Palavras-chave
manguito rotador - artroscopia - força muscular - avaliação funcional - ombro
Introdução
As lesões do manguito rotador (MR) são comuns na prática ortopédica, correspondendo
a ∼ entre 30 e 70% dos quadros de dor no ombro.[1]
[2] O arsenal terapêutico é amplo, englobando tratamentos conservadores e cirúrgicos.[3] O método cirúrgico pode ser realizado por meio da técnica aberta com mínima incisão
(“mini open”) ou da técnica artroscópica, e, em alguns casos de lesões irreparáveis associadas
a artropatia do MR, existe a possibilidade de artroplastia reversa do ombro.[3]
[4] No Brasil, segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
SUS (DataSUS) e considerando-se tanto o reparo aberto quanto o artroscópico, foram
realizadas 50.207 cirurgias de reparo do MR no período de 2003 a 2015.[5] No ano de 2015, a taxa de reparos do MR foi de 2,81 procedimentos para cada 100.000
habitantes.[5] Os dados citados, entretanto, englobam apenas os procedimentos realizados pelo SUS,
o que leva a inferir que os números referentes ao reparo do MR em todo o Brasil são
ainda maiores, uma vez que os dados referentes à saúde suplementar não são publicamente
agregados e divulgados.
Uma vez estabelecido o tratamento por via artroscópica, outro ponto a ser decidido
é quanto à técnica de sutura do tendão no úmero, a qual pode ser realizada em fileira
simples (FS), fileira dupla (FD), ou equivalente transóssea. No Brasil, a técnica
mais difundida é a de FS, utilizada por 50,4% dos ortopedistas, enquanto 26,1% utilizam
a configuração em FD.[6] Ao comparar as duas técnicas, a literatura apresenta divergências e os estudos não
são conclusivos.[7]
[8]
[9]
[10] DeHaann et al.[7] e Chen et al.[8] não evidenciaram diferenças funcionais entre as técnicas. Ying et al.[9] demonstraram melhor força muscular no grupo submetido à FD. Sobhy et al.[10] determinaram que, a curto e médio prazo, o grupo da FD apresentou escore UCLA significativamente
melhor e que, a longo prazo, há uma correlação direta entre a integridade do MR e
os resultados funcionais, com superioridade da FD. No cenário nacional, o trabalho
publicado por Senna et al.[11], não evidenciou diferença funcional estatisticamente significativa entre os dois
métodos.
Diante de tais evidências, observa-se que as técnicas de fixação em FS e FD no reparo
artroscópico do MR ainda apresentam resultados controversos, principalmente no Brasil,
posto que há apenas um estudo nacional sobre o tópico.[11] Tendo em vista que a utilização de mais âncoras torna o procedimento mais oneroso,[12] faz-se necessário demonstrar se há real benefício clínico ao lançar mão dessa técnica.
Para isso, deve-se ampliar a base de estudos para comprovar a superioridade de uma
das técnicas ou a equivalência de ambas.
Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar os pacientes submetidos ao
reparo artroscópico do MR, comparando-se os resultados de força muscular, funcionais
e dor obtidos após as técnicas de FS e de FD. Diante do exposto e baseado na lógica
que levou ao desenvolvimento da técnica de FD (maior área de inserção do MR – footprint –, gerando menor chance de rerruptura),[10]
[13] hipotetizamos que os pacientes submetidos à técnica de FD apresentarão superioridade
nos desfechos analisados.
Metodologia
Design do Estudo e Participantes
Trata-se de um estudo de coorte retrospectiva. Durante o período de 2011 a 2018, 465
pacientes foram submetidos ao reparo artroscópico do MR. Foram incluídos pacientes > 18
anos submetidos ao reparo artroscópico do MR e com seguimento pós-operatório mínimo
de 12 meses. Foram excluídos aqueles que, durante o ato cirúrgico, foram submetidos
a outros procedimentos, como reparo do lábio glenoidal, acromioplastia, tenotomia
e tenodese do bíceps, assim como aqueles que se recusaram a participar da pesquisa
e cujo contato não foi possível, o que caracterizou perda de seguimento. Após a aplicação
dos critérios (inclusão e exclusão), 128 pacientes aceitaram participar da pesquisa
e comparecer ao hospital para serem reavaliados, totalizando 135 ombros.
Desfechos de Análise
Considerou-se como desfecho primário os escores funcionais pós-operatórios, UCLA e
Constant, e como desfechos secundários as variáveis de força, amplitude de movimento
(ADM) e dor pós-operatórios.
Métodos e Instrumentos
A coleta de dados durante o seguimento pós-operatório foi realizada em duas etapas:
primeira – consulta aos prontuários para coleta de características demográficas, cirúrgicas
e das lesões do MR; e segunda – avaliação clínica com coleta de variáveis funcionais,
força muscular e dor.
Os dados demográficos e de caracterização da lesão de MR foram obtidos por meio de
análise dos prontuários eletrônicos. As variáveis coletadas foram: idade, gênero,
dominância e lateralidade, tempo de seguimento, tabagismo, diabetes mellitus, tipo
de ruptura (total ou parcial), classificação da lesão (pequena, média, grande ou extensas
para as lesões completas, e bursal, articular ou intratendinosa para as lesões parciais),
mecanismo da lesão (traumático ou degenerativo), tendões abordados, tipo de fixação
(FS ou FD) e número de âncoras utilizadas no tratamento cirúrgico. As lesões completas
foram classificadas, conforme a medida de seu maior diâmetro, em pequenas (< 1 cm),
médias (de 1 a 3 cm), grandes (de 3 a 5 cm) e extensas (≥ 5 cm).[14]
[15] As lesões extensas, no entanto, podem ser definidas tanto pelo critério mencionado,
≥ 5 cm, quanto pela ruptura completa de ≥ 2 tendões.[15] O tamanho e a classificação das lesões foram obtidos a partir das ressonâncias magnéticas
(RMs) pré-operatórias e/ou descrições cirúrgicas. Quando houve divergência entre o
laudo da RM e a descrição cirúrgica, considerou-se a descrição intraoperatória.
O segundo momento de avaliação foi realizado presencialmente, quando foram aferidas
a força (kg) e a amplitude (°) dos movimentos de elevação, rotação lateral e rotação
medial do ombro. A força foi aferida por dinamômetro digital e mensurada em Kg, enquanto
a amplitude foi aferida por goniometria e mensurada em graus. Além disso, durante
esta avaliação, foram aplicados os escores de capacidade funcional reportada University
of California at Los Angeles Shoulder Rating Scale (UCLA, na sigla em inglês)[16] e Constant-Murley Score (Constant),[17] juntamente à coleta dos dados referentes à dor, utilizando-se a escala visual-analógica.[18] As escalas mencionadas acima (UCLA e Constant) foram traduzidas para o português
e adaptadas culturalmente para a população brasileira[19]
[20] e são frequentemente utilizadas para avaliação da função de membros superiores em
pacientes com lesões de MR.[10]
[11]
[21]
[22]
[23]
Após a tabulação dos dados, os indivíduos foram divididos em dois grupos, com base
na técnica de fixação cirúrgica utilizada: FS e FD.
Procedimento Cirúrgico
As cirurgias foram realizadas por cirurgiões especialistas e com ampla experiência
no tema. A fixação em FS foi realizada através da técnica na qual o tendão é atado,
por meio de pontos simples, às âncoras dispostas em uma única fileira.[24] A técnica de fixação em FD realizada foi a descrita por Lo et al.[13] e consiste em uma fileira medial de âncoras atadas com pontos em “U” e outra fileira
lateral de âncoras atadas com pontos simples. Os procedimentos foram realizados na
posição de “cadeira de praia”.
Sabe-se que, em nosso meio, o custo do material cirúrgico é um fator limitante. A
intenção do cirurgião ao solicitar o procedimento ao convênio era sempre realizar
a fixação em FD; porém, nem sempre a quantidade de âncoras autorizada era o suficiente
para tal. Quando a fixação em FD não era possível, optou-se pela técnica de fileira
simples. Portanto, uma vez que todas as lesões selecionadas eram passíveis de tratamento
por FD, o fator que direcionou para uma técnica ou outra foi a disponibilidade de
materiais.
Todos os pacientes com lesões parciais foram submetidos ao tratamento conservador
por, no mínimo, 3 meses. Quando não havia boa resposta a esta terapêutica, indicava-se
o tratamento cirúrgico.
Aqueles que apresentaram critérios de irreparabilidade foram submetidos a outras técnicas
operatórias que não a artroscópica e, portanto, não foram incluídos no presente estudo.
Reabilitação Pós-operatória
A reabilitação pós-operatória foi realizada através de manutenção em tipoia tipo Velpeau
simples por 6 semanas, sendo estimulada a movimentação ativa do cotovelo, do punho
e da mão desde o pós-operatório imediato. Após a 6ª semana, foi iniciado o ganho do
movimento ativo. Por fim, após a 12ª semana, foi iniciado o fortalecimento muscular.
Aprovações Éticas
Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. O presente
estudo foi submetido à avaliação e à aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com Seres
Humanos, com número do parecer 2.444.726, CAAE: 80401317.3.0000.0023.
Estatística
Procedeu-se à análise descritiva, expressa pelas medidas de tendência central e de
dispersão adequadas para os dados numéricos e pela frequência e percentual para os
dados categóricos. Para as variáveis numéricas, foi realizado inicialmente o teste
de normalidade de Shapiro-Wilk. Para as variáveis que não apresentaram distribuição
normal, a análise estatística foi realizada por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney,
e para aquelas que apresentaram distribuição normal, utilizou-se o teste t de Student.
Para as variáveis categóricas, utilizou-se os testes de qui-quadrado ou exato de Fisher,
a depender do número de categorias da variável aleatória.
Posteriormente, a amostra foi estratificada nos seguintes subgrupos: 1–lesões pequenas
e médias; e 2–lesões grandes e extensas. A partir disso, foram realizadas novas comparações
dos resultados funcionais e de força muscular das técnicas de FS e FD dentro destas
estratificações.
Também foi realizada análise de regressão linear múltipla para avaliar se as características
dos pacientes ou das lesões apresentaram influência nos resultados clínico-funcionais.
As variáveis correlacionadas foram: tempo de seguimento, idade, dominância, tamanho
da lesão, etiologia da lesão, diabetes e tabagismo.
O critério de determinação de significância adotado foi ao nível de 5%. A análise
estatística foi processada pelo software IBM SPSS Statistics for Windows, versão 20.0
(IBM Corp., Armonk, NY EUA).
Resultados
Características Demográficas e Cirúrgicas Entre os Grupos
No período de 2011 a 2018, 465 pacientes foram submetidos ao reparo artroscópico do
MR. Destes, 147 foram excluídos por terem sido submetidos a outros procedimentos durante
a cirurgia, 8 foram a óbito e 182 se recusaram a participar ou o contato não foi possível.
A amostra foi composta por 135 ombros (128 pacientes). Destes, 94 (69,6%) correspondem
aos casos operados pela técnica de FS e 41 (30,4%) à de FD. O tempo médio de seguimento
foi de 46,5 meses, sendo que não houve diferença estatisticamente significativa entre
os grupos FS e FD. Quando comparadas as características demográficas e o perfil cirúrgico
entre os grupos, observou-se diferença estatisticamente significativa para a idade
(FS: 59 ± 9 versus FD: 55 ± 8), superior no grupo FS (p = 0,010) e para o número de âncoras utilizadas (FS:3 ± 1 versus FD: 4 ± 1), superior no grupo FD (p = 0,012). As demais variáveis foram estatisticamente similares e estão expostas na
[Tabela 1].
Tabela 1
|
Variável
|
Total
|
Fileira simples
|
Fileira dupla
|
valor-p
|
|
135 (100%)
|
94 (69,6%)
|
41 (30,4%)
|
|
Idade (anos)
|
58 ± 9
|
59 ± 9
|
55 ± 8
|
0,010*
|
|
Gênero Feminino
|
77 (57%)
|
53 (56,4%)
|
24 (58,5%)
|
0,816
|
|
Gênero Masculino
|
58 (43%)
|
41 (43,6%)
|
17 (41,5%)
|
|
Tempo de seguimento (meses)
|
46,5 ± 23,55
|
44,19 ± 23,95
|
50,32 ± 22,29
|
0,111
|
|
Membro Dominante
|
91 (67,4%)
|
62 (66%)
|
29 (70,7%)
|
0,586
|
|
Diabéticos
|
24 (17,8%)
|
20 (21,3%)
|
4 (9,8%)
|
0,107
|
|
Tabagistas
|
9 (6,7%)
|
7 (7,4%)
|
2 (4,9%)
|
0,582
|
|
Lesão degenerativa
|
89 (65,9%
|
59 (67,8%)
|
30 (73,2%)
|
0,241
|
|
Lesão traumática
|
46 (34,1%)
|
35 (37,2%)
|
11 (26,8%)
|
|
Número de tendões abordados:1
|
46 (34,1%)
|
32 (34%)
|
14 (34,1%)
|
0,141
|
|
Número de tendões abordados: 2
|
71 (52,1%)
|
46 (48,9%)
|
25 (61%)
|
|
Número de tendões abordados: 3
|
18 (13,3%)
|
16 (17%)
|
2 (4,9%)
|
|
Número de âncoras
|
3,56 ± 1,17
|
3 ± 1
|
4 ± 1
|
0,012*
|
Características das Lesões de Manguito Rotador Entre os Grupos
Quanto ao tipo de lesão, ambos os grupos apresentaram predominância dos casos de rupturas
totais (FS: 83% versus FD: 82,9%). Dentre as rupturas parciais, as bursais foram maioria e não houve nenhum
caso intrassubstancial. Em relação ao tamanho das lesões totais, o grupo FS apresentou
maior percentual das lesões extensas (34,6%), enquanto o grupo FD, das lesões médias
(32,4%). No entanto, estas diferenças entre os grupos quanto ao percentual de cada
lesão não apresentaram significância estatística (p = 0,136). A descrição completa dos dados está exposta na [Tabela 2].
Tabela 2
|
Fileira simples
|
Fileira dupla
|
valor-p
|
|
Parcial
16 (17%)
|
Bursal
|
13 (81,2%)
|
Parcial
7 (17,1%)
|
Bursal
|
7 (100%)
|
0,136
|
|
Articular
|
3 (18,8%)
|
Articular
|
0
|
|
Total
78 (83%)
|
Pequena
|
13 (16,7%)
|
Total
34 (82,9%)
|
Pequena
|
9 (26,5%)
|
|
Média
|
22 (28,2%)
|
Média
|
11 (32,4%)
|
|
Grande
|
16 (20,5%)
|
Grande
|
10 (29,4%)
|
|
Maciça
|
27 (34,6%)
|
Maciça
|
4 (11,8%)
|
Comparação de Variáveis de Força Muscular, Funcionais e Dor entre os Grupos
Foi observada uma diferença estatisticamente significativa na força de elevação anterior
do ombro entre os grupos (p = 0,017). O grupo FD demonstrou maiores níveis de força quando comparado com o grupo
FS na elevação anterior (FS: 4,72 ± 2,73 kg versus FD: 5,90 ± 2,73 kg). As demais variáveis de força muscular e função (ADM e questionários
de capacidade funcional reportada) foram similares (p > 0,05) ([Tabela 3]).
Tabela 3
|
Variável
|
|
Fileira simples
|
Fileira dupla
|
valor-p
|
|
Elevação
|
ADM (°)
|
157 ± 29
|
161 ± 27
|
0,302
|
|
Força (kg)
|
4,72 ± 2,73
|
5,90 ± 2,73
|
0,017*
|
|
Rotação Lateral
|
ADM (°)
|
58 ± 22
|
60 ± 23
|
0,595
|
|
Força(kg)
|
5 ± 2,66
|
5,05 ± 2,09
|
0,535
|
|
Rotação Medial
|
ADM (°)
|
60 ± 23
|
64 ± 18
|
0,506
|
|
Força (kg)
|
6,28 ± 3,12
|
6,97 ± 2,96
|
0,165
|
|
UCLA
|
|
33 ± 3
|
33 ± 3
|
0,365
|
|
Constant
|
|
82 ± 11
|
86 ± 9
|
0,084
|
|
Dor ao seguimento
|
Sem dor
|
48 (51,1%)
|
23 (56,1%)
|
0,759
|
|
Leve (1-3)
|
27 (28,7%)
|
9 (22%)
|
|
Moderada (4-6)
|
15 (16%)
|
6 (14,6%)
|
|
Intensa (7-10)
|
4 (4,3%)
|
3 (7,3%)
|
Quanto à dor no período de seguimento, não houve diferença estatisticamente significativa
entre os grupos ([Tabela 3]). Porém, foi possível observar que, em ambos os grupos, > 50% dos pacientes não
apresentaram quadro álgico durante a avaliação clínica no seguimento pós-operatório.
A análise de regressão linear múltipla não mostrou relação entre os resultados clínico-funcionais
e as variáveis de tempo de seguimento, dominância, tamanho da lesão, etiologia da
lesão, diabetes e tabagismo. No entanto, a idade dos pacientes correlacionou-se aos
resultados de força de elevação, rotação lateral e rotação medial.
Comparação de Variáveis Funcionais e de Força Muscular Estratificadas Pelo Tamanho
das Lesões Totais
Realizando-se a análise de forma estratificada, comparou-se os resultados funcionais
e de força muscular entre os grupos (FS e FD), estratificados em lesões pequenas/médias
e lesões grandes/extensas.
Na análise por lesões pequenas e médias, não foram encontradas diferenças entre os
grupos ([Tabela 4]). Porém, na análise das lesões grandes e extensas, os pacientes submetidos à FD
apresentaram superioridade tanto na força muscular de elevação (FS: 3,98 ± 2,24 kg
versus FD: 6,39 ± 2,73 kg) quanto no escore Constant (FS: 81 ± 10 versus FD: 88 ± 7) ([Tabela 5]).
Tabela 4
|
Lesões pequenas e médias do manguito rotador
|
|
Variável
|
|
Fileira simples
|
Fileira dupla
|
valor-p
|
|
Elevação
|
ADM (°)
|
160 ± 28
|
159 ± 27
|
0,993
|
|
Força (kg)
|
5,41 ± 2,89
|
5,80 ± 2,94
|
0,642
|
|
Rotação Lateral
|
ADM (°)
|
58 ± 20
|
57 ± 23
|
0,833
|
|
Força (kg)
|
5,39 ± 2,83
|
4,95 ± 2,42
|
0,772
|
|
Rotação Medial
|
ADM (°)
|
62 ± 21
|
64 ± 20
|
0,712
|
|
Força (kg)
|
6,70 ± 3,06
|
7,45 ± 3,19
|
0,393
|
|
UCLA
|
|
34 ± 2
|
33 ± 3
|
0,899
|
|
Constant
|
|
86 ± 8
|
86 ± 11
|
0,927
|
Tabela 5
|
Lesões grandes e extensas do manguito rotador
|
|
Variável
|
|
Fileira simples
|
Fileira dupla
|
valor-p
|
|
Elevação
|
ADM (°)
|
160 ± 27
|
164 ± 26
|
0,473
|
|
Força (kg)
|
3,98 ± 2,24
|
6,39 ± 2,73
|
0,003*
|
|
Rotação Lateral
|
ADM (°)
|
62 ± 22
|
63 ± 25
|
0,845
|
|
Força (kg)
|
4,82 ± 2,33
|
5,54 ± 1,66
|
0,290
|
|
Rotação Medial
|
ADM (°)
|
60 ± 25
|
67 ± 16
|
0,497
|
|
Força (kg)
|
6,23 ± 2,96
|
6,50 ± 2,86
|
0,546
|
|
UCLA
|
|
33 ± 3
|
34 ± 2
|
0,148
|
|
Constant
|
|
81 ± 10
|
88 ± 7
|
0,019*
|
Discussão
Analisando-se as características da amostra, a única variável que apresentou diferença
estatisticamente significativa entre os grupos foi a idade, a qual era maior no grupo
de FS. Em ambos, o valor médio foi compatível com a literatura.[6]
[22] Esta diferença de idade é importante porque o perfil das rupturas do MR varia bastante
de acordo com a faixa etária[25], sendo que as lesões em idosos são geralmente degenerativas.[25] Este tipo de lesão, em geral, apresenta maior grau de infiltração gordurosa, variável
que se correlaciona com piores desfechos, uma vez que indica má qualidade do tendão
e aumenta o risco de rerrupturas.[26]
Quanto ao gênero, ambos os grupos foram compostos por maioria feminina. Este dado
vai ao encontro do apresentado pela literatura, que indica que, de forma geral, os
pacientes submetidos ao reparo artroscópico do MR são em sua maioria mulheres.[2]
[11]
[23] Em ambos os grupos, o ombro dominante foi o mais operado, maioria também encontrada
em outros estudos nacionais.[2]
[23]
Estudos biomecânicos enfatizam o potencial aumento da área de contato no footprint e maximização das forças de reparo em FD, o que pode diminuir a taxa de falha anatômica.[27]
[28] No entanto, em análise de desfechos clínicos, as controvérsias ainda persistem.[7]
[8]
[9]
[10] Neste sentido, comparamos os resultados de força muscular, função e dor de pacientes
após o reparo artroscópico do MR com FS e FD. Nossos resultados confirmam, em parte,
a hipótese inicial. Evidenciamos maior força muscular de elevação anterior em pacientes
submetidos a reparo em FD. Porém, as demais variáveis de força muscular, função e
dor foram similares entre as técnicas.
Sobhy et al.[10] concluíram que, a curto (mínimo de 12 meses de seguimento) e médio prazo (mínimo
de 24 meses), pacientes tratados com a técnica de FD apresentaram escore UCLA significativamente
maior. Além disso, os autores identificaram que, no longo prazo, há uma correlação
direta entre a integridade do MR e os resultados funcionais, com superioridade da
técnica de FD. Com isso, ao se analisar os resultados funcionais, verifica-se indiretamente
a integridade do tendão submetido ao procedimento, reduzindo, em parte, o impacto
da não realização de exames de imagem no presente estudo. De forma semelhante, Ying
et al.[9] identificaram valores superiores de força muscular nos pacientes submetidos à técnica
de FD. No presente estudo, identificamos maior força muscular no movimento de elevação
do ombro nos pacientes que foram submetidos à técnica de FD. No entanto, os resultados
de função e dor foram semelhantes entre os grupos. A maior área de inserção do tendão
no úmero, proporcionado pela técnica de FD, leva a uma maior chance de o tendão reparado
manter-se íntegro ao seguimento. Esta integridade está diretamente relacionada ao
ganho de força do respectivo músculo.[10]
[22]
[29]
[30]
Ademais, com o objetivo de identificar maiores benefícios para grupos específicos
de pacientes, a estratificação por lesões grandes e extensas permitiu a visualização
da maior efetividade da técnica de FD nas variáveis de força muscular (elevação anterior
do ombro) e do escore Constant. Contudo, não visualizamos diferença estatística nos
desfechos analisados ao compararmos as técnicas em lesões pequenas e médias. Quanto
às diferenças entre os dois escores utilizados, apesar de o UCLA incluir a força de
elevação,[16] o escore Constant apresenta mais variáveis em sua composição, principalmente uma
variedade maior de movimentos e de atividades diárias,[17] o que pode ter levado aos diferentes resultados entre essas escalas.
Semelhantemente, dois ensaios clínicos randomizados evidenciaram melhores resultados
com a técnica de FD em pacientes com lesões > 3 cm.[21]
[31] Carbonel et al.[21] encontraram melhores resultados nos escores UCLA e American Shoulder and Elbow Surgeons
(ASES), enquanto Ma et al.[31] observaram força significativamente maior nos grupos submetidos à FD. Como exposto
anteriormente, a técnica de fixação em FD leva a uma maior integridade do tendão no
pós-operatório.[10]
[29]
[30] Ao se analisar os fatores que levam a novas rupturas, é bem relatado que o tamanho
inicial da lesão é fator significativo de influência sobre a cicatrização do tendão,
sendo que o risco relativo de rerruptura aumenta em 2,29 vezes para cada 1 cm a mais
no tamanho da lesão.[32]
[33] Esta constatação pode explicar o fato de as lesões maiores se beneficiarem mais
da técnica de FD. Uma vez que, naturalmente, tais lesões tendem a apresentar maiores
chances de novas lesões,[32]
[33] uma técnica que ofereça maior integridade pós-operatória pode trazer melhores resultados[10]
[29]
[30] Porém, em lesões menores, tal benefício não é tão evidente, uma vez que a fixação
simples seria suficiente para garantir bons resultados pós-operatórios.
Diante do exposto, conclui-se que a técnica de FD apresenta superioridade apenas na
força de elevação do ombro. No entanto, ao se realizar uma análise estratificada pelo
tamanho das lesões, a técnica de fixação em FD apresentou melhores resultados para
pacientes com lesões > 3 cm (grandes e extensas). Portanto, parece ser fundamental
analisar o tamanho da lesão do paciente ao optar-se por uma técnica de fixação em
detrimento da outra.
Quanto aos pontos negativos da FD, além do aumento do custo e do tempo de cirurgia,
esta técnica possui complicações específicas, como o local na qual a falha do reparo
ocorre.[34] Enquanto na técnica de FS a falha ocorre no sítio de reparo, na FD ela ocorre na
junção musculotendínea, sendo, portanto, uma complicação mais grave, cujo tratamento
é desafiador.[34]
Dentre os pontos fortes do presente estudo, destaca-se a análise pós-operatória realizada
com diversas variáveis de funcionalidade do ombro, assim como a estratificação dos
casos conforme o tamanho da lesão, o que possibilitou identificar um subgrupo de pacientes
que apresentaram maior benefício com o uso da técnica de FD.
Dentre as limitações, existe a heterogeneidade quanto à variável idade, o que pode
influenciar na análise dos resultados, uma vez que os pacientes submetidos à FS apresentaram
média de idade maior. Além disso, cabe destacar a ausência de análise quanto ao custo
das técnicas, uma vez que a fixação em FD apresenta maior uso de âncoras. Este é um
parâmetro que precisa ser correlacionado com a melhora funcional para se estabelecer
o real custo-benefício deste procedimento em estudos futuros.
Ademais, existem limitações quanto ao delineamento do estudo, retrospectivo e observacional,
o qual, portanto, não permite concluir quanto à superioridade ou não de uma técnica
ou de outra, mas sim levantar hipóteses que devem ser confirmadas por meio de ensaios
clínicos. Outra limitação refere-se à não avaliação de fatores prognósticos no pré-operatório,
como o trofismo muscular e o grau de infiltração gordurosa, assim como a ausência
de avaliação de exames de imagem no pós-operatório.
Conclusão
A utilização da técnica de FD no reparo artroscópico do MR possibilitou melhores resultados
funcionais, especialmente nos casos de lesões grandes e extensas, com superioridade
na força de elevação anterior e no escore Constant em relação aos pacientes submetidos
à técnica de FS.