Palavras-chave luxação congênita de quadril - ultrassonografia - diagnóstico - recém-nascido
Introdução
Faltam estudos e evidências disponíveis para orientar a prática clínica no tratamento
da displasia de desenvolvimento do quadril (DDQ). Entre as limitações observadas,
não há consenso quanto à classificação e o diagnóstico da DDQ, e uma ampla variabilidade
na tomada de decisão, quase sempre orientada por estudos com amostras pequenas.[1 ] A maioria dos estudos existentes sobre DDQ são retrospectivos, têm amostras pequenas
(considerando-se o número de indivíduos), e não corrigem os resultados quando os casos
de DDQ bilateral são incluídos.[1 ] Muitos estudos também não incluem todo o espectro da DDQ.[1 ]
No estudo publicado por Guarniero et al.[2 ] (1988) com base em uma metanálise e protocolos de regressão logística múltipla,
a prevalência estimada dessa condição no Brasil foi próxima de 1,1%, e esse dado foi
obtido por meio da positividade da manobra de Ortolani. Para melhorar as evidências
disponíveis, é necessário utilizar uma estrutura padronizada para relatórios e diagnósticos,
com consistência, bem como realizar estudos prospectivos com um desenho metodológico
sólido.[1 ]
A displasia acetabular não pode ser excluída por um exame físico normal, e o ultrassom
pode ser uma ferramenta importante para o diagnóstico precoce e tratamento da doença.
A instabilidade articular e a luxação do quadril podem ser diagnosticadas por exame
físico usando as manobras de Barlow e Ortolani, respectivamente.[3 ]
Este estudo tem como objetivo avaliar a prevalência da DDQ em recém-nascidos de 0
a 3 dias de vida em uma maternidade pública, e correlacionar os achados com os principais
fatores de risco descritos na literatura.
Materiais e Métodos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética das duas instituições envolvidas, sob
os números 1.554 e 2.016. Este artigo foi escrito seguindo as diretrizes da iniciativa
Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) para
a comunicação de estudos observacionais.[4 ]
Este estudo observacional, transversal, e prospectivo foi realizado em maternidade
pública de alto risco da cidade de São Paulo com uma média de 7.900 partos por ano.
Realizamos os exames no berçário porque essa seria a única vez que teríamos uma amostra
minimamente aceitável para avaliar a prevalência na população de nascidos vivos, embora
a melhora espontânea na classificação tenha sido descrita na literatura, especificamente
nos quadris que não apresentam instabilidade no exame dinâmico. A coleta foi realizada
aleatoriamente quando a pesquisadora principal e sua equipe compareceram ao hospital,
de março a setembro de 2018. Os pais ou responsáveis legais foram informados sobre
as condições do estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, apresentado
antes do exame de ultrassonografia.
A população deste estudo epidemiológico consistiu em recém-nascidos internados de
0 a 3 dias de vida para a detecção precoce da doença. Cada participante foi avaliado
apenas uma vez, e frealizou-se uma amostragem aleatória. Para calcular o tamanho amostral
necessário, estimou-se o número de 500 casos para se obter uma incidência de até 5,5%,
com uma taxa de erro estimada de até 2%. Estabeleceu-se um intervalo de confiança
de 95% (IC95%). Estimou-se um aumento de 30% no tamanho da amostra, uma vez que, após
a coleta, as avaliações dos fatores de covariança e de risco seriam realizadas por
meio da análise multivariada, com possível perda de dados. Assim, o tamanho amostral
necessário para este estudo foi estimado em pelo menos 650 casos.
O critério de inclusão foi recém-nascidos internados na maternidade nas datas em que
a equipe de pesquisa atendeu ao local.
Os critérios de exclusão foram:
1) Parto prematuro extremo: devido à necessidade de oxigênio e aquecimento na incubadora,
e para evitar perda excessiva de calor e a manipulação do recém-nascido em risco,
pois é necessário usar gel frio e mudar a posição do recém-nascido para realizar a
ultrassonografia, o que aumenta o risco de hemorragia intracraniana;
2) Dificuldade respiratória: devido à necessidade de oxigênio e monitoramento, pois
é necessário manipular o recém-nascido e mudar sua posição para realizar a ultrassonografia;
3) Patologias e/ou condições que necessitassem de cuidados intensivos: para evitar
manipular o recém-nascido, pois é necessário mudar sua posição para realizar a ultrassonografia;
4) Anomalias congênitas, doenças genéticas: porque pacientes com doenças genéticas
e/ou distúrbios congênitos têm maior prevalência conhecida de DDQ, que poderia ser
avaliada como viés de seleção e aumento da prevalência, não traduzindo a displasia
média na população geral;
5) Gravidez de alto risco: devido à necessidade de acompanhamento do recém-nascido;
6) Pais ou responsáveis legais que não assinaram o termo de consentimento, pois não
concordaram em participar do estudo; e
7) Os quadris classificados como tipo IIa pelo método de Graf, por causa da imaturidade
que poderia se normalizar em poucas semanas.
Após a aceitação para participar do estudo, realizou-se um exame de ultrassonografia
de quadril nos pacientes que já haviam sido submetidos a exame clínico por um neonatologista,
com as manobras de Ortolani e Barlow.[5 ] Por fim, aplicou-se um questionário padronizado sobre o tema, elaborado pelos autores,
para registrar os fatores de risco para DDQ.
Exame de ultrassonografia
O método utilizado foi desenvolvido por Graf[6 ] em 1980; é considerado o método de referência, e é aceito por sistemas de saúde
em diversos países. Todos os exames deste estudo foram realizados estritamente seguindo
o método Graf.
Um médico ultrassonografista pediátrico com mais de vinte anos de experiência em ultrassonografia
pediátrica de quadril, cego quanto aos resultados dos exames clínicos, realizou os
exames de ultrassom.
Posicionamento
O recém-nascido é posicionado em decúbito lateral, oposto ao quadril a ser examinado,
com a perna ligeiramente flexionada e aduzida, e o pé em leve rotação interna ([Fig. 1 ]); utilizando-se um transdutor linear, no plano coronal do quadril, estabelece-se
um plano padrão no qual é possível avaliar a morfologia acetabular e o grau de cobertura
da cabeça femoral.
Fig. 1 Posição correta do recém-nascido durante o exame: decúbito lateral com os membros
inferiores flexionados e aduzidos. Crédito: Arte de Vinicius Mustafa.
No método de Graf, o tipo I é normal, com um ângulo α > 60°. Os quadris tipo IIa representam
imaturidade, com um ângulo α entre 50° e 59°, e um ângulo β > 55°. Os quadris com
um ângulo α ≤ 49° são definidos como tendo um desenvolvimento patológico, e são classificados
como tipos IIc, IId, IIIa, ou IIIb. Os quadris tipo IV não são mensuráveis. A DDQ
foi definida por Graf em casos em que a classificação da ultrassonografia revela um
padrão ≥ Iib. Os quadris IIa são classificados como imaturos, mas o acompanhamento
e o tratamento são sugeridos quando persistem após 30 dias de vida.[7 ]
Análise estatística
Os dados foram inseridos em uma planilha do programa Excel (Microsoft Corp., Redmond,
WA, Estados Unidos). Para a análise estatística, os dados foram exportados para o
programa Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics for Macintosh,
IBM Corp., Armonk, NY, Estados Unidos), versão 24.0. As estatísticas descritivas dos dados categóricos foram apresentadas de acordo com
suas frequências absolutas e relativas. Os dados contínuos foram apresentados de acordo
com suas médias e respectivos desvios padrão (DPs). A prevalência foi calculada pela
razão entre os recém-nascidos com pelo menos um quadril com classificação ≥ IIc de
acordo com o método de Graf e o total de recém-nascidos avaliados.
Para a análise do fator de risco, realizou-se uma regressão logística binomial para
verificar os efeitos do sexo (masculino e feminino), da etnia (branca e outras), da
paridade (primípara ou multiparidade), e da apresentação intrauterina do feto no momento
do parto (culatra ou outros) para identificar o risco aumentado de DDQ. Para a análise
de regressão, foram utilizadas variáveis independentes com plausibilidade biológica
que apresentaram associação após análise univariada com aceitação no modelo p ≤ 0,1. Para que fosse aceito como estatisticamente significativo, na equação de previsão
do fator de risco, o valor de significância devia ser p < 0,05.
Resultados
Houve 3.970 partos entre abril e setembro de 2018, dos quais 733 recém-nascidos estavam
disponíveis para exame. No entanto, nesse período, 28 recém-nascidos foram prematuros,
16 apresentaram dificuldade respiratória transitória, e 3 tiveram mecônio aspirado,
sendo excluídos do estudo devido à necessidade de cuidados intensivos. Também foram
excluídos oito recém-nascidos cujos pais ou responsáveis legais não aceitaram participar
do estudo. Aproximadamente 8% dos recém-nascidos foram retirados da amostra de acordo
com os critérios estipulados ([Fig. 2 ]). Não houve complicações durante o exame realizado na pesquisa.
Fig. 2 Fluxograma de seleção da amostra.
Foram incluídos 678 recém-nascidos (1.356 quadris), e a prevalência de DDQ no grupo
foi de 5,46% (37 recém-nascidos). Ao todo, 24 recém-nascidos apresentavam displasia
unilateral: 3, no quadril direito (8,1%), e 21, no quadril esquerdo (56,7%); e 13
(35,1%) recém-nascidos tinham displasia bilateral. As características amostrais estão
descritas na [Tabela 1 ]. Entre os recém-nascidos com DDQ examinados, a prevalência foi avaliada em relação
a cada tipo de quadril utilizando o método de Graf ([Tabela 2 ]).
Tabela 1
Característica
Recém-nascidos avaliados (N = 678) – n (%)
Recém-nascidos com displasia de desenvolvimento do quadril (N = 37; 5,4%) – n (%)
Sexo
- Feminino
356 (52,5%)
32 (86,5%)
- Masculino
322 (47,5%)
5 (13,5%)
Etnia
- Branca
364 (53,7%)
30 (81%)
- Negra
177 (26%)
0
- Parda
137 (20,3%)
7 (19%)
Tipo de parto
- Natural
449 (66%)
22 (59%)
- Cesariana
229 (34%)
15 (41%)
Apresentação
- Pélvica
179 (26,4%)
19 (51%)
- Cefálica
474 (69,9%)
17 (46%)
- Transversal
25 (3,7%)
1 (3%)
Paridade
- Primípara
302 (44,5%)
27 (73%)
- Multiparidade
376 (55,4%)
10 (27%)
Gêmeos
4 (0,6%)
0
Histórico familiar
19 (2,8%)
1 (2,7%)
Patologias ortopédicas
0
0
Síndromes genéticas
0
0
Manobra de Ortolani positiva
4 (0,6%)
2 (5,4%)
Tabela 2
Classificação do quadril
Quadril direito – n (%)
Quadril esquerdo – n (%)
Ia
594 (43,6%)
554 (40,6%)
Ib
8 (0,6%)
23 (2,3%)
IIa
60 (4,4%)
67 (4,9%)
IIc
1 (0,07%)
3 (0,22%)
IId
9 (0,66%)
23 (1,65%)
IIIa
4 (0,3%)
4 (0,3%)
Iv
2 (0,14%)
4 (0,3%)
Entre os fatores de risco avaliados, os seguintes apresentaram significância estatística
na análise univariada:
Sexo feminino (risco relativo [RR] = 5,78; IC95%: 2,28 a 14,67; p = 0,0002);
Apresentação pélvica (RR = 2,94; IC95%: 1,58 a 5,48; p = 0,0007);
Primípara (RR = 3,36; IC95%: 1,65 a 6,83; p = 0,0008); e
Étnica branca (RR = 3,69; IC95%: 1,65 a 8,3; p = 0,001).
Os fatores de risco que não apresentaram significância estatística foram:
Cesariana (RR = 1,33; IC95%: 0,70 a 2,52; p = 0,37);
Histórico familiar de DDQ (RR = 0,96; IC95%: 0,14 a 6,66; p = 0,97); e
Gêmeos (RR = 1,80; IC95%: 0,12 a 25,4; p = 0,66).
Em relação ao histórico familiar, pode haver viés de informação devido à dificuldade
de coleta de dados sobre as famílias, pois a maioria dos pais ou responsáveis legais
estavam inseguros ao fornecer informações sobre o histórico familiar. Gêmeos, também
considerados fator de risco, não apresentaram significância estatística. É necessário
considerar um possível viés de seleção devido à prematuridade e à indicação de internação,
o que foi considerado fator de exclusão neste estudo.
A sensibilidade da manobra de Ortolani para quadris com displasia (Graf ≥ tipo Iic)
foi de apenas 5,41% (IC95%: 0,66% a 18,2%), com especificidade de 99,7% (IC95%: 98,8%
a 99,9%). Para o diagnóstico de quadril deslocado (Graf tipo IV), a sensibilidade
da manobra de Ortolani foi de 50% (IC95%: 6,76% a 93,24%), com especificidade de 99,7%
(IC95%: 98,8% a 99,9%). O valor preditivo positivo foi de 50% (IC95%: 15,5% a 84,5%)
e o valor preditivo negativo foi de 99,7% (IC95%: 99,2% a 99,9%).
A regressão logística binomial verificou os efeitos do sexo, da etnia, da paridade,
e da apresentação do feto no momento do parto no risco aumentado de DDQ. O modelo
de regressão logística foi estatisticamente significativo: χ2 (3) = 44,553; p < 0,001. O modelo mostrou-se capaz de explicar 18,4% (R2 de Nagelkerke) da variação de risco de DDQ, e classificou corretamente 94,5% dos
casos. Todas as quatro variáveis preditivas foram estatisticamente significativas:
sexo, etnia, paridade e apresentação pélvica. Ser branco, do sexo feminino, primogênito,
e ter uma apresentação pélvica aumentou o risco de DDQ, como mostra a [Tabela 3 ].
Tabela 3
Intervalo de confiança de 95% para EXP(B)
B
S.E.
Wald
Df
Sig
Exp(B)
Inferior
Superior
Passo 1
Etnia branca
0,940
0,443
4,499
1
0,034
2,561
1,074
6,107
Paridade
1,240
0,387
10,247
1
0,001
3,455
1,617
7,381
Sexo
1,599
0,498
10,293
1
0,001
4,946
1,863
13,134
Apresentação pélvica
0,709
0,359
3,895
1
0,048
2,032
1,005
4,109
Constante
−5,617
0,620
82,012
1
0,000
0,004
A análise de regressão logística mostrou aumento da razão de chances (RC) para a etnia
branca (OR: 2.561; IC95%: 1,07 a 6,11), a multiparidade (OR = 3,50; IC95%: 1,62 a
7,38), o sexo feminino (OR = 4,95; IC95%: 1,86 a 13,13), e a apresentação pélvica
(OR = 2,03; IC95%: 1,01 a 4,11).
Discussão
A revisão bibliográfica não revelou outro estudo ultrassonográfico prospectivo que
estimasse a prevalência de DDQ na cidade de São Paulo.
A DDQ pode se manifestar de 3 maneiras: pela instabilidade articular, que pode ser
diagnosticada pela manobra de Barlow; por uma luxação do quadril, que pode ser diagnosticada
pela manobra de Ortolani; e por uma displasia acetabular, que não pode ser excluída
após um exame físico normal, e precisa da ajuda do ultrassom para o diagnóstico. A
displasia acetabular é uma das formas mais comuns da doença, representada na classificação
do método de Graf pelos tipos IIa, IIb, IIc e D; essa informação pode ser confirmada
em nosso estudo. Como o diagnóstico tardio de DDQ pode causar sérios problemas na
idade adulta, justifica-se o uso de ferramentas como o ultrassom para a identificação,
principalmente da forma mais recorrente.[3 ]
Guarniero et al.[2 ] avaliaram a prevalência de DDQ em seu estudo prospectivo/retrospectivo na cidade
de São Paulo, por meio de exame físico, utilizando a positividade da manobra de Ortolani
para seu cálculo estatístico, e encontraram resultado de 1,1%. Não se pode comparar
o presente estudo com o de Guarniero et al.[2 ], uma vez que as metodologias são diferentes, e entendemos que recém-nascidos com
displasia acetabular e que não têm quadril deslocado podem ter a doença, e a manobra
de Ortolani pode ser negativa.
Barbosa e Albernaz[8 ] foram os únicos autores que tentaram estimar a prevalência de DDQ no Brasil, em
estudo retrospectivo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Católica de
Pelotas. Os autores relataram muitos potenciais vieses de seleção, porque a análise
foi realizada em um pequeno número de casos identificados a partir dos prontuários
dos pacientes.
Na metanálise de Ortiz-Neira et al.,[9 ] a prevalência de DDQ foi de 1,9% (20.196 casos de DDQ entre 1.065.867 pacientes).
Em 2019, Zhao et al.[10 ] encontraram uma prevalência de 174,9/1.000 no Tibete com um projeto de estudo semelhante
ao nosso, realizando avaliações ecográficas e clínicas em recém-nascidos para DDQ
ao longo de 1 ano, em 10 distritos de diferentes altitudes. A prevalência de DDQ mostrou
correlação significativa com altitudes elevadas.[10 ]
“A incidência por 1.000 nascidos vivos varia de 0,06 em africanos na África a 76,1
em indígenas americanos. Há uma variabilidade significativa na incidência em cada
grupo racial por localização geográfica”.[11 ] O papel da displasia acetabular e da osteoartrite do quadril adulto é complexo.[11 ] Estudos arqueológicos demonstram que a epidemiologia da DDQ pode estar mudando.[11 ]
Em 2010, Pollet et al.[12 ] encontraram uma prevalência de 6,6/1000 nascidos vivos em uma província do Canadá,
ao passo que outros estudos descreveram uma incidência média de 1 a 2/1.000 com base
apenas no rastreamento clínico. Um estudo[13 ] conduzido no Reino Unido (RU) e na Irlanda encontrou uma incidência global de 6,7/1000
na Irlanda com base no rastreamento clínico com apresentação tardia. No RU, 0,34/1.000
recém-nascidos tiveram DDQ tardia (após 3 meses) com base em ultrassonografias feitas
em um programa que envolveu 107.440 recém-nascidos.[13 ] Na Noruega, Engesæter et al.[14 ] encontraram apresentação tardia (após 1 mês) em 0,32/1.000 recém-nascidos com base
em ultrassonografias neonatais de um grande grupo com fatores de risco e/ou achados
clínicos. Güler et al.[15 ] relataram prevalência de 9,9% na Turquia.
Neste estudo, os principais fatores altamente associados ao aumento do risco de DDQ
encontrados foram: sexo feminino (RR = 5,78; p = 0,0002), apresentação pélvica (RR = 2,94; p = 0,0007), primogênito (RR = 3,36; p = 0,0008), e etnia branca (RR = 3,69; p = 0,0015). A etnia negra é um fator protetor; na amostra deste estudo, não havia
pacientes negros com DDQ. Havia apenas dois pares de gêmeos elegíveis para exame nos
três primeiros dias de vida, que não apresentaram DDQ; portanto, isso não apresentou
um valor estatístico considerável.
Apesar de as características histórico familiar e ser gêmeo terem se revelado fatores
de risco significativos em outro estudo,[16 ] em nosso estudo, não foram adequadamente avaliados por conta do viés de seleção,
uma limitação do estudo que envolve principalmente fatores de exclusão, como recém-nascidos
em terapia intensiva, prematuridade, dificuldade respiratória, hipoglicemia, ou qualquer
alteração clínica que exija cuidados específicos.[16 ] Havia apenas dois pares de gêmeos elegíveis para exame nos três primeiros dias de
vida, que não apresentaram DDQ, não tendo, assim, um valor estatístico considerável.
Não foi possível avaliar com precisão o histórico familiar, porque a maioria dos pais
ou responsáveis legais não sabiam da existência de casos de DDQ na família, que, portanto,
podem ter sido subestimados neste estudo. Outras limitações são o fato de que as ultrassonografias
foram feitas somente por um ultrassonografista pediátrico, e a ausência de acompanhamento
do desenvolvimento dos pacientes após o ultrassom. Ressalta-se também que o estudo
foi realizado em um hospital da cidade de São Paulo, e relatou-se a prevalência da
doença neste estabelecimento.
O diagnóstico precoce é considerado essencial para um tratamento eficaz e um bom prognóstico.[17 ] Considerando que há displasias leves, que, segundo estudos, melhoram espontaneamente
em ∼ 90% dos casos,[18 ] uma avaliação de ultrassonografia em todos os recém-nascidos que não apresentam
fatores de risco ou sinais clínicos aos 21 dias de vida poderia revelar casos de imaturidade
que se beneficiariam do tratamento conservador. Entendemos que há uma ampla discussão
sobre o tratamento precoce[19 ] em casos de imaturidade dos quadris. No entanto, sabemos que o impacto psicológico,
familiar e socioeconômico parece ser superior se compararmos um tratamento realizado
com uma cinta de Pavlik ao tratamento cirúrgico com imobilização fundiária de gesso.
Carlile et al.[20 ] sugerem que recém-nascidos com fatores de risco importantes ou sinais clínicos positivos
devem ser submetidos ao exame até a sexta semana de vida.
Em relação à triagem da DDQ, recomenda-se que a morfologia e a estabilidade sejam
verificadas por ultrassonografia, além do exame clínico, que, semelhante a o que ocorre
em outros países, poderia ser implementado em instituições brasileiras com fácil acesso
a um ultrassonografista com experiência para realizar este exame. O exame físico nem
sempre detecta a luxação acetabular precoce, o índice acetabular, e a subluxação.
O diagnóstico tardio de luxação não evidencia que o teste físico foi malfeito. Um
índice acetabular aumentado pode favorecer o escorregamento lateral da cabeça femoral
para fora do acetábulo, desenvolvendo uma luxação tardia. O diagnóstico tardio de
quadril subluxado ou deslocado não está necessariamente associado ao quadril neonatal
subluxável ou luxável.[3 ]
Há uma alta taxa de exames clínicos falso-negativos, mesmo quando realizados por médicos
experientes.[21 ] Para avaliar se o resultado deste estudo reflete a prevalência da doença na população
de São Paulo, são necessários novos estudos em outros centros e com amostras maiores.
Conclusão
Este estudo mostrou que a prevalência de exames de ultrassom que indicaram DDQ nesta
amostra foi de 5,45%. Os principais fatores de risco associados ao maior risco de
DDQ foram sexo feminino, apresentação pélvica, primogênito, e etnia branca.