INTRODUÇÃO
Nivolumabe é um anticorpo monoclonal totalmente humanizado (IgG4), cuja interação
com o receptor de morte programada PD-1 (programmed cell death-1) bloqueia sua ligação
com PD-L1 (programmed death--ligand 1) e PD-L2 (programmed death-ligand 2), reestabelecendo
a função antitumoral do linfócito T.([1])
Em estudos clínicos, o nivolumabe demonstrou menor toxicidade e, na vigência de reações
adversas, apresenta formas mais leves se comparado à quimioterapia, como o docetaxel.([2])
Os eventos adversos imuno-relacionados decorrentes do uso da imunoterapia ocorrem
como uma consequência da auto-tolerância prejudicada pela perda de inibição da célula
T. Todos os sistemas orgânicos podem ser envolvidos, mas toxicidades gastrointestinais,
dermatológicas, hepáticas e endócrinas predominam. Estes efeitos colaterais são, geralmente,
manejáveis, entretanto podem ser fatais em alguns casos.([3])
Há raros casos descritos na literatura de necrólise epidérmica tóxica (NET) em pacientes
tratados com nivolumabe.([4])
Necrólise epidérmica tóxica é caracterizada por lesões mucocutâneas agudas associadas
à necrose e descolamento epidérmico, as quais acometem mais de 30% da superfície corpórea
e são letais em, aproximadamente, 30% dos casos.([5])
O objetivo deste artigo é relatar um caso de NET associada ao uso de nivolumabe.
Descrição do caso
Paciente feminina, com 79 anos de idade, foi diagnosticada com adenocarcinoma tubular
de pulmão, em 2014, com estadiamento clínico T2N1M1 e deleção no éxon 19 do gene EGFR.
Inicialmente, a paciente recebeu a combinação quimioterápica de carboplatina e pemetrexede,
apresentando resposta parcial com cinco ciclos. Seguiu com erlotinibe de manutenção,
por aproximadamente dez meses, quando ocorreu progressão tumoral e iniciou paclitaxel
semanal. Durante o sexto ciclo de paclitaxel, evoluiu com aumento das lesões tumorais.
Neste momento, o tratamento foi alterado para gencitabina semanal. Durante o sétimo
ciclo desta última quimioterapia, a paciente apresentou progressão tumoral em pulmão
e surgimento de metástases ósseas, adrenal e em sistema nervoso central. Primeiramente,
realizou radioterapia em sistema nervoso central. Três dias após o término da radioterapia,
começou terapia com nivolumabe.
Uma semana após a segunda aplicação de nivolumabe, a paciente foi internada com quadro
disseminado de erupções cutâneas maculopapulares com bolhas e descolamento da pele
([Figura 1]) - mais acentuadamente em dorso e tronco - associadas à mucosite oral e genital,
vômitos, dor generalizada de forte intensidade, secreção e hiperemia conjuntival.
A paciente relatava início dos sintomas dois dias após a infusão do imunoterápico,
com piora progressiva.
Figura 1 Erupções cutâneas maculopapulares disseminadas, com bolhas e descolamento da pele.
No primeiro dia de internação hospitalar, apresentou febre. Os exames laboratoriais
evidenciavam aumento discreto de lactato e moderado de proteína C reativa; hemograma,
eletrólitos, função renal e hepática eram todos normais. Foram então instituídas medidas
terapêuticas através de antibioticoterapia com piperacilina tazobactam, reposição
volêmica, nutrição enteral, nistatina creme vaginal, solução oral com xilocaína e
bicarbonato de sódio, colírio com dexametasona, neomicina e polimixina B, além de
controle da sintomatologia com anti-histamínico (hidroxizina), analgesia (morfina
e dipirona), antieméticos (dimenidrato, bromoprida e ondansetrona), inibidor de bomba
de prótons e anticoagulação profilática com enoxaparina. Diante da suspeita de dermatite
alérgica grau 4 devido ao nivolumabe, aplicou-se metilprednisolona envodenosa (1mg/kg/
dia), com as devidas profilaxias (albendazol, fluconazol e sulfametoxazol-trimetoprima).
A paciente foi acompanhada pela comissão de pele do hospital, recebendo curativos
especiais com aquacel, mepitel, pasta de maizena e araruta. Tendo em vista a piora
contínua das lesões com extensão difusa ([Figura 2]), solicitou-se biópsia de pele ([Figura 3]), a qual evidenciou acometimento da espessura da epiderme com ceratinócitos necróticos
isolados ou, principalmente, agrupados em meio a plasma, fibrina e escassos linfócitos
ou neutrófilos. A derme papilar continha edema, linfócitos, neutrófilos e raros eosinófilos,
estabelecendo o diagnóstico de NET.
Figura 2 Evolução do quadro com maior extensão das erupções e descolamento da pele.
Figura 3 Necrose de ceratinócitos com destacamento destes e formação de bolha intraepidérmica.
A paciente permaneceu internada por duas semanas e com o avanço da NET, piora do quadro
clínico e refratariedade ao tratamento, faleceu no 15° dia de internação. Este estudo
foi submetido à aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa, sendo o número do parecer:
2.095.412 e sob número CAAE 68074717.7.0000.5370
O responsável pelo paciente relatado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
DISCUSSÃO
A imunoterapia com nivolumabe é indicada em casos de melanoma metastático ou irressecável,([6]) câncer de pulmão não pequenas células metastático([2]), carcinoma de células renais avançado,([7]) linfoma de Hodgkin clássico([8]) e carcinoma de células escamosas em cabeça e pescoço.([9])
A aprovação do nivolumabe para câncer de pulmão avançado não pequenas células não
escamoso, em pacientes previamente tratados com regimes quimioterápicos baseados em
platina, tal qual era o cenário da patologia da paciente em questão, foi baseada no
estudo CheckMate 057.([2]) Neste estudo de fase III multicêntrico e randomizado, os pacientes em uso de nivolumabe
apresentaram significativo aumento na sobrevida global e resposta mais prolongada
quando comparados a pacientes em uso de docetaxel. A sobrevida global em 1 ano no
grupo do nivolumabe foi de 51% e 39% no grupo do docetaxel. A taxa de resposta com
o imunoterápico foi superior ao quimioterápico (19% e 12%, respectivamente). As reações
adversas mais comuns de qualquer grau relacionadas ao nivolumabe foram fadiga, náusea,
hiporexia, astenia, rash, prurido, diarréia, hipotireoidismo, aumento de transaminases,
reação relacionada à infusão e pneumonite. Dos pacientes que apresentaram uma reação
adversa de qualquer categoria, 11 a 70% foram tratados com agentes imuno-moduladores
(geralmente glicocorticóides) e 44 a 100% das reações foram resolvidas, dentro de
0,1 a 12,1 semanas.
Toxicidade cutânea relacionada à imunoterapia, variando de rash a prurido a vitiligo,
é comum e geralmente ocorre dentro das primeiras semanas de tratamento.([10])
Toxicidade cutânea grave é rara, embora casos de Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ),
NET e rash com eosinofilia e sintomas sistêmicos tenham sido relatados.([11])
A SST e NET são erupções cutâneas graves caracterizadas por máculas disseminadas,
pápulas com graus variáveis de necrólise epidérmica clinicamente representada como
descolamento de toda a espessura de epiderme com exposição de derme vermelha e exsudativa,
semelhante à queimadura térmica de segundo grau e/ou lesões cutâneas bolhosas com
erosões mucosas.([5])
No Brasil, as estatísticas são escassas com relação à incidência da NET. A literatura
sugere que, na Europa e Estados Unidos, a incidência de NET seja 0,4 a 1,2 pessoas
por milhão por ano, com uma mortalidade de 30%. Esta doença pode afetar pacientes
de qualquer idade e raça, sendo mais comum em mulheres, ao contrário da SSJ. A incidência
aumenta com a idade e em certos grupos de risco com os seguintes fatores predisponentes:
existência de múltiplas comorbidades, indivíduos que utilizam diversos medicamentos,
suscetibilidade genética, imunossupressão e nos doentes com tumores cerebrais tratados
concomitantemente com radioterapia e anticonvulsivantes.([12])
A paciente do caso aqui reportado realizou radioterapia, mas não fez uso de anticonvulsivantes.
Não há dados na literatura que comprovem uma potencialização nos eventos adversos
com a associação da radioterapia com nivolumabe.
A etiologia da NET está relacionada, em 80% dos casos, ao uso de medicamentos, entretanto
pode ser ocasionada por infecções e neoplasias. Drogas relacionadas mais comumente
são alopurinol, sulfametoxazol-trimetoprima, carbamazepina, lamotrigina, nevirapina,
antiinflamatórios não-esteroidais, fenobarbital e fenitoína.([5]) Há casos relatados de NET associados ao uso de nivolumabe.([4])
Os diagnósticos diferenciais incluem exantema maculopapular, escarlatina, erupções
fototóxicas, síndrome do choque tóxico, doença do enxerto versus hospedeiro, queimaduras
térmicas, síndrome da pele escaldada estafilocócica, dermatite esfoliativa.([5])
Opinião dermatológica é aconselhável, se houver incerteza. Biópsias são geralmente
viáveis e a histologia pode variar dependendo do mecanismo de inflamação. Infiltrados
linfocíticos perivasculares tem sido demonstrados.([13]) Na pele, respostas imunes mediadas por célula T durante SSJ/NET resultam em uma
apoptose maciça de ceratinócitos, mediada por moléculas citolíticas.
Nayar et al.([4]) relatam o quadro de uma paciente com melanoma refratário a ipilimumabe que apresentou
reação semelhante à necrólise epidérmica tóxica associada a nivolumabe. Similarmente
à paciente do caso clínico do presente artigo, sua biópsia de pele mostrava dermatite
com infiltrado linfocítico na junção dermoepidérmica e ceratinócitos apoptóticos com
áreas focais de necrose completa da epiderme com mínimo infiltrado. Ela foi, inicialmente,
tratada com prednisona, logo substituída por metilprednisona, sem resposta. Após recebimento
de ciclosporina e prednisona em altas doses apresentou melhora gradual, mas significante
do rash.
O tratamento da NET é baseado no diagnóstico precoce, na interrupção do medicamento
suspeito se relacionada a medicamentos, medidas de suporte com antibioticoterapia,
reposição volêmica e de eletrólitos.([5]) Corticosteroides são administrados quando a severidade dos eventos adversos imuno-relacionados
justifica a reversão da inflamação. Outras medicações imuno-moduladoras usadas em
casos esteroide-refratários incluem o anticorpo anti-TNF-alfa infliximabe, o antimetabólito
micofenolato mofetil e inibidores da calcineurina tacrolimus e ciclosporina.([14])
Diretrizes de manejo de eventos adversos imuno--mediados decorrentes do uso de nivolumabe([15]) orientam que pacientes com reações cutâneas graus 1 e 2 (menos de 30% da superfície
corpórea acometida) recebam tratamento sintomático com anti-histamínicos e esteroides
tópicos e continuem a imunoterapia. Diante da persistência dos sintomas por mais de
uma semana ou recorrência, sugere-se considerar biópsia de pele, postergar a terapia
com nivolumabe e ponderar o uso de metilprednisolona 0,5-1mg/kg/dia endovenoso ou
equivalente oral. Com a resolução das lesões, indica-se reduzir a corticoterapia gradualmente
por pelo menos um mês e, em seguida, reiniciar a terapia com nivolumabe. No caso de
piora, iniciar tratamento como graus 3-4. Pacientes com reações cutâneas graves (mais
de 30% da superfície corpórea acometida, com ameaça à vida) devem postergar a terapia,
se grau 3, e descontinuar permanentemente, se grau 4. Neste momento, salienta-se a
importância de avaliação com dermatologista, considerar biópsia de pele e iniciar
prednisona na dose de 1-2mg/kg/dia ou dose equivalente de outro esteroide. Após melhora
sintomática para grau 1, reduzir o corticoide gradativamente antes de reiniciar o
nivolumabe. Avaliar o uso de antibioticoterapia profilática contra infecções oportunistas,
nos pacientes em corticoterapia oral ou endovenosa.
Perante pacientes em imunoterapia é imprescindível estar atento à possibilidade de
reações adversas imuno-relacionadas, raras e comuns, e desenvolver uma abordagem cuidadosa
para avaliação e manejo destas, uma vez que quanto mais precoce tais medidas ocorrerem,
melhor será o desfecho final. Ressalta-se a importância de educar o paciente e seus
cuidadores quanto ao pronto reconhecimento dos eventos adversos e garantir facilidade
de acesso à equipe multidisciplinar responsável pela assistência médica do paciente.
Por fim, enfatiza-se a necessidade de que todos os profissionais da saúde envolvidos
com a imunoterapia divulguem na literatura os eventos adversos sofridos pelos seus
pacientes, uma vez que esta alternativa de tratamento é muito recente e tão pouco
desvendada. Desta forma, poderemos ampliar nosso conhecimento a cerca desta terapia
e aprimorar o manejo de seus efeitos colaterais.