CC BY-NC-ND 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2021; 56(05): 647-655
DOI: 10.1055/s-0041-1731657
Artigo de Atualização
Quadril

Tromboembolismo na artroplastia: Adesão à profilaxia[*]

Article in several languages: português | English
1   Setor de Farmácia, Unidade de Farmácia Clínica, Hospital Universitário, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil
,
1   Setor de Farmácia, Unidade de Farmácia Clínica, Hospital Universitário, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil
,
2   Disciplinas de Farmácia Hospitalar e Farmacologia Clínica, Departamento de Farmácia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil
,
3   Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
› Author Affiliations
 

Resumo

Objetivo Identificar o perfil de adesão à profilaxia medicamentosa de tromboembolismo em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de artroplastia de joelho ou de quadril em hospital público.

Métodos Estudo de coorte prospectivo, realizado no período de agosto de 2017 a setembro de 2018, com pacientes adultos que foram acompanhados desde a internação até o pós-operatório. Para medir a adesão, aplicou-se a Escala de Adesão Terapêutica de Morisky de oito itens. A quantificação do grau de adesão foi determinada segundo o resultado da soma de todas as respostas corretas: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a < 8 pontos), e baixa adesão (< 6 pontos). No presente estudo, foram divididos em altamente aderentes aqueles que tiveram alta adesão e parcialmente aderentes os pacientes que tiveram média ou baixa adesão.

Resultados A análise da adesão mostrou que 73,0% dos pacientes foram altamente aderentes, enquanto 27,0% foram parcialmente aderentes à tromboprofilaxia. O anticoagulante prescrito na alta hospitalar foi o rivaroxabana, inibidor direto do fator Xa. Obtiveram maior adesão os pacientes que não necessitaram de reforço na orientação sobre a profilaxia durante o acompanhamento e, por conseguinte, relataram boa e ótima aceitação à profilaxia, embora estivessem polimedicados durante a alta hospitalar.

Conclusão A análise dos dados obtidos permitiu concluir que os fatores que mais influenciaram na adesão foram os níveis de compreensão e aceitação dos pacientes quanto à profilaxia, a quantidade de medicamentos usada por dia pelo paciente, o custo do anticoagulante e o seu potencial em desenvolver reações adversas.


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Introdução

O tromboembolismo venoso (TEV) é o termo comumente empregado para designar a trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP). Esses fenômenos estão relacionados com a tríade de Virchow: estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade.[1]

A cirurgia ortopédica de artroplastia de quadril ou de joelho é considerada fator de risco muito alto para o desenvolvimento de TEV; como profilaxia, as Diretrizes Clínicas Baseadas em Evidência do American College of Chest Physicians (ACCP, na sigla em inglês) recomendam a utilização de métodos mecânicos associados aos farmacológicos.[2] [3] [4]

No entanto, para que a profilaxia de eventos tromboembólicos seja efetiva, torna-se essencial a adesão do paciente que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), corresponde ao grau em que o comportamento de uma pessoa se ajusta às recomendações acordadas com um profissional de saúde.[5] [6]

Os fatores que podem influenciar a adesão farmacológica estão agrupados em cinco categorias, a saber: relacionados ao paciente, ao sistema de saúde, à condição de saúde, à terapia e a fatores socioeconômicos. A influência variável e mesclada desses grupos exige abordagens diferenciadas a fim de garantir a adequação do paciente ao tratamento.[7] [8]

Desta forma, o presente estudo tem como objetivo identificar o perfil e os fatores relacionados à adesão da profilaxia medicamentosa de TEV por pacientes adultos após cirurgias eletivas de artroplastia de quadril ou joelho.


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Métodos

Critérios de inclusão

Pacientes com idade ≥ 18 anos que realizaram cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho e que tinham indicação para profilaxia farmacológica de TEV.


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Critérios de não inclusão

Pacientes nos quais foram observados desorientação ou dificuldade na compreensão dos objetivos do estudo, ou ainda, aqueles que não aceitaram participar da pesquisa.


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Critérios de exclusão

Pacientes que não compareceram às consultas de retorno no pós-operatório ou aqueles que necessitaram prolongar a internação e, consequentemente, fizeram a profilaxia estendida no hospital.


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Tipo de estudo e amostra

Realizou-se um estudo de coorte prospectivo no período de agosto de 2017 a setembro de 2018.

A amostra corresponde ao total de pacientes que fizeram cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho durante o período do estudo, totalizando 112 pacientes. No entanto, 15,2% (17) não participaram por atenderem aos critérios de não inclusão e 22,3% (25) foram excluídos. Portanto, foi acompanhado um total de 70 pacientes ([Figura 1]).

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Fig. 1 Fluxograma para determinação da amostra.

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Local

O estudo foi realizado em um hospital público federal de ensino. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do local onde foi realizada a pesquisa é de ∼ 1.014.837 habitantes (censo de 2010). É um município cuja renda per capita de 38,8% da população é de até ½ salário mínimo, enquanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,768.[9]


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Coleta dos dados

A abordagem ao paciente foi iniciada durante a internação e continuou no ambulatório de ortopedia até a conclusão da profilaxia. Foi feita a triagem diária de todos os internados para cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho através do relatório diário de cirurgias.

Ao primeiro contato, foram explicados os objetivos do estudo, o significado do TEV e seus riscos, além da importância da profilaxia no pós-operatório. Na alta hospitalar, os participantes receberam orientações sobre o uso dos medicamentos prescritos e seu primeiro retorno ao ambulatório, quando seria feita a entrevista. Esta, por sua vez, deu-se em um período de 15 dias após a alta, tempo médio 17.9 dias (desvio padrão [DP] = 5,8 dias).

Assim, foram coletados os seguintes dados:

  • a) Dados sócio-demográfico-econômicos: idade, gênero, cor da pele (autodeclarada), renda familiar, meio de deslocamento (transporte coletivo ou próprio), ocupação, estado civil, nível de escolaridade e composição familiar.

  • b) Dados clínicos: tipo de cirurgia (artroplastia de joelho ou quadril), complicações pós-operatórias, existência ou não de doenças crônicas e uso ou não de medicamentos de uso contínuo.

  • c) Dados sobre a adesão medicamentosa: foi utilizado um método indireto para medir a adesão, através da aplicação da Escala de Morisky de oito itens em uma versão em português da Morisky Medication Adherence Scale (MMAS – 8, na sigla em inglês), que foi traduzida e validada em um estudo brasileiro para avaliação da adesão ao uso de anti-hipertensivos.[10]

A Escala de Morisky é um questionário de autorrelato com oito perguntas de respostas fechadas de caráter dicotômico sim/não, das quais sete devem ser respondidas negativamente e apenas uma positivamente, com a última questão sendo respondida segundo uma escala de 5 opções.[11] A escala foi aplicada em dois momentos: no primeiro retorno ambulatorial após a alta hospitalar e poucos dias antes de finalizar o período previsto da profilaxia. No segundo momento, o questionário foi aplicado por telefone.

A quantificação do grau de adesão foi determinada segundo o resultado da soma de todas as respostas corretas: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a < 8 pontos) e baixa adesão (< 6 pontos).[11] No presente estudo, os pacientes foram divididos em altamente aderentes, aqueles que tiveram alta adesão, e parcialmente aderentes, os pacientes que tiveram média ou baixa adesão.

As diretrizes recomendam a administração da profilaxia farmacológica por um período mínimo de 10 a 14 dias para artroplastia total de joelho e artroplastia total de quadril, porém sugerem a continuação por até 35 dias após a cirurgia de quadril.[4] [12] [13]

Diferentemente da análise de adesão nas doenças crônicas, na qual o paciente é considerado aderente mesmo usando o medicamento 80% do tempo, os estudos de adesão à tromboprofilaxia em pós-cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho ratificam que o paciente é considerado não aderente quando deixa de usar o medicamento em pelo menos um dia durante o período da profilaxia.[5] [14]


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Relação das variáveis com a adesão

De acordo com os cinco grupos de fatores que podem influenciar a adesão,[6] a presente pesquisa relacionou variáveis inseridas nos seguintes conjuntos de fatores: socioeconômicos, condição de saúde e paciente.

Análise estatística

Os dados foram avaliados pelo programa NCSS 11 (v.2017, SGM Analysis, Kaysville, Utah, USA). As variáveis qualitativas foram apresentadas em tabelas com frequências absoluta e relativa, e as quantitativas em média e DP. A normalidade dos dados foi testada usando o teste de D'Agostinho-Pearson. Posteriormente, para se avaliar a associação das variáveis classificatórias com os dois níveis de adesão (altamente aderentes e parcialmente aderentes), fez-se o teste não paramétrico de qui-quadrado de independência (χ2). Para avaliar a correlação linear entre as variáveis numéricas, foi utilizada a Correlação não-paramétrica de Spearman. O nível de significância para se rejeitar a hipótese de nulidade foi de 5%, ou seja, considerou-se como estatisticamente significante um valor de p < 0,05.


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Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição sob o número de aprovação 2.206.256.


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Resultados

O perfil dos pacientes quanto às variáveis sócio-demográfico-econômicas mostrou um predomínio do sexo feminino, da faixa etária > 60 anos, com idade média de 60,5 anos (DP = 16 anos), de uma renda média de 2 a 3 salários mínimos, de até 4 anos de estudo e aposentados ([Tabela 1]).

Tabela 1

Variáveis

Total

Adesão

valor-p

n = 70

Parcialmente Aderentes

Altamente Aderentes

n

%

n

%

n

%

Faixa etária (anos)

 18 a 40

10

14,3

1

5,3

9

17,6

0,391

 41 a 60

18

25,7

6

31,6

12

23,5

 > 60

42

60,0

12

63,2

30

58,8

Gênero

 Masculino

23

32,9

3

15,8

20

39,2

0,063

 Feminino

47

67,1

16

84,2

31

60,8

Anos de estudo

 0 a 4

31

44,3

10

52,6

21

41,2

0,627

 5 a 8

19

27,1

5

26,3

14

27,5

 > 8

20

28,6

4

21,1

16

31,4

Cor da pele (autodeclarada)

 Branca

13

18,6

3

15,8

10

19,6

0,862

 Preta

8

11,4

3

15,8

5

9,8

 Parda

47

67,1

13

68,4

34

66,7

 Amarela

1

1,4

0

0,0

1

2,0

 Não soube informar

1

1,4

0

0,0

1

2,0

Renda (salário mínimo)

 até 1

30

42,9

8

42,1

22

43,1

0,981

 2 a 3

32

45,7

9

47,4

23

45,1

 > 3

8

11,4

2

10,5

6

11,8

Meio de transporte

 Próprio

26

37,1

7

36,8

19

37,3

0,820

 Coletivo

38

54,3

11

57,9

27

52,9

 Outros

6

8,6

1

5,3

5

9,8

Ocupação

 Aposentada

45

64,3

12

63,2

33

64,7

0,759

 Exerce Ativ. Remunerada

17

24,3

4

21,1

13

25,5

 Exerce Ativ. Não Remunerada

8

11,4

3

15,8

5

9,8

Situação conjugal

 Vive com companheiro

29

41,4

8

42,1

21

41,2

0,944

 Vive sem companheiro

41

58,6

11

57,9

30

58,8

Procedência

 São Luís

40

57,1

8

42,1

32

62,7

0,272

 Interior

28

40,0

10

52,6

18

35,3

 Outro Estado

2

2,9

1

5,3

1

2,0

Composição familiar

 1 a 3 pessoas

35

50,0

6

31,6

29

56,9

0,095

 4 a 5 pessoas

25

35,7

8

42,1

17

33,3

 > 5 pessoas

10

14,3

5

26,3

5

9,8

Houve predomínio de artroplastia de quadril (85,7%) e de pacientes que declararam serem portadores de algum tipo de comorbidade (65,7%). Entre as doenças crônicas relatadas, a hipertensão foi a mais citada (52,9%), seguida de diabetes e artrite (ambas as condições com 11,4%). Consequentemente, 70% dos pacientes faziam uso de ≥ 5 comprimidos por dia durante a alta ([Tabela 2]).

Tabela 2

Variáveis

Total

Adesão

valor-p

n = 70

Parcialmente Aderentes

Altamente Aderentes

n

%

n

%

n

%

Tipo de cirurgia

 Artroplastia de quadril

60

85,7

17

89,5

43

84,3

0,583

 Artroplastia de joelho

10

14,3

2

10,5

8

15,7

Complicações pós-operatórias

 Não

62

88,6

14

82,4

46

90,2

0,385

 Sim

8

11,4

3

17,6

5

9,8

Comorbidades (autodeclaradas)

 Não

24

34,3

9

47,4

15

29,4

0,159

 Sim

46

65,7

10

52,6

36

70,6

Quantidade de medicamentos usados por dia durante a alta

 1 a 4

20

28,6

9

50,0

11

21,6

0,022[*]

  ≥  5

49

70,0

9

50,0

40

78,4

O anticoagulante prescrito para todos os pacientes na alta hospitalar foi o inibidor do fator Xa, rivaroxabana, o qual fora adquirido através das redes particulares de farmácia. Durante a internação, os pacientes receberam heparina não fracionada (84,3%), rivaroxabana (10%) e heparina de baixo peso molecular (HBPM) (5,7%).

De acordo com a Escala de Morisky aplicada, 73% (51) dos pacientes foram altamente aderentes à profilaxia (totalizando 8 pontos). Os pacientes classificados como parcialmente aderentes atingiram um nível de 27% (19) ([Tabela 3]).

Tabela 3

Morisky

n

%

Você às vezes esquece de tomar seu medicamento?

  Não

66

94,0

  Sim

4

6,0

Durante as últimas duas semanas, houve algum dia em que você não tomou seu medicamento?

  Não

54

77,0

  Sim

16

23,0

Você já parou de tomar seu medicamento ou diminuiu a dose sem avisar seu médico porque se sentiu pior quando tomava?

  Não

65

93,0

  Sim

5

7,0

Quando você viaja ou sai de casa, às vezes se esquece de levar seu medicamento?

  Não

67

96,0

  Sim

3

4,0

Você tomou seu medicamento ontem?

  Não

6

9,0

  Sim

64

91,0

Quando se sente bem, você às vezes para de tomar seu medicamento?

  Não

68

97,0

  Sim

2

3,0

Você já se sentiu incomodado por seguir corretamente seu tratamento?

  Não

68

97,0

  Sim

2

3,0

Com que frequência você tem dificuldades para se lembrar de tomar seus medicamentos?

  Nunca

59

84,0

  Quase nunca

6

9,0

  Às vezes

5

7,0

  Frequentemente

0

0

  Sempre

0

0

Total de pontos

  8 (alta adesão)

51

73,0

  6 a < 8 (média adesão)

10

14,0

  < 6 (baixa adesão)

9

13,0

TOTAL

70

100,0

O tempo médio de internação dos pacientes foi de 5,6 dias (DP = 3,7). Quanto ao tempo da profilaxia estendida, o estudo demonstrou que o grupo parcialmente aderente teve um tempo médio de 27 dias (variação de 8 a 35 dias), enquanto no altamente aderente a média foi de 33 dias (variação de 15 a 38 dias). Essa diferença no tempo entre os 2 grupos foi estatisticamente significativa (p < 0,05).

Quando questionados sobre as razões da não adesão, os motivos mais relatados foram o abandono ou a interrupção do tratamento por suspeita de reação adversa ao anticoagulante e por falta de recursos financeiros para aquisição do mesmo ([Tabela 4]).

Tabela 4

Motivos para a não adesão

n

%

Abandono ou interrupção do tratamento por suspeita de reação adversa ao anticoagulante

6

8,6

Abandono ou interrupção do tratamento por falta de condições financeiras

6

8,6

Interrupção do tratamento por problemas relacionados a esquecimento

4

5,7

Intercorrência clínica com reinternação

1

1,4

Problemas de comunicação

1

1,4

Abandono do tratamento por decisão própria

1

1,4

TOTAL

19

27,1

Apenas uma complicação relacionada ao TEV e uma à plaquetopenia induzida por heparina foram registradas no pós-operatório. No entanto, não foram documentadas as complicações dos pacientes que foram excluídos do estudo.

A maioria dos pacientes não relatou reações adversas relacionadas ao uso do rivaroxabana (70%) após a alta hospitalar. As mais relatadas foram constipação e dores abdominais ([Figura 2]).

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Fig. 2 Principais reações adversas relatadas.

A maioria dos pacientes acompanhados sabia da finalidade do uso do anticoagulante (82,9%), conhecia a forma de usá-lo (92,9%) e relatou boa e ótima aceitação quanto à profilaxia. Como resultado, houve pouca necessidade de reforçar orientações (74,3%) quanto à profilaxia e a posologia do anticoagulante ([Tabela 5]).

Tabela 5

Variáveis

Total

Adesão

valor-p

n = 70

Parcialmente aderentes

Altamente aderentes

n

%

n

%

n

%

Conhecimento da finalidade do tratamento

  Sim

58

82,9

15

78,9

43

84,3

0,596

  Não

12

17,1

4

21,1

8

15,7

Conhecimento da forma de uso do anticoagulante

  Desconhece total

3

4,3

1

5,3

2

3,9

0,059

  Conhece pouco

2

2,9

2

10,5

0

0

  Conhece bem

65

92,9

16

84,2

49

96,1

Relato da aceitação ao tratamento

  Ótima

27

38,6

4

21,1

23

45,1

0,010[*]

  Boa

38

54,3

11

57,9

27

52,9

  Ruim

5

7,1

4

21,1

1

2

Necessidade de orientação

  Sim

18

25,7

11

57,9

7

13,7

0,000[*]

  Não

52

74,3

8

42,1

44

86,3

Fatores sócio-demográfico-econômicos versus adesão

Na [Tabela 1], os dados mostram que não há relação entre as variáveis sociais e econômicas com a adesão.


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Fatores relacionados à condição de saúde versus adesão

A [Tabela 2] relaciona as variáveis clínicas com o nível de adesão, na qual se observa que a quantidade de medicamentos usada por dia no momento da alta hospitalar teve relação com a adesão.


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Fatores relacionados ao paciente versus adesão

A [Tabela 5] mostra que o grau de aceitação à profilaxia e a necessidade de orientação dos pacientes tiveram relação com a adesão. Logo, pacientes que relataram ótima e boa aceitação ao tratamento e aqueles que não precisaram de orientação no decorrer do acompanhamento tiveram maior percentual como altamente aderentes à profilaxia.


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Discussão

O presente estudo demonstrou que na tromboprofilaxia ambulatorial, após cirurgias de artroplastia de quadril ou de joelho, não houve alta adesão em todos os pacientes, com 27% de adesão parcial (média ou baixa adesão). Este resultado coincide com aqueles observados em uma metanálise que demonstrou uma faixa percentual de não adesão à tromboprofilaxia entre 13 e 37%.[14]

A duração da profilaxia estendida não foi adequada e houve interrupções durante o período de uso do anticoagulante no grupo parcialmente aderente. Estes resultados assemelham-se aos mostrados em um estudo no qual os dados analisados mostraram que houve uma variação de entre 10 a 21 dias no período de tromboprofilaxia.[14]

A taxa de eventos tromboembólico e hemorrágico observada é semelhante à demonstrada na literatura, a qual mostra que um regime anticoagulante preventivo de 35 a 40 dias reduz o risco de trombose de 3,3 para 1,3%. O risco de acidente hemorrágico maior é de 0,7 a 0,9%.[15]

Os agentes antitrombóticos incluem agentes antiplaquetários e anticoagulantes. Estes são encontrados em grande variedade no mercado farmacêutico, com atuação em uma ou mais etapas na cascata de coagulação, através de mecanismos de ação que incluem a inibição enzimática direta, a inibição indireta pela ligação à antitrombina e o antagonismo dos fatores dependentes da vitamina K.[16]

Os inibidores diretos do fator Xa representam os anticoagulantes mais recentes introduzidos no mercado e estão sendo cada vez mais usados pelos clínicos, pois além de terem um perfil farmacocinético mais favorável, estudos sugerem que a segurança e a eficácia para a prevenção de TEV são similares à terapia padrão com HBPM.[11] [17] Como representante deste grupo, tem-se a rivaroxabana.

Na alta hospitalar, todos os pacientes receberam prescrição de rivaroxabana 10 mg, um anticoagulante que apresenta esquema posológico simples (um comprimido por dia), porém apresenta também um custo elevado para o perfil socioeconômico dos pacientes estudados, uma vez que não era dispensado na alta hospitalar.

Portanto, uma questão relevante a ser levantada para a adesão medicamentosa é o custo do produto, motivo pelo qual alguns pacientes interromperam a profilaxia (8,6%) na presente pesquisa. Segundo autores, este fato seria um dos fatores preditores da má adesão.[18]

Em países como o Brasil, a acessibilidade aos medicamentos é um fator crucial ao se analisar a adesão medicamentosa, principalmente em estados cujo IDH é baixo, como na região onde foi realizado o presente estudo.[9] O acesso do paciente ao medicamento seria a primeira condição necessária para aderir ou não ao tratamento.[19]

Considerando os grupos de fatores com potencial de influenciar a adesão, segundo Sabaté,[6] os resultados apresentados no presente estudo mostraram que os dados sócio-demográfico-econômicos não tiveram relação com os níveis de adesão, como já demonstrado por outros autores.[7] [18]

No entanto, acredita-se que fatores sociais e econômicos em países como o Brasil possam exercer influência sobre a adesão, uma vez que podem impor ao paciente uma condição de escolha entre prioridades.[20]

Observou-se também que, na amostra estudada, houve o predomínio de pacientes idosos, com comorbidades e polimedicados. Esta última condição é definida como o uso simultâneo de ≥ 5 princípios ativos[21] e teve relação com a adesão (p < 0,05).

Este resultado difere do de outro estudo cujos autores mostraram a polimedicação como fator que reduz ou não exerce nenhuma influência sobre a adesão.[7] No entanto, evidências sugerem que pacientes com maior número de medicamentos de forma contínua são mais propensos a seguir as medidas necessárias para manter ou corrigir sua saúde.[22]

A análise dos resultados do estudo também mostrou que pacientes que não necessitaram de reforço na orientação sobre a profilaxia ao longo do acompanhamento tiveram maior percentual de alta adesão, mostrando que a compreensão das informações influenciou a adesão, diferentemente do grau de escolaridade dos pacientes.

Dados semelhantes foram encontrados em uma revisão sistemática que demonstrou que o maior grau de conhecimento da doença e percepção do seu risco sugeriram maior relação à adesão. A mesma revisão também mostrou que o nível de educação do paciente desempenha um papel relevante na adesão; porém, a compreensão das instruções e a importância do tratamento, provavelmente, são mais importantes do que o nível de escolaridade do paciente.[7]

Outra variável que teve relação com a adesão (p < 0,05) foi o grau de aceitação da profilaxia. Este resultado assemelha-se também a outro que mostra que quando o paciente sente satisfação e acredita no tratamento, há maior relação com a adesão.[7]

Houve prevalência de pacientes que não relataram suspeita de reações adversas com o uso do anticoagulante; no entanto, entre aqueles que relataram, 8,6% (6) interromperam ou abandonaram o tratamento. Este dado reforça a teoria de que os eventos adversos são considerados fatores influenciadores da adesão medicamentosa.[6]

Uma limitação do presente estudo foi a utilização do método indireto de autorrelato para medir a adesão medicamentosa, o qual não garante haver correspondência fidedigna entre o comportamento real e o verbalizado, podendo levar a imprecisões na interpretação de altamente aderentes/parcialmente aderentes. O presente estudo também utilizou apenas um indicador para medir a adesão, que foi a Escala de Morisky. Acredita-se que novos estudos precisam ser realizados com o uso de métodos que utilizem mais de um indicador para medir a adesão, multicêntricos, que permitam detalhar melhor os fatores preditivos da não adesão já levantados pelas pesquisas atuais.


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Conclusão

A análise dos dados obtidos permitiu concluir que não houve alta adesão em todos os pacientes à tromboprofilaxia estendida após cirurgias de artroplastia de quadril ou de joelho. Os fatores que mais influenciaram na adesão foram os níveis de compreensão e aceitação dos pacientes quanto à profilaxia, a quantidade de medicamentos usada por dia pelo paciente, o custo do anticoagulante e o seu potencial em desenvolver reações adversas.


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Agradecimento

Agradecemos o apoio da equipe do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, e à Gerência de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), MA, Brasil.

Suporte Financeiro

Não houve suporte financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.


* Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil


  • Referências

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Endereço para correspondência

Leandra Marla A. T. Viana
Mestre em Ciências da Saúde, Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão
R. Barão de Itapari, 227 - Centro, São Luís - MA, 65020-070
Brasil   

Publication History

Received: 10 March 2020

Accepted: 11 February 2021

Article published online:
20 September 2021

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Fig. 1 Fluxograma para determinação da amostra.
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Fig. 1 Flow chart for sample determination.
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Fig. 2 Principais reações adversas relatadas.
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Fig. 2 Main reported adverse reactions to the anticoagulant agent.