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DOI: 10.1055/s-0042-1742339
Doença de Hirayama: Relato de caso*
Article in several languages: português | EnglishResumo
Paciente de 26 anos, previamente hígido, que, aos 18 anos, iniciou perda progressiva de força distal, tremor de repouso, e atrofia muscular no membro superior esquerdo. Ao exame, apresentou atrofia moderada, distal, força muscular de grau 4, e minipolimioclonus. A eletroneuromiografia (ENMG) revelou comprometimento pré-ganglionar crônico de C7/C8/T1 bilateral pior à esquerda, com sinais de desnervação ativa em C8/T1. A ressonância magnética (RM) de coluna cervical mostrou alterações degenerativas espondilodiscais com protrusões centrais em C4-C5, C6-C7, e central direita em C5-C6, que tocavam o saco dural. O diâmetro anteroposterior da medula na posição neutra, no plano de C5-C6, era de 5,1 mm. Houve redução do calibre da medula para 4,0 mm após a manobra dinâmica de flexão forçada da coluna, e aumento de sinal nos cornos anteriores. Os achados clínicos e os dos exames complementares eram compatíveis com doença de Hirayama (DH), uma doença benigna rara dos neurônios motores, que afeta os segmentos espinhais cervicais e é mais prevalente em homens e de início próximo aos 20 anos. É típica a fraqueza unilateral e lentamente progressiva, porém autolimitada. Perturbações sensoriais, sinais autonômicos e do neurônio motor superior são raras.
O manejo geralmente é conservador, com uso de colar cervical macio. Apesar de rara, a DH deve ser considerada em pacientes jovens que apresentam atrofias assimétricas focais de membros superiores. O diagnóstico precoce de DH depende do grau de suspeição, e da cooperação e comunicação entre as diversas especialidades envolvidas na investigação.
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Palavras-chave
doença de Hirayama - atrofia muscular espinal - medula espinal - imagem por ressonância magnéticaIntrodução
Inicialmente descrita por Keizo Hirayama em 1959, a doença de Hirayama (DH) é também chamada de amiotrofia juvenil não progressiva ou amiotrofia monomélica.[1] O diagnóstico clínico é suspeitado diante de alguns critérios delineados por Tashiro et al.[2] a partir de levantamento epidemiológico feito no Japão. Os critérios são: fraqueza muscular predominantemente distal e atrofia no antebraço e na mão; envolvimento da extremidade superior unilateral na maioria dos casos; início entre as idades de 10 e 20 anos; início insidioso, com progressão gradual durante os primeiros anos, seguido de estabilização; ausência de envolvimento dos membros inferiores; ausência de distúrbios sensoriais ou anormalidades dos reflexos de estiramento; e exclusão de outras doenças.[2] A atrofia distal do antebraço e da mão, incluindo predominantemente os músculos da eminência tenar, hipotenar e musculatura interóssea, acarreta uma aparência típica de “amiotrofia oblíqua”.[1]
A DH geralmente é esporádica, de prevalência desconhecida, e a ocorrência familiar é extremamente rara.[1] Em geral, é autolimitada, apresentando inicialmente uma fase progressiva, que pode variar de 1 a 5 anos, seguida por período estacionário.[3]
Não há uma explicação fisiopatológica clara. Uma das teorias postuladas é a de que o crescimento desproporcional entre a coluna vertebral e seu conteúdo, durante a fase de estirão do crescimento, poderia criar uma distensão da parede posterior do canal dural que causaria o deslocamento anterior da dura-máter na flexão. A dura-máter deslocada levaria à compressão da medula, o que resultaria em distúrbios locais da microcirculação e necrose das células do corno anterior.[1] [4]
A eletroneuromiografia (ENMG) pode demonstrar sinais de desnervação aguda ou crônica na musculatura intrínseca da mão, e redução da amplitude dos potenciais de ação muscular compostos. A desnervação pode se estender a músculos clinicamente normais em 25% a 50% dos casos.[1] [5]
A ressonância magnética (RM) cervical dinâmica é essencial para o diagnóstico de DH. Os principais achados da RM em posição neutra são: atrofia localizada da medula cervical inferior/achatamento assimétrico da medula; hipersinal intrínseco da medula em imagens ponderadas em T2; e uma curvatura cervical anormal, com perda de inserção entre o saco dural posterior e lâmina subjacente. As RMs em flexão (30° a 40°) mostram deslocamento anterior da parede posterior do saco dural cervical, e achatamento dorsal da medula cervical inferior devido ao alargamento do espaço epidural posterior atribuído a uma congestão do plexo venoso epidural.[6]
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de DH diagnosticado tardiamente, após suspeição por ENMG, enfatizando a importância da correlação eletroclínica e a comunicação entre os profissionais envolvidos na “odisseia” (rotina) diagnóstica de uma doença rara.
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Relato de Caso
Este relato foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (CAAE 34383220.9.0000.5558) de nossa instituição, e foi assinado o termo de consentimento informado.
Paciente, de 26 anos, previamente hígido, que, aos 18 anos, iniciou quadro de perda progressiva de força distal no membro superior esquerdo, associada a atrofia muscular. Relatava dor cervical intensa e o hábito de flexionar o pescoço para aliviar a dor. Evoluiu sem restrições para atividades laborais como técnico em informática.
Não havia antecedentes pessoais ou familiares significativos, exceto o relato de traumatismo cranioencefálico leve, após queda de dois metros, com trauma da cabeça contra o solo, que ocorreu aos 8 anos de idade.
Ao exame físico, apresentava atrofia moderada, que envolvia a musculatura distal de ambos os membros superiores, pior à esquerda ([Figura 1]). Apresentava também tônus muscular reduzido, força muscular de grau 4 distal e de grau 5 proximal, hiporreflexia bicipital, tricipital, braquiorradial e de flexores dos dedos, e presença de minipolimioclonus, todos à esquerda.
A RM de plexo braquial direito foi normal. A primeira RM cervical mostrou pequenas protrusões discais de C4-C5 a C6-C7, tocando o saco dural. A ENMG realizada três anos após a investigação inicial evidenciou comprometimento pré-ganglionar crônico e desnervação ativa em C7/C8/T1 bilateral e pior à esquerda. Neste exame, levantou-se a hipótese de DH, e orientou-se a realização de RM cervical dinâmica.
Nova RM da coluna cervical ([Figura 2]) evidenciou alterações degenerativas espondilodiscais, com protrusões centrais em C4-C5, C6-C7 e central direita em C5-C6, que tocavam o saco dural. O diâmetro anteroposterior da medula na posição neutra, no plano de C5-C6, era de 5,1 mm. Houve redução do calibre da medula para 4,0 mm, após a manobra dinâmica de flexão forçada da coluna, e aumento do sinal nos cornos anteriores. O deslocamento anterior da dura-máter posterior sugeria um aumento da mobilidade, que determina a compressão sobre a medula.
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Discussão
O paciente do caso relatado apresentava achados clínicos e de exames complementares compatíveis com DH, confirmada somente oito anos depois do início dos sintomas. O diagnóstico só foi possível pela suspeição do neurofisiologista, que sugeriu RM cervical dinâmica.
Vitale et al.,[3] em estudo prospectivo, observaram que 100% dos pacientes com DH apresentavam perda da lordose cervical à RM. O ganho de sensibilidade com RM em flexão dinâmica é de 87%, quando comparada à sensibilidade de 49% da RM em posição neutra.[3]
Siringomielia, esclerose lateral amiotrófica, espondilose cervical associada a mielopatia, tumores de medula espinhal, e mielopatia traumática são diagnósticos diferenciais da DH, e devem ser descartados.[7]
O manejo geralmente é conservador, com colar cervical, evitando flexões sustentadas ou repetidas do pescoço.[1] [8] O tratamento cirúrgico, com fusão espinhal cervical e duraplastia, é reservado para casos selecionados.
Por fim, o caso ilustra a importância da interação entre os profissionais na escolha do método de investigação mais adequado para a conclusão diagnóstica.
Apesar de rara, a DH deve entrar na lista de diagnósticos diferenciais em pacientes jovens que apresentam atrofias assimétricas focais de membros superiores. Estabelecer o diagnóstico de DH, de forma precoce, depende do grau de suspeição, e da cooperação e comunicação entre as diversas especialidades.
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Suporte Financeiro
Este estudo não recebeu nenhum apoio financeiro de fontes públicas, comerciais, ou sem fins lucrativos.
Trabalho desenvolvido no Hospital Universitário de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
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Referências
- 1 Hirayama K. Juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease). Intern Med 2000; 39 (04) 283-290
- 2 Tashiro K, Kikuchi S, Itoyama Y. et al. Nationwide survey of juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease) in Japan. Amyotroph Lateral Scler 2006; 7 (01) 38-45
- 3 Vitale V, Caranci F, Pisciotta C. et al. Hirayama's disease: an Italian single center experience and review of the literature. Quant Imaging Med Surg 2016; 6 (04) 364-373
- 4 Kandukuri GR, Acosta NR. Significance of Dynamic Imaging in Diagnosis of Hirayama Disease: A Rare Case Report and Literature Review. Kans J Med 2020; 13 (13) 58-60
- 5 Hassan KM, Sahni H. Nosology of juvenile muscular atrophy of distal upper extremity: from monomelic amyotrophy to Hirayama disease–Indian perspective. BioMed Res Int 2013; 2013: 478516
- 6 Raval M, Kumari R, Dung AA, Guglani B, Gupta N, Gupta R. MRI findings in Hirayama disease. Indian J Radiol Imaging 2010; 20 (04) 245-249
- 7 Huang YL, Chen CJ. Hirayama disease. Neuroimaging Clin N Am 2011; 21 (04) 939-950 , ix–x
- 8 Tokumaru Y, Hirayama K. [Cervical collar therapy for juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease): results from 38 cases]. Rinsho Shinkeigaku 2001; 41 (4-5): 173-178
Endereço para correspondência
Publication History
Received: 30 May 2021
Accepted: 14 October 2021
Article published online:
10 August 2022
© 2022. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution-NonDerivative-NonCommercial License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit. Contents may not be used for commecial purposes, or adapted, remixed, transformed or built upon. (https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/)
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Referências
- 1 Hirayama K. Juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease). Intern Med 2000; 39 (04) 283-290
- 2 Tashiro K, Kikuchi S, Itoyama Y. et al. Nationwide survey of juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease) in Japan. Amyotroph Lateral Scler 2006; 7 (01) 38-45
- 3 Vitale V, Caranci F, Pisciotta C. et al. Hirayama's disease: an Italian single center experience and review of the literature. Quant Imaging Med Surg 2016; 6 (04) 364-373
- 4 Kandukuri GR, Acosta NR. Significance of Dynamic Imaging in Diagnosis of Hirayama Disease: A Rare Case Report and Literature Review. Kans J Med 2020; 13 (13) 58-60
- 5 Hassan KM, Sahni H. Nosology of juvenile muscular atrophy of distal upper extremity: from monomelic amyotrophy to Hirayama disease–Indian perspective. BioMed Res Int 2013; 2013: 478516
- 6 Raval M, Kumari R, Dung AA, Guglani B, Gupta N, Gupta R. MRI findings in Hirayama disease. Indian J Radiol Imaging 2010; 20 (04) 245-249
- 7 Huang YL, Chen CJ. Hirayama disease. Neuroimaging Clin N Am 2011; 21 (04) 939-950 , ix–x
- 8 Tokumaru Y, Hirayama K. [Cervical collar therapy for juvenile muscular atrophy of distal upper extremity (Hirayama disease): results from 38 cases]. Rinsho Shinkeigaku 2001; 41 (4-5): 173-178