao futuro incerto.([28]) Além disso, pacientes em CP representam uma população vulnerável e com um potencial risco de distress. Intervenções psicossociais precoces e direcionadas às necessidades do paciente poderão prevenir o agravamento dos sintomas e auxiliar os pacientes no enfrentamento do próprio prognóstico.

Notavelmente, a prevalência de depressão encontrada foi inferior à descrita na literatura,(([11],[27]) sugerindo um enfrentamento adaptativo (estratégia focada no significado), no qual o paciente poderia estar renovando o senso crítico de propósito e relevância.[29]) Estudos futuros são necessários para esclarecer os fatores preditivos desse sintoma, bem como avaliar possíveis correlações entre as morbidades psicológicas e os fatores que influenciam o processo de adaptação ou mesmo as estratégias de enfrentamento. Não obstante, os escores médios quando comparados aos escores normativos (próximos ao percentil 50)([30]) reforçam essa possibilidade adaptativa. Essa comparação indica uma qualidade de vida relativamente boa, considerando o contexto social e clínico dos pacientes.

Ademais, quase todos os pacientes reportaram algum problema físico, sendo a dor, fadiga e sono os mais listados. Na análise suplementar, esses sintomas físicos estiveram associados a um maior risco psicológico, bem como a idade jovem, os sentimentos de preocupação e medo, a ansiedade e a depressão. Esses achados sugerem que a presença desses fatores pode agravar o sofrimento dos pacientes em estadio IV. Essas informações são cruciais para o desenvolvimento de um planejamento assistencial preciso, centrado nas necessidades dos pacientes que apresentam um maior risco psicológico.

Contudo, o presente estudo apresenta algumas limitações, tais como o tamanho restrito da amostra e ao fato de ser um estudo não longitudinal, realizado em uma única instituição. Há ainda a não utilização de instrumentos que mensurem a gravidade dos sintomas físicos reportados e a exclusão de pacientes com ECOG>2. Futuros estudos devem avaliar o benefício da rotina de avaliação de sintomas físicos e psicossociais, bem como avaliar formas de melhorar o acesso ao CP no Brasil. Por meio desse estudo foi possível descrever as principais necessidades reportadas por pacientes em estadio IV e identificar os potenciais fatores associados a um maior risco psicológico.


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CONCLUSÃO

O alívio do sofrimento é o principal objetivo dos cuidados paliativos. Contudo, a identificação das fontes desse sofrimento é complexa e por vezes negligenciada. Sabe-se que as fontes potenciais de sofrimento para esta população podem ir além dos sintomas físico, incluindo complicações psicológicas e psiquiátricas (ex.: ansiedade e depressão), emanando medos e preocupações passadas, presentes e futuras. Esse estudo abre a oportunidade para a estruturação de ações e otimização de recursos que busquem identificar e tratar os sinais e sintomas dos pacientes, para que seja viável antecipar e prevenir o sofrimento dos pacientes em CP.


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Conflitos de interesse:

Nenhum dos autores refere conflitos de interesses.

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Autor correspondente:

Cristiane Decat Bergerot
Universidade Federal de São Paulo
Rua Napoleão de Barros, 754 - Vila Clementino. CEP: 04024-002 - São Paulo, SP
Brasil   

Publication History

Received: 29 May 2017

Accepted: 21 August 2017

Article published online:
07 March 2025

© 2017. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

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Bibliographical Record
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DOI: 10.26790/BJO20171345A92
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