Palavras-chave fraturas do ombro - complicações - tratamento conservador - diagnóstico por imagem
Introdução
Fraturas relacionadas à osteoporose ocorrem em ∼ 2 milhões de indivíduos por ano nos
EUA, e as fraturas da extremidade proximal do úmero (FEPUs) são responsáveis por 10%
destas.[1 ] Estudos recentes demonstram que o tratamento não operatório leva a resultados semelhantes
ao cirúrgico, independentemente da idade e do padrão da fratura.[2 ]
[3 ]
No entanto, ainda existem controvérsias sobre os principais padrões que se beneficiariam
do tratamento cirúrgico, e faltam evidências sobre os parâmetros radiográficos de
pior prognóstico para o tratamento não operatório.
As classificações de Neer, Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen (AO) e binária
apresentam baixa confiabilidade e pouco acrescentam à tomada de decisão do tratamento.[4 ]
[5 ]
[6 ] Estudos prévios demonstram que diversas características relacionadas à fratura,
e não avaliadas por estas classificações, podem influenciar os resultados funcionais,
como a cominuição metafisária medial,[7 ] o tipo e grau de desvio no plano coronal e sagital e a perda óssea por impacção.[8 ] Outros fatores de prognóstico estão relacionados ao paciente e à lesão, como a idade,
osteoporose e o tempo entre a fratura e o tratamento.[9 ]
[10 ]
Poucos estudos avaliam os diferentes critérios radiográficos para prever os resultados
funcionais no tratamento não operatório das fraturas desviadas da extremidade proximal
do úmero.[8 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
[14 ]
[15 ] Além disso, nenhum estudo prévio avaliou os critérios de Resch e outras variáveis
radiográficas no prognóstico das FEPUs.
O objetivo primário do presente estudo é descrever o resultado funcional do tratamento
não operatório de fraturas desviadas da extremidade proximal do úmero pela escala
da American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES, na sigla em inglês) após 12 meses.
O objetivo secundário é avaliar se as diferentes classificações e medidas radiográficas
iniciais têm relação com piores resultados pela escala ASES.
Métodos
Desenho do estudo
Realizamos um estudo prospectivo envolvendo 40 pacientes com FEPUs, submetidos ao
tratamento não operatório. Os pacientes fazem parte de um estudo randomizado e foram
tratados entre fevereiro de 2016 e outubro de 2018 em um único centro. O protocolo
foi aprovado pela Comissão de Ética de nosso serviço sob o parecer número 1.266.876.
Participantes
Os critérios de inclusão foram idade ≥ 60 anos, < 30 dias do trauma e FEPU com envolvimento
do colo cirúrgico, com pelo menos um dos seguintes parâmetros: ângulo cabeça-diáfise
com desvio ≥ 20° (varo ou valgo); translação cabeça-diáfise > 1 cm (no plano frontal
ou sagital) e fratura associada do tubérculo maior e/ou menor com desvio > 0,5 cm.
Os critérios foram avaliados por dois médicos especialistas em cirurgia do ombro e
cotovelo antes da inclusão no estudo.
Não foram incluídas as fraturas-luxação e as fraturas com ausência de contato entre
a cabeça e a diáfise e as bilaterais. Não foram incluídos pacientes com fratura associada
no membro superior ipsi ou contralateral, com lesões neurológicas diagnosticadas pelo
exame físico, fraturas associadas no membro acometido, fraturas patológicas, fraturas
bilaterais, cirurgias prévias no ombro acometido ou rotura de espessura completa de
um dos tendões do manguito rotador diagnosticada previamente.
Intervenção
O tratamento não operatório consistiu no uso da tipoia velpeau associado a reabilitação
precoce. Nenhum paciente foi submetido a redução incruenta. A analgesia foi padronizada,
com o uso de dipirona 500 mg (um comprimido a cada 8h por 10 dias), codeína 30 mg
(um comprimido a cada 6h por 7 dias e depois conforme a dor) e paracetamol 500 mg
(um comprimido a cada 8h por 10 dias).
O uso da tipoia foi orientado de modo padronizado e um panfleto impresso foi entregue
aos pacientes após a inclusão no estudo, contendo as orientações de reabilitação descritas
abaixo. Os exercícios domiciliares foram orientados pessoalmente por um fisioterapeuta
no 1° dia de inclusão no estudo.
A movimentação do cotovelo, punho e mão foi iniciada no 1° dia de inclusão no estudo.
Foram orientados modos de realização da higiene pessoal, posição para dormir e para
a alimentação. Foram orientados exercícios domiciliares cervicais, escapulares, de
cotovelo, punho e mão no 1° dia de inclusão no estudo e os exercícios pendulares no
7° dia. Em 15 dias, foram iniciados exercícios passivos do ombro para elevação, abdução
e para as rotações. Após 30 dias, foram iniciados exercícios ativo-resistidos de cotovelo,
ativo-assistidos e ativo-livres do ombro e exercícios isométricos para o manguito,
o deltóide e a cintura escapular, conforme tolerado pelos pacientes. Exercícios ativo-resistidos
para o manguito, o deltóide e a cintura escapular foram iniciados no 45° dia. O tempo
máximo indicado de uso da tipoia foi de 30 dias após a fratura.
Desfechos
Foi adotado como desfecho primário a avaliação clínica pela escala ASES após 12 meses
da fratura. Foram considerados desfechos secundários: a escala de Constant-Murley,
em seus valores absolutos e relativos ao membro contralateral (CRI) e a escala Single
Assessment Numeric Evaluation (SANE, na sigla em inglês). As escalas foram aplicadas
em 3, 6 e 12 meses após a fratura. A aplicação das escalas clínicas foi realizada
por um avaliador que não participava da reabilitação ou do seguimento clínico do paciente.
As radiografias foram realizadas em quatro incidências, sempre que tolerado pelo paciente,
incluindo o frente verdadeiro, perfil verdadeiro, perfil axilar e incidência de Velpeau.
As radiografias foram avaliadas com o sistema de armazenamento de imagens da instituição
(iSite enterprise 4.1, Phillips, Amsterdã, Holanda). Exame de tomografia computadorizada
foi realizado em todos os pacientes antes da inclusão no estudo. Os resultados foram
utilizados para complementar a definição das variáveis radiográficas da fratura, como
as classificações e características dos desvios. Dois ortopedistas, membros da Sociedade
Brasileira de Ombro e Cotovelo, com 11 e 12 anos de experiência, avaliaram todas as
imagens e as classificações foram determinadas por consenso. As medidas utilizadas
foram as de um dos avaliadores.
Exame de ultrassonografia foi realizado aos 6 meses de pós-operatório para a avaliação
da integridade do manguito rotador. Os exames foram realizados no departamento de
radiologia da instituição pela equipe de radiologistas musculoesqueléticos. Foi utilizado
o aparelho Logiq E9 (GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA), com transdutor linear ML6-15
(6- to 15-MHz linear ML-6-15, GE Healthcare, Waukesha, WI, EUA). Os achados relacionados
aos tendões do manguito rotador foram classificados de acordo com a presença de rotura
transfixante de um ou mais tendões.
As complicações foram anotadas de acordo com sua ocorrência e o número total registrado
separadamente para cada paciente. Não consideramos consolidação viciosa como uma complicação.
A necessidade de abordagem cirúrgica e o tipo de cirurgia realizada também foram registradas.
As seguintes complicações foram analisadas como variáveis binárias (presente ou ausente),
sendo consideradas presentes se identificadas em qualquer período do tratamento: dor
recorrente com limitação funcional com necessidade de tratamento adicional (clínico
ou cirúrgico) após 1 ano de tratamento; intercorrência clínica relacionada à fratura
ou tratamento com necessidade de internação; óbito relacionado à fratura ou tratamento;
refratura: rigidez do ombro, definida pela diminuição da amplitude de movimento do
ombro com limitação funcional mantida após 6 meses da fratura; síndrome complexa de
dor regional; ossificação heterotópica; osteoartrose glenoumeral; osteonecrose da
cabeça do úmero e pseudoartrose, definida pela ausência de consolidação após 1 ano
da fratura. Exames complementares (tomografia computadorizada, ressonância magnética
[RM] ou eletroneuromiografia) foram realizados de acordo com a suspeita clínica.
Variáveis analisadas
As variáveis clínicas avaliadas foram: gênero, lado, dominância, tabagismo, diabetes,
tempo até o início da reabilitação, duração da reabilitação e número de sessões.
As variáveis radiográficas incluíram as classificações de Neer e Resch, a presença
de fratura dos tubérculos (independente do desvio), cominuição metafisária e lesão
periosteal medial. Foram avaliados diversos parâmetros radiográficos de desvio da
fratura. O ângulo cabeça-diáfise foi avaliado conforme previamente publicado.[16 ] O desvio do tubérculo maior foi avaliado de acordo com a sua distância em relação
ao ápice da cabeça do úmero, na radiografia em frente verdadeiro. O tubérculo menor
foi avaliado na radiografia axilar ou velpeau quanto ao desvio do fragmento. As demais
medidas foram avaliadas em relação ao desvio dos fragmentos. Todas as medidas foram
categorizadas em 3 níveis, de acordo com critérios previamente estabelecidos. A [Tabela 1 ] descreve todas as variáveis radiográficas analisadas.
Tabela 1
Cominuição metafisária
Não
Sim
Lesão periosteal medial
Não
Sim
Fratura dos tubérculos
Sem fratura dos tubérculos
Tubérculo maior
Tubérculos maior + menor
Desvio do tubérculo maior
Até 2 mm inferior ao topo da cabeça do úmero
Até 2 mm superior ao topo de cabeça
Acima de 2 mm do topo de cabeça
Desvio do tubérculo menor
Até 2 mm
Entre 2 e 5 mm
> 5mm
Ângulo cabeça diáfise frente
125° a 150°
110° a 124° ou 151° a 165°
< 110° ou >166°
Ângulo cabeça diáfise perfil
Sem desvio
Moderado (0-20°)
Grave (> 45°)
Desvio diáfise frente
Até 5 mm
Entre 5 e 10 mm
> 10mm
Desvio diáfise perfil
Até 5 mm
Entre 5 e 10 mm
> 10mm
Análise estatística
Devido ao tamanho da amostra, optou-se por testes não paramétricos, independentemente
da normalidade dos dados. Apresentamos as variáveis contínuas em médias e desvio padrão
(DP) e medianas e intervalo interquartil. As categóricas foram apresentadas em valor
absoluto e percentual. O cálculo de amostra foi por conveniência, com casos incluídos
sequencialmente.
A comparação das escalas funcionais antes e após o tratamento foi realizada pelo teste
de Wilcoxon. Para as análises univariadas com as variáveis radiográficas, utilizamos
o teste Kruskal-Wallis e o teste de Friedman para a análise post-hoc.
Foi utilizado para análise dos dados o programa IBM SPSS Statistics for Windows, versão
20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, USA) e adotado o nível de significância de 5%.
Resultados
Foram incluídos 45 pacientes para o tratamento não operatório. Cinco pacientes não
realizaram a primeira avaliação aos 3 meses, com perda completa do seguimento. Foram
incluídos 40 pacientes com 12 meses de seguimento completos na avaliação final. Os
dados gerais da amostra podem ser vistos na [Tabela 2 ], sendo que a maioria da amostra consistiu em mulheres, com média de idade de 69 ± 6
anos. As [Figuras 1 ], [2 ] e [3 ] demonstram o resultado radiográfico e clínico de um paciente. O tempo médio até
o início da fisioterapia foi de 21 ± 12 dias, com uma média de 111 ± 51 dias de duração
da reabilitação e 18 ± 10 sessões. Os pacientes que iniciaram a fisioterapia com > 15
dias da fratura apresentaram média de 72 ± 25 pontos pela escala ASES comparados à
média de 79,9 ± 23,4 pontos para os pacientes que iniciaram com ≤ 15 dias.
Tabela 2
n
%
Gênero
Masculino
7
17.5
Feminino
33
82.5
Lado
Direito
13
32.5
Esquerdo
27
67.5
Lado dominante acometido
Sim
15
37.5
Não
25
62.5
Tabagismo
Não
31
77.5
Tabagista
7
17.5
Ex-tabagista
2
5.0
Diabetes
Não
30
75.0
Sim, não insulino dependente
8
20.0
Sim, insulino dependente
2
5.0
Fig. 1 Radiografias iniciais na incidência em frente verdadeiro (A), perfil (B) e axilar
(C). Tomografia computadorizada demonstrando a fratura com reconstrução tridimensional
(D), corte axial (E) e sagital (F).
Fig. 2 Resultado após 1 ano, demonstrando a consolidação da fratura e o desvio em varo na
incidência em frente verdadeiro (A), perfil (B) e axilar (C). Resultado clínico demonstrando
a elevação ativa (D), rotação lateral ativa (E) e rotação medial ativa (F).
Fig. 3 Radiografia (a) e ressonância magnética (b) demonstrando um caso de osteonecrose
da cabeça do úmero.
Os resultados pela escala ASES aos 12 meses foram de 77,7 ± 23,2 pontos para toda
a amostra, com melhora ao longo do tempo. Aos 12 meses, a média dos valores absolutos
da escala de Constant-Murley foi de 68,7 ± 16 pontos e de 82,6% para a escala em relação
ao lado contralateral. A escala de SANE aos 12 meses foi de 84,8 ± 19 pontos. Os resultados
clínicos podem ser vistos na [Tabela 3 ].
Tabela 3
n
Média
DP
Mediana
IIQ
ASES
3 meses
39
57,7
24,5
56,3
42,8
6 meses
39
71,6
24,3
80,7
36,0
12 meses
40
77,7
23,2
85,2
40,1
SANE
3 meses
39
66,2
22,6
70,0
40,0
6 meses
39
82,2
19,4
85,0
22,5
12 meses
40
84,8
19,0
90,0
20,0
Constant-Murley
3 meses
39
55,6
16,7
60,0
31,0
6 meses
40
64,8
15,9
68,5
28,5
12 meses
40
68,7
16,0
72,0
24,0
Constant relativo contralateral
6 meses
39
80,1%
18,7%
87,2%
37,8%
12 meses
39
82,6%
23,6%
89,5%
31,3%
A ultrassonografia foi realizada em 37 pacientes (92,5%). Roturas transfixantes do
manguito rotador foram observadas em 8 pacientes (21,6%). Os pacientes com roturas
do manguito apresentaram média de 76,9 ± 24,0 pontos pela escala ASES aos 12 meses,
sem diferença estatisticamente significativa para os pacientes sem lesões do manguito
(p = 0,188).
Complicações ocorreram em 8 pacientes (20%), que incluíram 4 casos de osteonecrose
(10%), 2 casos de pseudoartrose (5%) e 2 casos de rigidez persistente (5%). Nenhum
paciente desejou abordagem cirúrgica para o tratamento das complicações. A [Figura 3 ] demonstra um caso com osteonecrose e a [Figura 4 ] um caso de pseudoartrose. Os pacientes com complicações apresentaram média de 53,8 ± 23,0
pontos pela escala ASES.
Fig. 4 Radiografia inicial (A) e aos 12 meses (B) de uma paciente com pseudoartrose do colo
do úmero. Exame clínico (C) demonstrando elevação ativa máxima.
A análise das variáveis radiográficas demonstrou a influência negativa dos seguintes
parâmetros no resultado clínico pela escala de ASES aos 12 meses: gravidade pela classificação
de Neer e pelo desvio angular no plano coronal (mensurado pelo ângulo cabeça-diáfise)
e a presença de fratura dos tubérculos. As demais variáveis radiográficas não influenciaram
no resultado funcional pela escala ASES. Os resultados da análise de subgrupo para
as principais variáveis são demonstrados na [Tabela 4 ].
Tabela 4
ASES 12 meses
Média
DP
Mediana
IIQ
valor-p
Classificação de Neer
2 partes
88,4
15,4
94,2
19,9
3 partes
79,0
21,5
85,2
32,3
4 partes
61,0
28,3
47,5
56,0
0,031
Ângulo cabeça diáfise - coronal
125° a 150°
93,4
7,8
96,3
11,9
110° a 124° ou 151° a 165°
74,5
25,2
78,4
45,4
< 110° ou >166°
64,3
25,0
56,5
48,2
0,004
Desvio angular - coronal
Pouco desvio
84,7
20,4
93,8
26,1
Valgo grave (> 166°)
60,0
22,3
58,1
41,9
Varo grave (< 110°)
66,2
27,1
56,5
54,9
0,034
Fratura dos tubérculos
Sem fratura dos tubérculos
84,7
19,7
94,2
38,4
Tubérculo maior
82,8
20,3
88,1
27,5
Tubérculos maior + menor
61,5
26,9
50,4
54,6
0,031
Classificação de Resch
1
94,2
6,4
95,9
12,6
2
88,1
16,8
88,1
NA
3
64,4
27,1
61,5
53,0
4
76,2
23,7
84,9
44,8
0,052
Cominuição metafisária
Não
75,8
23,7
85,4
49,7
Sim
77,7
25,2
85,0
36,7
0,570
Lesão periosteal medial
Não
82,9
22,3
93,2
27,3
Sim
71,6
24,7
78,5
51,7
0,168
Discussão
Nossos resultados demonstram que o tratamento não operatório pode ser realizado mesmo
em fraturas com desvio significativo dos tubérculos ou da cabeça. Obtivemos resultados
da escala de Constant-Murley relativa ao lado contralateral de 82,6%, valores semelhantes
aos de outros estudos sobre tratamento não operatório,[8 ]
[11 ]
[12 ]
[13 ]
[14 ] assim como os obtidos no tratamento cirúrgico com artroplastia ou com a fixação
com placa bloqueada.[17 ]
[18 ]
[19 ]
[20 ] Nas escalas subjetivas, ASES e SANE, obtivemos valores semelhantes ao demonstrado
nas revisões sistemáticas.[2 ] Nossos resultados reforçam os achados do estudo Proximal Fracture of the Humerus
Evaluation by Randomization (PROFHER) e da revisão sistemática Cochrane, demonstrando
que o tratamento não operatório, mesmo em fraturas desviadas, pode trazer bons resultados
funcionais.[2 ]
[3 ]
Em revisão sistemática, Sabharwal et al.[21 ] demonstram resultados clínicos semelhantes para ambos os tratamentos. No entanto,
demonstram que para as fraturas mais complexas, como as em 4 partes, o tratamento
cirúrgico apresenta melhores resultados clínicos e menor taxa de complicações. Os
autores destacam a necessidade de futuros estudos com subtipos específicos de fraturas.
Poucos estudos avaliaram a influência da classificação e dos critérios de desvio definidos
por Neer no tratamento não operatório das FEPU.[8 ]
[14 ] Apesar de serem rotineiramente utilizados como critérios para a indicação do tratamento
cirúrgico, os valores de desvio angular de 45°, de desvio translacional de 1 cm e
de desvio do tubérculo de 0,5cm foram arbitrariamente definidos, conforme explicado
em publicação do próprio Neer em 2002.[22 ]
O objetivo secundário do nosso estudo foi avaliar não só os critérios de desvio descritos
por Neer, assim como diversos outros parâmetros radiográficos. A classificação recentemente
descrita por Resch et al.[23 ] apresenta melhor confiabilidade inter- e intra-observador quando comparada à classificação
de Neer, mas não foi previamente avaliada quanto ao seu potencial em determinar prognóstico.[6 ]
Na análise univariada, pudemos observar diferença estatisticamente significativa e
clinicamente relevante para algumas variáveis radiográficas, principalmente quanto
ao desvio angular, avaliado pelo ângulo cabeça-diáfise, e quanto pela presença de
fratura do tubérculo maior e menor, independente do seu desvio. Pacientes com fraturas
dos tubérculos maior e menor apresentaram uma média de 23 pontos a menos na escala
ASES, achado de relevância clínica importante. Pudemos observar piores resultados
para os pacientes classificados como fraturas desviadas em 4 partes de Neer, semelhante
aos achados de Yüksel et al.,[14 ] porém não observamos diferença estatisticamente significativa entre os classificados
como 2 e 3 partes.
A avaliação do ângulo cabeça-diáfise pode ser difícil de ser realizada em radiografias
em fraturas agudas e apresenta variável correlação interobservador.[16 ]
[24 ] Apesar disso, com uma padronização radiográfica adequada, e o eventual uso de tomografia
computadorizada (TC), o ângulo cabeça-diáfise é um parâmetro importante para o auxílio
da tomada de decisão, pois influencia diretamente os resultados clínicos. Pacientes
com angulações < 110° ou > 166° apresentaram 29 pontos a menos pela escala ASES quando
comparados aos pacientes com mínimo desvio angular (125° a 150°). Yüksel et al.[14 ] não puderam observar essa influência com a escala de Constant-Murley, com resultados
semelhantes entre as fraturas impactadas em valgo ou as em varo < 110°.
A comparação apenas das médias desse ângulo pode levar a interpretações incorretas
quando são incluídas as fraturas com desvio em varo e em valgo, pois aproxima valores
em extremos opostos. A análise categorizada, como a realizada em nosso estudo, ou
separada pelos desvios em valgo ou varo, deve ser realizada para evitar vieses em
sua avaliação. Em contraste aos achados de Court-Brown et al.,[12 ] em nossa amostra os pacientes com fraturas desviadas em valgo grave (> 166°) apresentaram
piores médias da escala ASES que os pacientes com varo grave (< 110°), porém sem diferença
estatisticamente significante. Com achados semelhantes aos nossos, Foruria et al.[8 ] demonstraram que as fraturas impactadas em valgo apresentaram risco 3 vezes maior
de piora de 10 pontos na escala Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH,
na sigla em inglês), quando comparadas às impactadas em varo.
Outros fatores não apresentaram diferença estatisticamente significante, sendo os
de maior destaque a presença ou não de cominuição metafisária, a lesão periosteal
medial e os desvios no plano sagital. Alguns estudos[25 ]
[26 ] observaram piores resultados quanto à estabilidade após fixação com placa para os
pacientes com cominuição metafisária posteromedial, porém nenhum estudo avaliou a
importância desse achado no tratamento não operatório.
Não pudemos detectar diferença estatisticamente significante nas escalas funcionais
para a classificação descrita por Resch et al.[23 ] Apesar disso, as médias dos subtipos em valgo (tipo 3) e varo (tipo 4) foram inferiores
aos tipos 1 e 2.
Variáveis relacionadas à reabilitação não apresentaram diferença em análises de subgrupo,
tanto quanto ao tempo até o início da reabilitação, quanto a sua total duração e número
de sessões.
Quanto aos achados das lesões do manguito rotador, não observamos relação entre a
presença de lesão e piores resultados clínicos. Apesar de não termos incluído pacientes
com diagnóstico prévio de lesão do manguito rotador, é possível que alguns dos casos
apresentassem lesões assintomáticas, explicando a alta taxa encontrada em nossa amostra.
Além disso, o exame de ultrassonografia em pacientes com sequelas de fraturas pode
apresentar acurácia inferior, decorrente de limitações de mobilidade ou deformidades.
A presença de roturas do manguito rotador não influenciou o resultado clínico pela
escala ASES em nossa amostra.
Nosso estudo apresenta algumas limitações. Nossa amostra é relativamente pequena para
análises multivariadas para os diversos fatores radiográficos, sendo optado pela análise
univariada, que pode aumentar o risco de fatores confundidores. No entanto, é uma
amostra homogênea e constituída por pacientes com características semelhantes.
Como pontos positivos, nosso estudo realizou avaliação clínica e radiográfica prospectiva,
em tempos padronizados, com um avaliador não participante do estudo e do acompanhamento
dos pacientes. Todas as fraturas incluídas apresentavam desvios significativos, que
poderiam ser consideradas de indicação para o tratamento cirúrgico, não sendo incluídas
as fraturas sem desvio ou com desvio mínimo nessa avaliação. Nossos resultados podem
auxiliar na tomada de decisão entre o tratamento não operatório e o cirúrgico para
alguns padrões específicos de fraturas da extremidade proximal do úmero.
Conclusão
O tratamento não operatório de fraturas desviadas da extremidade proximal do úmero
em pacientes idosos resulta em bons resultados clínicos. Os resultados clínicos são
influenciados negativamente pelo desvio angular da cabeça do úmero e pela presença
de fratura dos tubérculos maior e menor, assim como pela classificação de Neer.