CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2019; 54(06): 649-656
DOI: 10.1055/s-0039-1697020
Artigo Original
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Published by Thieme Revnter Publicações Ltda Rio de Janeiro, Brazil

Resultados funcionais e radiológicos do tratamento cirúrgico da luxação acromioclavicular aguda com âncoras e fixação clavículo-escapular[*]

Article in several languages: português | English
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
,
José da Mota Neto
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
,
Darlan Malba Dias
2   Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Santa Luzia, Brasília, DF, Brasil
,
Leandro Furtado de Simoni
3   Hospital Maternidade Therezinha de Jesus, Juiz de Fora, MG, Brasil
,
Elmano de Araújo Loures
1   Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
,
Pedro José Labronici
4   Departamento de Cirurgia, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil
› Author Affiliations
Further Information

Endereço para correspondência

Adriano Fernando Mendes Júnior, MD, MSc
Rua Sampaio 468
apto. 1.402, Juiz de Fora, MG, 36010-360
Brasil   

Publication History

15 April 2018

04 June 2018

Publication Date:
23 September 2019 (online)

 

Resumo

Objetivo Avaliar os resultados clínicos, radiológicos, e funcionais do tratamento cirúrgico da luxação acromioclavicular aguda, utilizando a técnica de sindesmopexia coracoclavicular com duas âncoras metálicas, fixação temporária clavículo-escapular, e transferência do ligamento coracoacromial.

Métodos Estudo observacional longitudinal com trinta pacientes com diagnóstico de luxação acromioclavicular aguda submetidos à cirurgia, com seguimento mínimo de seis meses, avaliados clínica, radiograficamente, e pelos escores de University of California at Los Angeles (UCLA), Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) e Constant-Murley.

Resultados Os valores médios dos escores foram: UCLA = 32; DASH = 11,21; e Constant-Murley = 86,93, com resultados satisfatórios acima de 80%. Os resultados insatisfatórios foram relacionados à dor acromioclavicular, a testes de impacto subacromial positivos, e aos pacientes de faixa etária mais elevada (p < 0,05). Radiologicamente, valores maiores em razão da distância coracoclavicular do ombro operado, comparado com o ombro normal, foram relacionados a piores resultados, embora sem significância estatística. Não foi observada associação entre os resultados dos escores funcionais e as variáveis grau da lesão, transferência do ligamento coracoacromial, impressão clínica de perda de redução, e discinesia escapulo-torácica.

Conclusão A técnica utilizada propicia uma fixação eficiente, com alto índice de satisfação segundo os escores de UCLA, Constant-Murley e DASH. Observou-se baixo índice de complicações apesar da frequência elevada de subluxação acromioclavicular radiológica residual.


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Introdução

A luxação acromioclavicular (LAC) é uma lesão frequente, que ocorre geralmente após queda ao solo, com trauma direto sobre o ombro, e o braço em adução.[1] Representa entre 9% e 12% das lesões na cintura escapular, sendo mais frequente em adultos jovens, atletas, e cinco vezes mais comum em homens do que em mulheres.[1] [2] A maioria das lesões do complexo acromioclavicular (AC) são incompletas, comprometendo principalmente os ligamentos ACs.[1] Em casos de trauma de maior intensidade deste complexo, ocorrem também lesões nos ligamentos coracoclaviculares (CCs) e na fáscia deltotrapezoidal, ambos estabilizadores da articulação AC (AAC).[2]

As lesões ACs foram originalmente descritas por Tossy et al[2] em graus I, II e III, e foram posteriormente modificadas por Rockwood e Williams,[3] que descreveram os graus IV, V e VI. Esta classificação apresenta boa reprodutibilidade entre ortopedistas,[3] e também é utilizada para guiar a indicação de tratamento clínico ou cirúrgico. Segundo Rockwood e Williams,[3] o tratamento cirúrgico está preconizado para os graus IV, V e VI, e em alguns casos do grau III. Os casos de graus I e II têm tratamento conservador. Há controvérsia sobre o tratamento ideal da LAC, principalmente em relação ao grau III.[4] Entre as opções de tratamento cirúrgico, são descritas a fixação da AAC com fios ou placa, associada ou não à transferência do ligamento coracoacromial (CA), fixação CA com parafuso CC ou âncoras CCs, fixação temporária com fios de Kirschner, e reconstruções ligamentares.[3] [4] [5]

Não há consenso quanto ao tratamento desta lesão.[5] As modificações das técnicas que aproximam a clavícula do processo coracoide (sindesmopexia) passaram do uso de parafuso ou amarrilho subcoracoide para o uso de âncoras e materiais como o Endobutton (Smith & Nephew, Londres, Reino Unido), que podem ser realizados por via aberta, minimamente invasiva ou artroscópica. A opção para o tratamento cirúrgico da LAC aguda, com estabilização CC utilizando duas âncoras, apresenta a vantagem de mimetizar a origem anatômica dos ligamentos CCs e suas inserções na clavícula;[6] outra vantagem é a utilização de um implante acessível para os ortopedistas brasileiros.

O objetivo deste estudo é avaliar os resultados clínicos, radiológicos e funcionais do tratamento cirúrgico da LAC aguda, utilizando a técnica de sindesmopexia CC com duas âncoras metálicas e fixação temporária clavículo-escapular.


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Materiais e Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (CAAE 58252216.0.0000.5133), e todos os indivíduos selecionados concordaram em participar por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Trata-se de um estudo longitudinal observacional de pacientes com LAC aguda, tratados cirurgicamente por três dos cirurgiões participantes do estudo, pela técnica de sindesmopexia CC com duas âncoras metálicas e fixação temporária clavículo-escapular, em hospitais terciários, no período de janeiro de 2011 a março de 2016. A amostra estudada compreendeu 41 indivíduos operados por conta de LAC aguda de graus III, IV e V de Rockwood e Williams.[3] Os critérios de inclusão foram: idade maior do que 18 anos, cirurgia realizada 6 meses ou mais antes da data de avaliação, e tratamento cirúrgico de LAC aguda pela técnica citada considerando, para efeito temporal, o período de até 3 semanas como LAC aguda.[7] Os critérios de exclusão foram: histórico de LAC pregressa no mesmo membro, cirurgias prévias no mesmo ombro, e incapacidade de responder aos questionários de avaliação funcional ou de comparecer à reavaliação ambulatorial. Dos 41 pacientes, 1 estava em coma devido a complicações não relacionadas ao procedimento cirúrgico; 4 se recusaram a participar do estudo; 2 não se enquadravam no critério de tratamento de LAC aguda; e 4 não foram localizados para avaliação. A amostra final foi de 30 participantes, cujos prontuários foram analisados, e os pacientes foram submetidos a avaliação funcional e radiológica.

O desfecho primário do estudo foi o escore funcional da University of California at Los Angeles (UCLA),[8] seguido dos escores Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH)[9] e de Constant-Murley,[10] e os resultados encontrados foram classificados como satisfatórios ou insatisfatórios.[8] [11] Os desfechos secundários avaliados foram: a transferência do ligamento CA no procedimento; complicações decorrentes do ato cirúrgico; média de idade dos pacientes; dados do exame clínico (impressão clínica da perda de redução da LAC, discinesia escápulo-torácica [DET], dor à palpação AC, manobras de impacto subacromial e AC, como os testes de Neer, Hawkings-Kenedy, Yokun e cross-body aduction);[12] e avaliação radiológica (perda de redução, degeneração AC).

O diagnóstico de LAC, bem como a classificação segundo os critérios de Rockwood e Williams,[3] foi feito radiologicamente nas incidências anteroposterior (AP) e Zanca para clavícula e perfil axilar do ombro.[13] A avaliação radiológica também utilizou um índice como medida comparativa da distância coracoclavicular (dCC) dos lados operado e normal (dCC_O/N), na radiografia da clavícula nas incidências AP e Zanca, dividindo-se o valor da dCC do lado operado (dCC_O) pela do lado normal (dCC_N), como demonstrado na [Figura 1]. Foram adotados ainda os critérios radiológicos conforme Rush et al[14] para avaliação da redução da LAC pós-cirurgia, considerando-se perda da redução pós-cirúrgica o aumento da dCC_O/N superior ou igual a 2, e a subluxação residual como dCC_O/N entre 1 e 2.

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Fig. 1 Cálculo da distância coracoclavicular dos lados operado e normal (dCC_O/N: 12,31/11,40 = 1,07). Paciente com subluxação residual de 7%.

O procedimento foi realizado com o paciente na posição de cadeira de praia, sob bloqueio do plexo braquial e anestesia geral. Realizou-se incisão tipo sabre no sentido AP, iniciando a 1 cm medial à AAC, da borda posterior da clavícula até 1 cm superior à borda superior do processo coracoide. Quando intacta, a fáscia deltotrapezoidal foi incisada paralela às suas fibras. Em alguns pacientes, a critério do cirurgião, foi identificado o ligamento CA, que foi dissecado até a sua origem acromial e, então, seccionado e reparado para transferência ao terço lateral da clavícula, em fixação transóssea. Por meio de dissecação, a base do processo coracoide foi exposta, permitindo a inserção de duas âncoras metálicas de 4 mm cada, com 1 ou 2 fios de suturas não absorvíveis, adaptada conforme a técnica de Dal Molin et al.[6] As suturas foram passadas através de 2 furos feitos na clavícula com broca de 2,0 mm, com o objetivo de reproduzir a inserção anatômica dos ligamentos CCs: um orifício posteromedial para o ligamento conoide e, a 1 cm lateral a este, um orifício anterolateral de mesmo tamanho, para o trapezoide, a uma distância de 1 cm da AAC. Antes da aproximação CC com as suturas de ancoragem, a AAC foi reduzida anatomicamente: enquanto o assistente executava a manobra de estabilização da escápula em retração e abaixamento da clavícula, o cirurgião realizava a fixação clavículo-espinal dirigindo o fio de Kirschner a 2,5 mm da borda anterossuperior do terço lateral da clavícula à base da espinha escapular, segundo a técnica descrita por Carrera et al[15] ([Figura 2]). As suturas das âncoras, previamente passadas através dos orifícios na clavícula, foram amarradas, e o ligamento CA, quando transferido, foi tensionado. A fáscia deltotrapezial foi cuidadosamente suturada, e o fio de Kirschner, sepultado sob a fáscia, realizando-se, assim, o fechamento final por planos.

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Fig. 2 Radiografia em incidência anteroposterior do ombro e perfil da escápula no pós-operatório, evidenciando as âncoras no processo coracoide e o fio de Kirschner de fixação provisória entre a clavícula e a espinha da escápula.

No pós-operatório, o membro foi imobilizado em tipoia de abdução durante 6 semanas. O paciente foi orientado a começar imediatamente exercícios de flexo/extensão do cotovelo, e de suave rotação medial e lateral do ombro. A elevação do ombro acima de 45 graus foi desencorajada para evitar quebra ou migração do fio de Kirschner clavículo-escapular, ou afrouxamento da sua inserção. Após seis semanas, o fio de Kirschner foi removido em centro cirúrgico, sob anestesia local e sedação, e o paciente foi autorizado a realizar todos os movimentos do ombro e a começar a reabilitação fisioterápica. O retorno à prática de esportes de contato foi permitido após três meses de cirurgia.

A análise estatística, com as variáveis quantitativas, foi descrita pela média e pelo desvio padrão, e as variáveis qualitativas, por frequência absoluta e porcentagens. Para testar diferenças entre os grupos com relação às variáveis quantitativas, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney. O tamanho do efeito foi avaliado pelo d de Cohen[16], utilizando-se o desvio padrão ponderado e adotando-se a seguinte classificação para interpretação: pequeno = 0,20–0,49; moderado = 0,50–0,79; elevado ≥ 0,80.[16] Para testar diferenças entre proporções, utilizou-se o teste Exato de Fisher. Neste caso, o tamanho do efeito foi avaliado pelo V de Cramér, adotando-se a seguinte classificação para interpretação: pequeno = 0,10–0,29; moderado = 0,30–0,49; elevado ≥ 0,50.[16] Todas as análises foram feitas no software estatístico International Businness Machines Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS, IBM Corp., Armonk, NY, EUA), versão 24.0. O nível de significância estatística foi estabelecido como p < 0,05. Para o cálculo do tamanho amostral, quando necessário, foi utilizado o software G*Power 3.1(Universität Düsseldorf, Düsseldorf, Renânia do Norte-Vestfália, Alemanha).[17]


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Resultados

Um total de 30 indivíduos preencheram os critérios de inclusão, sendo a maioria do gênero masculino (n = 28; 93,3%). O seguimento médio foi de 18 meses (7 a 40 meses), a média de idade dos pacientes foi de 40 anos (±12,7; 20 a 71 anos), e 28 deles eram destros (93,3%). O membro dominante foi acometido em 15 pacientes (50%), e o tempo médio decorrido até a cirurgia foi de 6 dias (±6,4). As causas mais comuns foram queda ao solo (n = 9), queda de bicicleta (n = 9) e queda de motocicleta (n = 8). De acordo com a classificação de Rockwood e Williams,[3] os pacientes foram classificados como grau III (n = 16), grau IV (n = 3) e grau V (n = 11). A transferência do ligamento CA foi realizada em 17 pacientes (56,7%). Um total de 5 casos (16,6%) evoluíram com complicações pós-operatórias agudas, sendo: 1 caso de fio de Kirschner proeminente, que causou desconforto na região do ombro posterior; 1 caso de exteriorização do fio de Kirschner na sexta semana de pós-operatório, ambos solucionados com a remoção do fio na sexta semana após a cirurgia; 2 casos de infecção da ferida operatória tratados com antibióticos por via oral por 10 dias; e 1 caso de infecção profunda, que necessitou lavagem e desbridamento cirúrgico, seguido de antibióticos endovenosos por 2 semanas.

Na avaliação clínica, 6 pacientes (20,0%) apresentaram dor à palpação AC, e 10 pacientes (30,0%) apresentaram DET. Testes de impacto subacromial positivos foram observados em 6 pacientes (20%), e a impressão clínica da perda da redução após a cirurgia, avaliada pelo observador, foi percebida em 9 pacientes (30%). O índice de satisfação espontânea com o tratamento foi de 96,87%.

Na avaliação funcional, foram obtidos os valores médios finais (desvio padrão) dos escores: UCLA = 32 (± 6,33); DASH = 11,21 (± 20,18); e Constant-Murley = 86,93 (± 20,34). Na classificação dos resultados dos escores como satisfatórios ou não, encontrou-se que 86,7% da amostra tiveram UCLA satisfatório (> 27); 83,3% tiveram DASH satisfatório (< 20); e 80,0% tiveram Constant-Murley satisfatório (> 79).

Na avaliação radiológica, a degeneração AC foi observada em 4 pacientes (13,3%). Segundo os critérios de Rush et al,[14] 2 casos (6,6%) apresentaram perda da redução na incidência AP, e 4 casos (13,3%), na incidência Zanca. Subluxações residuais foram observadas em 24 pacientes (80%) na incidência AP, e em 20 pacientes (67%) na Zanca. Apenas 4 pacientes (13%) na incidência AP e 6 pacientes (20%) na Zanca mantiveram a redução do lado oposto.

A comparação entre as características clínicas e os escores UCLA, DASH e Constant-Murley está apresentada na [Tabela 1]. Observou-se que os pacientes com resultados funcionais insatisfatórios apresentaram dor na palpação AC, testes de impacto subacromial positivos, e maior média de idade quando comparados aos pacientes com resultados funcionais satisfatórios. Pacientes com mais de 50 anos apresentaram piores resultados funcionais. Para essas variáveis, as relações e diferenças observadas foram de elevada magnitude (d > 0,80; V > 0,50). O grau da LAC e a DET não estão associados aos resultados funcionais avaliados pelos escores de UCLA, DASH e Constant-Murley (p > 0,05).

Tabela 1

UCLA

DASH

Constant-Murley

Variáveis/Categorias

S (n = 26)

I (n = 4)

Valor de p

S (n = 25)

I (n = 5)

Valor de p

S (n = 24)

I (n = 6)

Valor de p

Grau da LAC

 III (n = 16)

87,50%

12,50%

1

81,30%

18,80%

1

81,20%

18,80%

1

 IV e V (n = 14)

85,70%

14,30%

85,70%

14,30%

78,60%

21,40%

Dor AC

 Não (n = 24)

100,00%

0,00%

0,001*

95,80%

4,20%

0,003*

91,70%

8,30%

0,007*

 Sim (n = 6)

33,30%

66,70%

33,30%

66,70%

33,30%

66,70%

Testes de impacto

 Não (n = 24)

100,00%

0,00%

0,001*

100,00%

0,00%

< 0,001*

95,80%

4,20%

< 0,001*

 Sim (n = 6)

33,30%

66,70%

16,70%

83,30%

16,70%

83,30%

 Idade (média ± desvio padrão em anos)

38,2 ± 11,7

56,7 ± 3,2

0,005*

38,0 ± 11,9

54,0 ± 6,7

0,006*

37,4 ± 11,7

53,8 ± 6,0

0,002*

Radiologicamente, observou-se que a degeneração AC foi mais frequente nos pacientes com resultados insatisfatórios avaliados pelo UCLA, embora este resultado tenha ficado no limiar de significância (p = 0,07). Considerando a prevalência de 15% de resultados insatisfatórios no UCLA, estima-se um tamanho de amostra de 45 pacientes, para que seja encontrada associação estatisticamente significativa entre a degeneração acromioclavicular observada na radiografia e o resultado funcional avaliado pelo UCLA.[17]

A medida da razão da dCC_O/N nas incidências radiológicas em AP e Zanca foi correlacionada com os dados clínicos e os escores funcionais. Verificou-se que os pacientes com resultados insatisfatórios nos escores funcionais apresentaram maiores valores na razão da dCC_O/N, embora isso não tenha sido estatisticamente significativo (p > 0,05); porém, o tamanho do efeito observado no DASH e no Constant-Murley para a associação da razão da dCC_O/N na incidência Zanca foi de moderada magnitude (d = 0,66 e d = 0,56, respectivamente). Como cálculo amostral, considerando a proporção de 17% de pacientes com resultados funcionais insatisfatórios, seriam necessários 204 pacientes (30 pacientes com resultados insatisfatórios) para se observar significância estatística entre o aumento da razão da dCC_O/N e piores resultados nos questionários funcionais.[17]

Não foi observada diferença estatisticamente significativa na razão da dCC_O/N nas incidências AP e Zanca, em relação ao grau da lesão (p > 0,05), à transferência do ligamento CA (p > 0,05), e à impressão clínica de perda da redução (p > 0,05). Para avaliar a relação entre o valor de subluxação radiológica e os aspectos clínicos e funcionais, adotou-se o ponto de corte de 1,5 na razão da dCC_O/N. Não houve associação estatisticamente significativa com os escores funcionais ([Tabela 2]; p > 0,05).

Tabela 2

Variável

n

DASH

Valor de p

Constant-Murley

Valor de p

UCLA

Valor de p

Razão da dCC_O/N AP

0,92*

0,41

0,84*

< 1,5

23

11,9 ± 21,1a

87,8 ± 19,7a

32,0 ± 6,1a

≥ 1,5

7

8,9 ± 18,0a

84,0 ± 23,7a

31,8 ± 7,4a

Razão dCC_O/N Zanca

0,22*

0,19

0,61*

< 1,5

18

9,3 ± 19,9a

89,7 ± 18,5a

32,7 ± 4,8a

≥ 1,5

12

14,1 ± 21,1a

82,8 ± 23,0a

30,9 ± 8,2a

Por fim, a transferência do ligamento CA no ato cirúrgico não apresentou diferença nos escores funcionais, e não se mostrou relacionada à impressão clínica de perda da redução e à razão da dCC_O/N nas incidências AP e Zanca.


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Discussão

O objetivo do tratamento da LAC aguda é obter uma redução que permita a cicatrização das partes moles e a recuperação da função prévia da articulação. No entanto, os inúmeros procedimentos descritos na literatura comprovam a falta de consenso em relação ao método ideal.[18] No presente estudo, os valores médios dos escores foram: UCLA = 32 (±6,33); DASH = 11,21 (±20,18); e Constant-Murley = 86,93 (±20,34), com satisfação geral de 96,87% (todos menos 1 paciente da amostra). Algarín et al[19] avaliaram 42 pacientes tratados com uma técnica minimamente invasiva, e obtiveram 86% de resultados satisfatórios, segundo o escore UCLA.

Existem diversas opções cirúrgicas para o tratamento da LAC, e elas estão didaticamente divididas entre técnicas de fixação CCs flexível (como os amarrilhos CCs ou a fixação com âncoras) ou rígida (como os parafusos CCs ou as placas tipo gancho). As opções ditas flexíveis são consideradas mais biológicas, pois proporcionam o movimento da clavícula em relação ao acrômio, e não necessitam da retirada dos implantes. A fixação CC com parafuso gera rigidez excessiva na AAC, podendo levar à quebra do implante, osteólise acromial ou clavicular, perda da redução, além da necessidade de novo procedimento para retirada.[5] A utilização da placa gancho tem taxa elevada de complicações, incluindo osteólise acromial ou fratura, bursite subacromial, e osteoartrite.[20] [21] Segundo Koukakis et al[20], a retirada do implante transfere a responsabilidade pela manutenção da redução unicamente aos tecidos cicatrizados, favorecendo a recorrência.

Mesmo as opções ditas flexíveis não são isentas de riscos. De acordo com Baker et al[22], a cerclagem subcoracoide com fios de alta resistência pode causar erosão óssea local e manter a subluxação anterior da clavícula, o que tem demonstrado ser causa de dor, artrite e diminuição da força. A fixação da clavícula ao processo coracoide com âncoras de sutura e o uso de pino metálico temporário, entre a clavícula e a espinha da escápula, apresenta uma alternativa para evitar as complicações e simplificar a fixação temporária.[15] Nos pacientes deste estudo, foram utilizadas âncoras CCs como procedimento principal, e a fixação clavículo-escapular temporária como método auxiliar. Segundo Tamaoki et al[23], em estudo transversal com ortopedistas brasileiros sobre o tratamento de LAC, nos casos cirúrgicos de grau III, 63% dos entrevistados utiliza a fixação CC em seus pacientes, enquanto 51% prefere a técnica de fixação transarticular AC.

A fixação da clavícula na espinha da escápula foi realizada poupando a AAC de uma nova agressão, e visando evitar complicações, como a dor residual na AAC. Eskola et al,[24] em estudo randomizado de tratamento cirúrgico de LAC que comparou a fixação CC com parafuso e fios metálicos transarticulares AC, mostraram melhores resultados com a utilização de fios metálicos transarticulares. No entanto, a técnica está associada a uma taxa elevada de complicações, incluindo infecção, perda de redução, desenvolvimento de osteoartrite AC, além de quebra e migração do fio metálico. Esse estudo mostra benefícios na fixação temporária entre a clavícula e a espinha da escápula, pois evita o afrouxamento das suturas de ancoragem nas primeiras semanas após a cirurgia, permitindo uma melhor cicatrização de tecidos moles e auxiliando na manutenção da redução da luxação após a remoção do fio de Kirschner.

O melhor método de tratamento para lesões de grau III é incerto.[25] Alguns autores descrevem resultados similares de tratamento cirúrgico e não cirúrgico em casos de grau III,[18] enquanto outros encontraram resultados insatisfatórios com o tratamento não cirúrgico, representado por dor residual e diminuição da força muscular da cintura escapular em até 50% dos casos, favorecendo a conduta cirúrgica como escolha nestes casos.[26] Segundo Rasmont et al[27], o tratamento conservador é a primeira escolha nestas lesões. Na amostra estudada, o percentual de satisfação dos pacientes com LAC de grau III encontrado foi de 100%, e, na avaliação funcional, os resultados satisfatórios foram de 87,5% no UCLA, de 81,3% no DASH, e de 81,2% no Constant-Murley. Tais resultados demonstram que este método foi uma boa opção para esse grupo de pacientes, com altas taxas de satisfação ao final do acompanhamento.

Apesar de a literatura mostrar bons resultados funcionais na utilização das âncoras metálicas no coracoide como método de tratamento da LAC aguda,[15] [18] [19] foram encontradas distinções nos resultados de acordo com a idade dos pacientes. Na amostra do presente estudo, houve diferença estatisticamente significativa, com piores resultados funcionais no UCLA (p = 0,005), DASH (p = 0,006) e Constant-Murley (p = 0,002), em pacientes com idade média de 56,7 (±3,2), 54,0 (±6,7), e 53,8 (±6,0), respectivamente, sugerindo que o tratamento da LAC aguda por este método, nos pacientes dessa faixa etária, deve ser revisto. Estudos adicionais são necessários para elucidar a relação entre resultados funcionais insatisfatórios nos pacientes mais velhos.

Um dos procedimentos auxiliares, a transferência do ligamento CA, atua, em tese, como um reforço biológico para estabilização AC. Segundo Johansen et al[5], o uso do ligamento CA tem limitações biomecânicas se for empregado de forma isolada no tratamento da instabilidade AC, necessitando ser utilizado simultaneamente com as reconstruções dos ligamentos CCs. Entretanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em relação aos resultados funcionais entre os grupos que realizaram ou não a transferência adjuvante do ligamento CA.

A descrição, pelo observador, de perda de redução após a cirurgia ou de subluxações residuais ao exame radiológico é frequente. Segundo a literatura, a evidência de deformidade recorrente varia de 8% a 18%.[28] [29] [30] Na técnica de reconstrução com âncoras, segundo Breslow et al[31], um dos motivos para a perda da redução é o local impreciso da inserção das âncoras no coracoide. No presente estudo, constatou-se recidiva em 2 pacientes (6,6%) na radiografia em AP. Carrera et al[15] descreveram 3 casos de recidiva em 21 pacientes avaliados. Alguns estudos demonstram que a perda da redução, com consequente subluxação residual da AAC, não afeta o resultado clínico final do tratamento.[4] [32] [33] Cavinatto et al[4] relataram um alto índice de perda da redução inicial após a fixação CC com âncoras, por via artroscópica, com resultado final satisfatório. Lädermann et al,[34] em um estudo clínico, radiológico e isocinético com 37 pacientes submetidos a cerclagem CC e estabilização AC, com suturas não absorvíveis para tratamento de LACs, encontraram perda de redução em 7 (18,9%) pacientes, que foi relacionada aos resultados menos satisfatórios. Na presente amostra, 30% dos pacientes tinham a impressão clínica de perda da redução, e observou-se 80% de subluxações residuais na radiografia em AP, mas a maioria dos pacientes obteve escores funcionais satisfatórios.

A padronização de critérios de avaliação radiológica dos resultados pós-operatórios é necessária. Figueiredo et al[35] descreveram a perda da redução da AC em 19% na radiografia panorâmica dos ombros. No presente estudo, empregamos a medida relativa da dCC_O/N com o intuito de medir com mais fidedignidade a perda da redução e avaliar possíveis relações entre a medida residual e os resultados funcionais insatisfatórios. Apesar de os pacientes com resultados insatisfatórios nos escores funcionais apresentarem maiores valores na razão da dCC_O/N, não houve significância estatística (p > 0,05). Como ambas as incidências (AP e Zanca) mostraram alguma correlação com os resultados de subluxação no valor da dCC_O/N, os autores recomendam quaisquer das incidências no seguimento radiológico pós-cirúrgico.

Ressalta-se, como característica positiva do estudo, a utilização de 3 escores (UCLA, DASH e Constant-Murley) na avaliação dos resultados funcionais, todos com resultados satisfatórios em mais de 80% dos indivíduos avaliados, além da padronização da medida da dCC_O/N como proposta para o acompanhamento pós-operatório. Por fim, a similaridade dos resultados (clínico, radiológico e funcional) entre os grupos (com ou sem transferência do ligamento CA) colocou em dúvida a necessidade desta transferência adjuvante. Como principal ponto fraco, destaca-se o pequeno tamanho da amostra para se observar significância estatística entre o aumento da razão da dCC_O/N e piores resultados nos escores funcionais.


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Conclusão

A técnica de tratamento cirúrgico da LAC aguda para os graus III, IV e V de Rockwood e Williams,[3] com sindesmopexia CC, utilizando duas âncoras metálicas e fixação temporária clavículo-escapular, propicia uma fixação eficiente, com excelentes resultados segundo os escores de UCLA, DASH e Constant-Murley, apesar do alto índice de subluxação radiológica residual encontrada. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos que foram ou não submetidos à transferência do ligamento CA de forma complementar no ato operatório. Resultados insatisfatórios foram associados aos indivíduos de faixa etária acima dos 50 anos.


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* Trabalho realizado no Hospital Universitário, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil


  • Referências

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Endereço para correspondência

Adriano Fernando Mendes Júnior, MD, MSc
Rua Sampaio 468
apto. 1.402, Juiz de Fora, MG, 36010-360
Brasil   

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Fig. 1 Cálculo da distância coracoclavicular dos lados operado e normal (dCC_O/N: 12,31/11,40 = 1,07). Paciente com subluxação residual de 7%.
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Fig. 2 Radiografia em incidência anteroposterior do ombro e perfil da escápula no pós-operatório, evidenciando as âncoras no processo coracoide e o fio de Kirschner de fixação provisória entre a clavícula e a espinha da escápula.
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Fig. 1 Calculation of the coracoclavicular distance of the operated and normal sides (CCd_O/N: 12.31/11.40 = 1.07). Patient with 7% of residual subluxation
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Fig. 2 Postoperative anteroposterior (AP) radiograph of the shoulder and profile of the scapula in the postoperative period, showing the anchors in the coracoid process and the temporary fixation Kirschner wire between the clavicle and the scapular spine.