Palavras-chave
aderência ao tratamento - anticoagulantes - artroplastia - profilaxia - tromboembolismo
Introdução
O tromboembolismo venoso (TEV) é o termo comumente empregado para designar a trombose
venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP). Esses fenômenos estão relacionados
com a tríade de Virchow: estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade.[1]
A cirurgia ortopédica de artroplastia de quadril ou de joelho é considerada fator
de risco muito alto para o desenvolvimento de TEV; como profilaxia, as Diretrizes
Clínicas Baseadas em Evidência do American College of Chest Physicians (ACCP, na sigla
em inglês) recomendam a utilização de métodos mecânicos associados aos farmacológicos.[2]
[3]
[4]
No entanto, para que a profilaxia de eventos tromboembólicos seja efetiva, torna-se
essencial a adesão do paciente que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
corresponde ao grau em que o comportamento de uma pessoa se ajusta às recomendações
acordadas com um profissional de saúde.[5]
[6]
Os fatores que podem influenciar a adesão farmacológica estão agrupados em cinco categorias,
a saber: relacionados ao paciente, ao sistema de saúde, à condição de saúde, à terapia
e a fatores socioeconômicos. A influência variável e mesclada desses grupos exige
abordagens diferenciadas a fim de garantir a adequação do paciente ao tratamento.[7]
[8]
Desta forma, o presente estudo tem como objetivo identificar o perfil e os fatores
relacionados à adesão da profilaxia medicamentosa de TEV por pacientes adultos após
cirurgias eletivas de artroplastia de quadril ou joelho.
Métodos
Critérios de inclusão
Pacientes com idade ≥ 18 anos que realizaram cirurgia de artroplastia de quadril ou
de joelho e que tinham indicação para profilaxia farmacológica de TEV.
Critérios de não inclusão
Pacientes nos quais foram observados desorientação ou dificuldade na compreensão dos
objetivos do estudo, ou ainda, aqueles que não aceitaram participar da pesquisa.
Critérios de exclusão
Pacientes que não compareceram às consultas de retorno no pós-operatório ou aqueles
que necessitaram prolongar a internação e, consequentemente, fizeram a profilaxia
estendida no hospital.
Tipo de estudo e amostra
Realizou-se um estudo de coorte prospectivo no período de agosto de 2017 a setembro
de 2018.
A amostra corresponde ao total de pacientes que fizeram cirurgia de artroplastia de
quadril ou de joelho durante o período do estudo, totalizando 112 pacientes. No entanto,
15,2% (17) não participaram por atenderem aos critérios de não inclusão e 22,3% (25)
foram excluídos. Portanto, foi acompanhado um total de 70 pacientes ([Figura 1]).
Fig. 1 Fluxograma para determinação da amostra.
Local
O estudo foi realizado em um hospital público federal de ensino. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população do local onde foi realizada
a pesquisa é de ∼ 1.014.837 habitantes (censo de 2010). É um município cuja renda
per capita de 38,8% da população é de até ½ salário mínimo, enquanto o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é de 0,768.[9]
Coleta dos dados
A abordagem ao paciente foi iniciada durante a internação e continuou no ambulatório
de ortopedia até a conclusão da profilaxia. Foi feita a triagem diária de todos os
internados para cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho através do relatório
diário de cirurgias.
Ao primeiro contato, foram explicados os objetivos do estudo, o significado do TEV
e seus riscos, além da importância da profilaxia no pós-operatório. Na alta hospitalar,
os participantes receberam orientações sobre o uso dos medicamentos prescritos e seu
primeiro retorno ao ambulatório, quando seria feita a entrevista. Esta, por sua vez,
deu-se em um período de 15 dias após a alta, tempo médio 17.9 dias (desvio padrão
[DP] = 5,8 dias).
Assim, foram coletados os seguintes dados:
-
a) Dados sócio-demográfico-econômicos: idade, gênero, cor da pele (autodeclarada),
renda familiar, meio de deslocamento (transporte coletivo ou próprio), ocupação, estado
civil, nível de escolaridade e composição familiar.
-
b) Dados clínicos: tipo de cirurgia (artroplastia de joelho ou quadril), complicações
pós-operatórias, existência ou não de doenças crônicas e uso ou não de medicamentos
de uso contínuo.
-
c) Dados sobre a adesão medicamentosa: foi utilizado um método indireto para medir
a adesão, através da aplicação da Escala de Morisky de oito itens em uma versão em
português da Morisky Medication Adherence Scale (MMAS – 8, na sigla em inglês), que
foi traduzida e validada em um estudo brasileiro para avaliação da adesão ao uso de
anti-hipertensivos.[10]
A Escala de Morisky é um questionário de autorrelato com oito perguntas de respostas
fechadas de caráter dicotômico sim/não, das quais sete devem ser respondidas negativamente
e apenas uma positivamente, com a última questão sendo respondida segundo uma escala
de 5 opções.[11] A escala foi aplicada em dois momentos: no primeiro retorno ambulatorial após a
alta hospitalar e poucos dias antes de finalizar o período previsto da profilaxia.
No segundo momento, o questionário foi aplicado por telefone.
A quantificação do grau de adesão foi determinada segundo o resultado da soma de todas
as respostas corretas: alta adesão (8 pontos), média adesão (6 a < 8 pontos) e baixa
adesão (< 6 pontos).[11] No presente estudo, os pacientes foram divididos em altamente aderentes, aqueles
que tiveram alta adesão, e parcialmente aderentes, os pacientes que tiveram média
ou baixa adesão.
As diretrizes recomendam a administração da profilaxia farmacológica por um período
mínimo de 10 a 14 dias para artroplastia total de joelho e artroplastia total de quadril,
porém sugerem a continuação por até 35 dias após a cirurgia de quadril.[4]
[12]
[13]
Diferentemente da análise de adesão nas doenças crônicas, na qual o paciente é considerado
aderente mesmo usando o medicamento 80% do tempo, os estudos de adesão à tromboprofilaxia
em pós-cirurgia de artroplastia de quadril ou de joelho ratificam que o paciente é
considerado não aderente quando deixa de usar o medicamento em pelo menos um dia durante
o período da profilaxia.[5]
[14]
Relação das variáveis com a adesão
Relação das variáveis com a adesão
De acordo com os cinco grupos de fatores que podem influenciar a adesão,[6] a presente pesquisa relacionou variáveis inseridas nos seguintes conjuntos de fatores:
socioeconômicos, condição de saúde e paciente.
Análise estatística
Os dados foram avaliados pelo programa NCSS 11 (v.2017, SGM Analysis, Kaysville, Utah, USA). As variáveis qualitativas foram apresentadas em tabelas com frequências
absoluta e relativa, e as quantitativas em média e DP. A normalidade dos dados foi
testada usando o teste de D'Agostinho-Pearson. Posteriormente, para se avaliar a associação
das variáveis classificatórias com os dois níveis de adesão (altamente aderentes e
parcialmente aderentes), fez-se o teste não paramétrico de qui-quadrado de independência
(χ2). Para avaliar a correlação linear entre as variáveis numéricas, foi utilizada a
Correlação não-paramétrica de Spearman. O nível de significância para se rejeitar
a hipótese de nulidade foi de 5%, ou seja, considerou-se como estatisticamente significante
um valor de p < 0,05.
Aspectos éticos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição sob
o número de aprovação 2.206.256.
Resultados
O perfil dos pacientes quanto às variáveis sócio-demográfico-econômicas mostrou um
predomínio do sexo feminino, da faixa etária > 60 anos, com idade média de 60,5 anos
(DP = 16 anos), de uma renda média de 2 a 3 salários mínimos, de até 4 anos de estudo
e aposentados ([Tabela 1]).
Tabela 1
|
Variáveis
|
Total
|
Adesão
|
valor-p
|
|
n = 70
|
Parcialmente Aderentes
|
Altamente Aderentes
|
|
n
|
%
|
n
|
%
|
n
|
%
|
|
|
Faixa etária (anos)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
18 a 40
|
10
|
14,3
|
1
|
5,3
|
9
|
17,6
|
0,391
|
|
41 a 60
|
18
|
25,7
|
6
|
31,6
|
12
|
23,5
|
|
> 60
|
42
|
60,0
|
12
|
63,2
|
30
|
58,8
|
|
Gênero
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Masculino
|
23
|
32,9
|
3
|
15,8
|
20
|
39,2
|
0,063
|
|
Feminino
|
47
|
67,1
|
16
|
84,2
|
31
|
60,8
|
|
Anos de estudo
|
|
|
|
|
|
|
|
|
0 a 4
|
31
|
44,3
|
10
|
52,6
|
21
|
41,2
|
0,627
|
|
5 a 8
|
19
|
27,1
|
5
|
26,3
|
14
|
27,5
|
|
> 8
|
20
|
28,6
|
4
|
21,1
|
16
|
31,4
|
|
Cor da pele (autodeclarada)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Branca
|
13
|
18,6
|
3
|
15,8
|
10
|
19,6
|
0,862
|
|
Preta
|
8
|
11,4
|
3
|
15,8
|
5
|
9,8
|
|
Parda
|
47
|
67,1
|
13
|
68,4
|
34
|
66,7
|
|
Amarela
|
1
|
1,4
|
0
|
0,0
|
1
|
2,0
|
|
Não soube informar
|
1
|
1,4
|
0
|
0,0
|
1
|
2,0
|
|
|
Renda (salário mínimo)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
até 1
|
30
|
42,9
|
8
|
42,1
|
22
|
43,1
|
0,981
|
|
2 a 3
|
32
|
45,7
|
9
|
47,4
|
23
|
45,1
|
|
> 3
|
8
|
11,4
|
2
|
10,5
|
6
|
11,8
|
|
Meio de transporte
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Próprio
|
26
|
37,1
|
7
|
36,8
|
19
|
37,3
|
0,820
|
|
Coletivo
|
38
|
54,3
|
11
|
57,9
|
27
|
52,9
|
|
Outros
|
6
|
8,6
|
1
|
5,3
|
5
|
9,8
|
|
Ocupação
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Aposentada
|
45
|
64,3
|
12
|
63,2
|
33
|
64,7
|
0,759
|
|
Exerce Ativ. Remunerada
|
17
|
24,3
|
4
|
21,1
|
13
|
25,5
|
|
Exerce Ativ. Não Remunerada
|
8
|
11,4
|
3
|
15,8
|
5
|
9,8
|
|
Situação conjugal
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Vive com companheiro
|
29
|
41,4
|
8
|
42,1
|
21
|
41,2
|
0,944
|
|
Vive sem companheiro
|
41
|
58,6
|
11
|
57,9
|
30
|
58,8
|
|
Procedência
|
|
|
|
|
|
|
|
|
São Luís
|
40
|
57,1
|
8
|
42,1
|
32
|
62,7
|
0,272
|
|
Interior
|
28
|
40,0
|
10
|
52,6
|
18
|
35,3
|
|
Outro Estado
|
2
|
2,9
|
1
|
5,3
|
1
|
2,0
|
|
Composição familiar
|
|
|
|
|
|
|
|
|
1 a 3 pessoas
|
35
|
50,0
|
6
|
31,6
|
29
|
56,9
|
0,095
|
|
4 a 5 pessoas
|
25
|
35,7
|
8
|
42,1
|
17
|
33,3
|
|
> 5 pessoas
|
10
|
14,3
|
5
|
26,3
|
5
|
9,8
|
Houve predomínio de artroplastia de quadril (85,7%) e de pacientes que declararam
serem portadores de algum tipo de comorbidade (65,7%). Entre as doenças crônicas relatadas,
a hipertensão foi a mais citada (52,9%), seguida de diabetes e artrite (ambas as condições
com 11,4%). Consequentemente, 70% dos pacientes faziam uso de ≥ 5 comprimidos por
dia durante a alta ([Tabela 2]).
Tabela 2
|
Variáveis
|
Total
|
Adesão
|
valor-p
|
|
n = 70
|
Parcialmente Aderentes
|
Altamente Aderentes
|
|
n
|
%
|
n
|
%
|
n
|
%
|
|
|
Tipo de cirurgia
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Artroplastia de quadril
|
60
|
85,7
|
17
|
89,5
|
43
|
84,3
|
0,583
|
|
Artroplastia de joelho
|
10
|
14,3
|
2
|
10,5
|
8
|
15,7
|
|
Complicações pós-operatórias
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Não
|
62
|
88,6
|
14
|
82,4
|
46
|
90,2
|
0,385
|
|
Sim
|
8
|
11,4
|
3
|
17,6
|
5
|
9,8
|
|
Comorbidades (autodeclaradas)
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Não
|
24
|
34,3
|
9
|
47,4
|
15
|
29,4
|
0,159
|
|
Sim
|
46
|
65,7
|
10
|
52,6
|
36
|
70,6
|
|
Quantidade de medicamentos usados por dia durante a alta
|
|
|
|
|
|
|
|
|
1 a 4
|
20
|
28,6
|
9
|
50,0
|
11
|
21,6
|
0,022[*]
|
|
≥ 5
|
49
|
70,0
|
9
|
50,0
|
40
|
78,4
|
O anticoagulante prescrito para todos os pacientes na alta hospitalar foi o inibidor
do fator Xa, rivaroxabana, o qual fora adquirido através das redes particulares de
farmácia. Durante a internação, os pacientes receberam heparina não fracionada (84,3%),
rivaroxabana (10%) e heparina de baixo peso molecular (HBPM) (5,7%).
De acordo com a Escala de Morisky aplicada, 73% (51) dos pacientes foram altamente
aderentes à profilaxia (totalizando 8 pontos). Os pacientes classificados como parcialmente
aderentes atingiram um nível de 27% (19) ([Tabela 3]).
Tabela 3
|
Morisky
|
n
|
%
|
|
Você às vezes esquece de tomar seu medicamento?
|
|
|
|
Não
|
66
|
94,0
|
|
Sim
|
4
|
6,0
|
|
Durante as últimas duas semanas, houve algum dia em que você não tomou seu medicamento?
|
|
Não
|
54
|
77,0
|
|
Sim
|
16
|
23,0
|
|
Você já parou de tomar seu medicamento ou diminuiu a dose sem avisar seu médico porque
se sentiu pior quando tomava?
|
|
Não
|
65
|
93,0
|
|
Sim
|
5
|
7,0
|
|
Quando você viaja ou sai de casa, às vezes se esquece de levar seu medicamento?
|
|
Não
|
67
|
96,0
|
|
Sim
|
3
|
4,0
|
|
Você tomou seu medicamento ontem?
|
|
|
|
Não
|
6
|
9,0
|
|
Sim
|
64
|
91,0
|
|
Quando se sente bem, você às vezes para de tomar seu medicamento?
|
|
Não
|
68
|
97,0
|
|
Sim
|
2
|
3,0
|
|
Você já se sentiu incomodado por seguir corretamente seu tratamento?
|
|
Não
|
68
|
97,0
|
|
Sim
|
2
|
3,0
|
|
Com que frequência você tem dificuldades para se lembrar de tomar seus medicamentos?
|
|
Nunca
|
59
|
84,0
|
|
Quase nunca
|
6
|
9,0
|
|
Às vezes
|
5
|
7,0
|
|
Frequentemente
|
0
|
0
|
|
Sempre
|
0
|
0
|
|
Total de pontos
|
|
|
|
8 (alta adesão)
|
51
|
73,0
|
|
6 a < 8 (média adesão)
|
10
|
14,0
|
|
< 6 (baixa adesão)
|
9
|
13,0
|
|
TOTAL
|
70
|
100,0
|
O tempo médio de internação dos pacientes foi de 5,6 dias (DP = 3,7). Quanto ao tempo
da profilaxia estendida, o estudo demonstrou que o grupo parcialmente aderente teve
um tempo médio de 27 dias (variação de 8 a 35 dias), enquanto no altamente aderente
a média foi de 33 dias (variação de 15 a 38 dias). Essa diferença no tempo entre os
2 grupos foi estatisticamente significativa (p < 0,05).
Quando questionados sobre as razões da não adesão, os motivos mais relatados foram
o abandono ou a interrupção do tratamento por suspeita de reação adversa ao anticoagulante
e por falta de recursos financeiros para aquisição do mesmo ([Tabela 4]).
Tabela 4
|
Motivos para a não adesão
|
n
|
%
|
|
Abandono ou interrupção do tratamento por suspeita de reação adversa ao anticoagulante
|
6
|
8,6
|
|
Abandono ou interrupção do tratamento por falta de condições financeiras
|
6
|
8,6
|
|
Interrupção do tratamento por problemas relacionados a esquecimento
|
4
|
5,7
|
|
Intercorrência clínica com reinternação
|
1
|
1,4
|
|
Problemas de comunicação
|
1
|
1,4
|
|
Abandono do tratamento por decisão própria
|
1
|
1,4
|
|
TOTAL
|
19
|
27,1
|
Apenas uma complicação relacionada ao TEV e uma à plaquetopenia induzida por heparina
foram registradas no pós-operatório. No entanto, não foram documentadas as complicações
dos pacientes que foram excluídos do estudo.
A maioria dos pacientes não relatou reações adversas relacionadas ao uso do rivaroxabana
(70%) após a alta hospitalar. As mais relatadas foram constipação e dores abdominais
([Figura 2]).
Fig. 2 Principais reações adversas relatadas.
A maioria dos pacientes acompanhados sabia da finalidade do uso do anticoagulante
(82,9%), conhecia a forma de usá-lo (92,9%) e relatou boa e ótima aceitação quanto
à profilaxia. Como resultado, houve pouca necessidade de reforçar orientações (74,3%)
quanto à profilaxia e a posologia do anticoagulante ([Tabela 5]).
Tabela 5
|
Variáveis
|
Total
|
Adesão
|
valor-p
|
|
n = 70
|
Parcialmente aderentes
|
Altamente aderentes
|
|
n
|
%
|
n
|
%
|
n
|
%
|
|
|
Conhecimento da finalidade do tratamento
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Sim
|
58
|
82,9
|
15
|
78,9
|
43
|
84,3
|
0,596
|
|
Não
|
12
|
17,1
|
4
|
21,1
|
8
|
15,7
|
|
|
Conhecimento da forma de uso do anticoagulante
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Desconhece total
|
3
|
4,3
|
1
|
5,3
|
2
|
3,9
|
0,059
|
|
Conhece pouco
|
2
|
2,9
|
2
|
10,5
|
0
|
0
|
|
Conhece bem
|
65
|
92,9
|
16
|
84,2
|
49
|
96,1
|
|
Relato da aceitação ao tratamento
|
|
|
|
|
|
|
|
Ótima
|
27
|
38,6
|
4
|
21,1
|
23
|
45,1
|
0,010[*]
|
|
Boa
|
38
|
54,3
|
11
|
57,9
|
27
|
52,9
|
|
Ruim
|
5
|
7,1
|
4
|
21,1
|
1
|
2
|
|
Necessidade de orientação
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Sim
|
18
|
25,7
|
11
|
57,9
|
7
|
13,7
|
0,000[*]
|
|
Não
|
52
|
74,3
|
8
|
42,1
|
44
|
86,3
|
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Fatores sócio-demográfico-econômicos versus adesão
Na [Tabela 1], os dados mostram que não há relação entre as variáveis sociais e econômicas com
a adesão.
Fatores relacionados à condição de saúde versus adesão
A [Tabela 2] relaciona as variáveis clínicas com o nível de adesão, na qual se observa que a
quantidade de medicamentos usada por dia no momento da alta hospitalar teve relação
com a adesão.
Fatores relacionados ao paciente versus adesão
A [Tabela 5] mostra que o grau de aceitação à profilaxia e a necessidade de orientação dos pacientes
tiveram relação com a adesão. Logo, pacientes que relataram ótima e boa aceitação
ao tratamento e aqueles que não precisaram de orientação no decorrer do acompanhamento
tiveram maior percentual como altamente aderentes à profilaxia.
Discussão
O presente estudo demonstrou que na tromboprofilaxia ambulatorial, após cirurgias
de artroplastia de quadril ou de joelho, não houve alta adesão em todos os pacientes,
com 27% de adesão parcial (média ou baixa adesão). Este resultado coincide com aqueles
observados em uma metanálise que demonstrou uma faixa percentual de não adesão à tromboprofilaxia
entre 13 e 37%.[14]
A duração da profilaxia estendida não foi adequada e houve interrupções durante o
período de uso do anticoagulante no grupo parcialmente aderente. Estes resultados
assemelham-se aos mostrados em um estudo no qual os dados analisados mostraram que
houve uma variação de entre 10 a 21 dias no período de tromboprofilaxia.[14]
A taxa de eventos tromboembólico e hemorrágico observada é semelhante à demonstrada
na literatura, a qual mostra que um regime anticoagulante preventivo de 35 a 40 dias
reduz o risco de trombose de 3,3 para 1,3%. O risco de acidente hemorrágico maior
é de 0,7 a 0,9%.[15]
Os agentes antitrombóticos incluem agentes antiplaquetários e anticoagulantes. Estes
são encontrados em grande variedade no mercado farmacêutico, com atuação em uma ou
mais etapas na cascata de coagulação, através de mecanismos de ação que incluem a
inibição enzimática direta, a inibição indireta pela ligação à antitrombina e o antagonismo
dos fatores dependentes da vitamina K.[16]
Os inibidores diretos do fator Xa representam os anticoagulantes mais recentes introduzidos
no mercado e estão sendo cada vez mais usados pelos clínicos, pois além de terem um
perfil farmacocinético mais favorável, estudos sugerem que a segurança e a eficácia
para a prevenção de TEV são similares à terapia padrão com HBPM.[11]
[17] Como representante deste grupo, tem-se a rivaroxabana.
Na alta hospitalar, todos os pacientes receberam prescrição de rivaroxabana 10 mg,
um anticoagulante que apresenta esquema posológico simples (um comprimido por dia),
porém apresenta também um custo elevado para o perfil socioeconômico dos pacientes
estudados, uma vez que não era dispensado na alta hospitalar.
Portanto, uma questão relevante a ser levantada para a adesão medicamentosa é o custo
do produto, motivo pelo qual alguns pacientes interromperam a profilaxia (8,6%) na
presente pesquisa. Segundo autores, este fato seria um dos fatores preditores da má
adesão.[18]
Em países como o Brasil, a acessibilidade aos medicamentos é um fator crucial ao se
analisar a adesão medicamentosa, principalmente em estados cujo IDH é baixo, como
na região onde foi realizado o presente estudo.[9] O acesso do paciente ao medicamento seria a primeira condição necessária para aderir
ou não ao tratamento.[19]
Considerando os grupos de fatores com potencial de influenciar a adesão, segundo Sabaté,[6] os resultados apresentados no presente estudo mostraram que os dados sócio-demográfico-econômicos
não tiveram relação com os níveis de adesão, como já demonstrado por outros autores.[7]
[18]
No entanto, acredita-se que fatores sociais e econômicos em países como o Brasil possam
exercer influência sobre a adesão, uma vez que podem impor ao paciente uma condição
de escolha entre prioridades.[20]
Observou-se também que, na amostra estudada, houve o predomínio de pacientes idosos,
com comorbidades e polimedicados. Esta última condição é definida como o uso simultâneo
de ≥ 5 princípios ativos[21] e teve relação com a adesão (p < 0,05).
Este resultado difere do de outro estudo cujos autores mostraram a polimedicação como
fator que reduz ou não exerce nenhuma influência sobre a adesão.[7] No entanto, evidências sugerem que pacientes com maior número de medicamentos de
forma contínua são mais propensos a seguir as medidas necessárias para manter ou corrigir
sua saúde.[22]
A análise dos resultados do estudo também mostrou que pacientes que não necessitaram
de reforço na orientação sobre a profilaxia ao longo do acompanhamento tiveram maior
percentual de alta adesão, mostrando que a compreensão das informações influenciou
a adesão, diferentemente do grau de escolaridade dos pacientes.
Dados semelhantes foram encontrados em uma revisão sistemática que demonstrou que
o maior grau de conhecimento da doença e percepção do seu risco sugeriram maior relação
à adesão. A mesma revisão também mostrou que o nível de educação do paciente desempenha
um papel relevante na adesão; porém, a compreensão das instruções e a importância
do tratamento, provavelmente, são mais importantes do que o nível de escolaridade
do paciente.[7]
Outra variável que teve relação com a adesão (p < 0,05) foi o grau de aceitação da profilaxia. Este resultado assemelha-se também
a outro que mostra que quando o paciente sente satisfação e acredita no tratamento,
há maior relação com a adesão.[7]
Houve prevalência de pacientes que não relataram suspeita de reações adversas com
o uso do anticoagulante; no entanto, entre aqueles que relataram, 8,6% (6) interromperam
ou abandonaram o tratamento. Este dado reforça a teoria de que os eventos adversos
são considerados fatores influenciadores da adesão medicamentosa.[6]
Uma limitação do presente estudo foi a utilização do método indireto de autorrelato
para medir a adesão medicamentosa, o qual não garante haver correspondência fidedigna
entre o comportamento real e o verbalizado, podendo levar a imprecisões na interpretação
de altamente aderentes/parcialmente aderentes. O presente estudo também utilizou apenas
um indicador para medir a adesão, que foi a Escala de Morisky. Acredita-se que novos
estudos precisam ser realizados com o uso de métodos que utilizem mais de um indicador
para medir a adesão, multicêntricos, que permitam detalhar melhor os fatores preditivos
da não adesão já levantados pelas pesquisas atuais.
Conclusão
A análise dos dados obtidos permitiu concluir que não houve alta adesão em todos os
pacientes à tromboprofilaxia estendida após cirurgias de artroplastia de quadril ou
de joelho. Os fatores que mais influenciaram na adesão foram os níveis de compreensão
e aceitação dos pacientes quanto à profilaxia, a quantidade de medicamentos usada
por dia pelo paciente, o custo do anticoagulante e o seu potencial em desenvolver
reações adversas.