CC BY 4.0 · Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2024; 59(03): e429-e434
DOI: 10.1055/s-0044-1785661
Artigo Original
Ombro e Cotovelo

Os desfechos da artroplastia anatômica total do ombro não foram afetados negativamente pela pandemia de Covid-19

Article in several languages: português | English
Andrew J. Stevens
1   Departamento de Ortopedia, Ohio State University College of Medicine, Columbus, Ohio, Estados Unidos
,
Akshar V. Patel
1   Departamento de Ortopedia, Ohio State University College of Medicine, Columbus, Ohio, Estados Unidos
,
David Gibbs
1   Departamento de Ortopedia, Ohio State University College of Medicine, Columbus, Ohio, Estados Unidos
,
Gregory Cvetanovich
2   Departamento de Ortopedia, Jameson Crane Sports Medicine Institute, The Ohio State University Wexner Medical Center, Columbus, Ohio, Estados Unidos
,
Julie Y. Bishop
1   Departamento de Ortopedia, Ohio State University College of Medicine, Columbus, Ohio, Estados Unidos
,
2   Departamento de Ortopedia, Jameson Crane Sports Medicine Institute, The Ohio State University Wexner Medical Center, Columbus, Ohio, Estados Unidos
› Author Affiliations
Suporte Financeiro Os autores declaram que não receberam financiamento de agências dos setores público, privado ou sem fins lucrativos para a realização deste estudo.
 

Resumo

Objetivo Investigar se os pacientes submetidos à artroplastia total anatômica do ombro (ATAO) entre janeiro e março de 2020 tiveram resultados pós-operatórios diferentes dos pacientes operados em 2019. Nossa hipótese é a de que os pacientes de 2020 teriam menos acesso à fisioterapia (FT) e apresentariam desfechos pós-operatórios diferentes.

Métodos Foram analisados os prontuários de pacientes submetidos à ATAO de 1° de janeiro de 2019 a 17 de março de 2019 e de 1° de janeiro de 2020 a 17 de março de 2020. Os dados dos pacientes, incluindo informações demográficas, amplitude de movimento (ADM), força e FT foram coletados e comparados entre os dois grupos. Os pacientes de 2020 foram contatados por telefone durante outubro de 2022, e as métricas relatadas por eles pacientes foram coletadas.

Resultados Este estudo identificou 24 pacientes em 2019 e 27 pacientes em 2020 que foram submetidos à ATAO durante o período especificado e tiveram acompanhamento mínimo de 1 ano. Os pacientes em 2019 apresentaram melhoras na ADM de elevação anterior (EA; 125,4° a 146,7°; p = 0,008), rotação externa (RE; 33,0° a 47,7°; p < 0,001) e rotação interna (RI; S1 a L4; p = 0,019). Os pacientes em 2020 também apresentaram melhoras significativas de EA (120,2° a 141,1°; p = 0,009), RE (32,9° a 42,0°; p = 0,037) e RI (S1 a L3; p = 0,002). Os pacientes de 2020 terminaram a FT mais cedo (2019: 125,8 dias; 2020: 91,1 dias; p = 0,046) e fizeram menos sessões (2019: 21,4 sessões; 2020: 13,1 sessões; p = 0,003). No acompanhamento final, os pacientes de 2020 relataram uma pontuação média de dor na Escala Visual Analógica (EVA) de 1,67 ± 1,1.

Conclusão Apesar da menor realização de FT, os pacientes submetidos à ATAO em 2020 apresentaram melhoras significativas na ADM e na força e foram comparáveis aos pacientes de 2019.


#

Introdução

A artroplastia total anatômica do ombro (ATAO) é o procedimento padrão-ouro atual para pacientes com artrite glenoumeral em estágio terminal que necessitam de substituição do ombro.[1] O volume da ATAO tem aumentado constantemente nas últimas décadas devido a vários fatores, incluindo o envelhecimento da população e indicações crescentes para cirurgia.[2] Os protocolos de reabilitação atuais e os cronogramas para ATAO variam entre as organizações; no entanto, a maioria segue princípios semelhantes de imobilização inicial, reintrodução da amplitude de movimento (ADM) passiva, restauração da ADM ativa e treinamento de força.[1] Durante todo o processo de recuperação, a fisioterapia (FT) tem sido considerada essencial para alcançar a função máxima do ombro no período pós-operatório.[3]

As paralisações devido à pandemia de doença do coronavírus 2019 (coranavirus disease 2019, Covid-19, em inglês) interromperam o padrão normal de atendimento aos pacientes submetidos à ATAO. A literatura recente mostrou uma diminuição no volume cirúrgico e no tempo de internação hospitalar, e um aumento nas taxas de alta hospitalar e no uso da telemedicina para acompanhamento.[4] [5] [6] Há, no entanto, uma escassez de estudos na literatura sobre os efeitos das paralisações pandêmicas na reabilitação pós-operatória de longo prazo e nos desfechos dos pacientes. A compreensão desses efeitos poderia fornecer informações para o manejo futuro, o que justificaria, portanto, um estudo mais aprofundado.

O objetivo deste estudo foi examinar o impacto da pandemia de Covid-19 no atendimento a pacientes fisioterápicos e nos desfechos cirúrgicos após a ATAO em um centro médico terciário. Nossa hipótese é a de que os pacientes afetados pela pandemia realizaram menos sessões de FT e provavelmente apresentaram ADM e testes de força inferiores no último acompanhamento.


#

Materiais e Métodos

Coorte de Pacientes

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética institucional (número: 2022H0150). Pacientes submetidos à ATAO de 1o de janeiro de 2019 a 17 de março de 2019 e de 1o de janeiro de 2020 a 17 de março de 2020 foram identificados usando os códigos 23470, 23472, 23473 e 23474 da Terminologia Processual Atual (CPT, do inglês Current Procedural Terminology) e relatórios cirúrgicos de triagem para ATAO primária. Todos os procedimentos foram realizados em um único centro médico terciário por quatro cirurgiões ortopédicos treinados. Pacientes submetidos à ATAO de revisão e pacientes com menos de um ano de acompanhamento pós-operatório foram excluídos da análise.


#

Coleta de Dados

Dados demográficos, de ADM, de testes de força e de FT foram coletados dos prontuários médicos dos pacientes. As informações sobre ADM= incluíram medidas de elevação anterior (EA), rotação externa (RE) e rotação interna (RI) antes e depois da cirurgia. Dados de testes de força também foram coletados antes e depois da cirurgia, e incluíram medidas de EA, RE e RI. Informações sobre FT pós-operatória foram coletadas, incluindo data da primeira sessão, data da última sessão e número de sessões concluídas.

Os dados subjetivos foram coletados por meio de contato com todos os pacientes submetidos à cirurgia em 2020. Os pacientes foram contatados por telefone durante outubro de 2022 e questionados sobre sua pontuação atual de dor segundo Escala Visual Analógica (EVA) e a pontuação de Single Assessment Numeric Evaluation (SANE, em inglês) de cada ombro. Além disso, pedimos que relatassem se sentiam que a pandemia de Covid-19 havia acarretado quaisquer atrasos imprevistos na FT pós-operatória, e se achavam que isso afetava negativamente a sua recuperação. A pontuação SANE foi escolhida como a principal métrica de desfecho relatado pelo paciente (MDRP) porque a literatura dá apoio à sua confiabilidade interobservadores com as pontuações American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES, em inglês) e Western Ontario Rotator Cuff (WORC, em inglês).[7]


#

Análise Estatística

Foram analisados dados demográficos, pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios das coortes de 2019 e 2020. Os dados categóricos foram analisados por meio dos testes de Qui-quadrado, além do teste exato de Fisher quando apropriado. Dados contínuos foram submetidos ao teste t para duas amostras ou ao teste U de Mann-Whitney, dependendo da normalidade da amostra, determinada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Além disso, o teste F de igualdade de variância foi utilizado para a comparação da variância entre os dois grupos.


#
#

Resultados

Dados Demográficos dos Pacientes

No total, 51 pacientes com acompanhamento mínimo de 1 ano foram incluídos no estudo. Havia 24 pacientes na coorte de 2019 e 27 pacientes na coorte de 2020. Ao todo, 6 pacientes foram excluídos da análise por não atenderem aos critérios de acompanhamento. Todos os pacientes foram submetidos à ATAO primária. Não houve diferença significativa no tempo de acompanhamento entre a coorte de 2019 e 2020 (2019: média – 2,2 anos; desvio-padrão [DP] – ± 0,60 ano; 2020: média – 2,13 anos; DP – ± 0,46 ano; p = 0,56). Tampouco houve diferença significativa na idade dos pacientes no momento da cirurgia (2019: média – 62,9 anos; DP – ± 10,0 anos; 2020: média – 60,3 anos; DP – ± 10,5 anos; p = 0,39).

Na coorte de 2019, 54,2% dos pacientes eram do sexo masculino, ao passo que 48,1% dos indivíduos da coorte de 2020 eram do sexo masculino (p = 0,68). A proporção de pacientes operados no ombro direito em 2019 foi de 33,3% em comparação a 59,2% em 2020 (p = 0,064). Por fim, 16,7% dos pacientes da coorte de 2019 tinham histórico de cirurgia no ombro acometido, em comparação a 14,8% dos pacientes de 2020 (p = 0,86). Dos pacientes de 2019 com histórico de cirurgia, 1 foi submetido a reparo labral artroscópico, 1 recebeu desbridamento e descompressão artroscópicos e 2 foram submetidos a reparo artroscópico do manguito rotador (RMR). Da coorte de 2020, as cirurgias anteriores incluíram 2 reparos labrais artroscópicos e 2 RMRs artroscópicos. A [Tabela 1] compara os dados demográficos de cada grupo.

Tabela 1

Coorte

2019 (n = 24)

2020 (n = 27)

Valor de p

Idade (anos): média ± DP

62,9 ± 10,0

60,3 ± 10,5

0,39

Acompanhamento (anos) : média ± DP

2,2 ± 0,60

2,13 ± 0,46

0,56

Homens (%)

54,2%

48,1%

0,68

Ombro direito (%)

33,3%

59,2%

0,064

Histórico de cirurgia (%)

16,7%

14,8%

0,86


#

Características Clínicas

Os pacientes da coorte de 2019 apresentaram melhoras significativas na ADM após a ATAO: a EA melhorou de 125,4° ± 31,9° para 146,7° ± 18,8° (p = 0,008); a RE melhorou de 33,0° ± 15,6° para 47,7° ± 12,2° (p < 0,001); e a RI também melhorou, de S1 para L4 (p = 0,019). Os pacientes da coorte de 2019 também apresentaram melhoras significativas na força de EA (5- a 5; p = 0,031) e RE (5- a 5; p = 0,036), mas não de RI (5 a 5; p = 0,12). O tempo médio desde a data da cirurgia até a primeira consulta pós-operatória foi de 16,1 (DP: ± 7,9) dias.

Os pacientes da coorte de 2020 também apresentaram melhoras significativas na ADM após a ATAO: a EA melhorou de 120,2° ± 28,8° para 141,1 ± 25,9° (p = 0,009); a RE melhorou de 32,9° ± 16,5° para 42,0° ± 13,7° (p = 0,037); e a RI melhorou de S1 para L3 (p = 0,002). Os pacientes da coorte de 2020 não apresentaram melhoras significativas na força de EA (5- a 5-; p = 0,38), RE (5- a 5-; p = 0,29) ou RI (5 a 5; p = 0,76). O tempo médio desde a data da cirurgia até a primeira consulta pós-operatória foi de 12,8 (DP: ± 1,6) dias.

Não houve diferenças significativas na ADM ou força dos pacientes dos dois grupos no período pós-operatório. A [Tabela 2] compara os dados pós-operatórios.

Tabela 2

Coorte

2019 (n = 24)

2020 (n = 27)

Valor de p

Elevação anterior (°): média ± DP

146,7 ± 18,8

141,1 ± 25,9

0,39

Rotação externa (°): média ± DP

47,7 ± 12,2

42,0 ± 13,7

0,13

Rotação interna

L4

L3

0,42

Força – elevação anterior

5/5

5-/5

0,17

Força – rotação externa

5/5

5-/5

0,18

Força – rotação interna

5/5

5/5

0,12

Os pacientes dos 2 grupos não diferiram significativamente no tempo de início da FT (2019: 30,5 ± 12,9 dias; 2020: 31,1 ± 12,2 dias; p = 0,88). Os pacientes da coorte de 2020 encerraram a FT mais rapidamente (2019: 125,8 ± 70,7 dias; 2020: 91,1 ± 47,0 dias; p = 0,046) e realizaram menos sessões de FT em comparação aos pacientes da coorte de 2019 (2019: 21,4 ± 10,8 sessões; 2020: 13,1 ± 8,4 sessões; p = 0,003). A [Tabela 3] compara os dados de FT.

Tabela 3

Coorte

2019 (n = 24)

2020 (n = 27)

Valor de p

Tempo entre a cirurgia e a primeira sessão (dias): média ± DP

30,5 ± 12,9

31,1 ± 12,2

0,88

Tempo entre a primeira e a última sessão (dias): média ± DP

125,8 ± 70,7

91,1 ± 47,0

0,046

Número de sessões: média ± DP

21,4 ± 10,8

13,1 ± 8,4

0,003


#

Desfechos Relatados pelo Paciente e Atrasos Relacionados à Covid

Da coorte de 2020, 2 pacientes (7,4%) não realizaram nenhuma FT após a ATAO. Outros 2 pacientes (7,4%) notaram atraso no início da FT, e 10 pacientes (37,0%) notaram que sua recuperação pós-operatória foi afetada negativamente pela pandemia de Covid-19. Quando os pacientes foram contatados por telefone em outubro de 2022, relataram uma pontuação média de dor na EVA de 1,67 ± 1,1, uma pontuação média SANE no ombro acometido de 77,0 ± 15,8 e uma pontuação média SANE no ombro não acometido de 91,1 ± 10,4.


#

Complicações e Revisões

Houve 1 complicação na coorte de 2019 e 1 complicação na coorte de 2020 (p = 0,95). O paciente da coorte de 2019 rompeu o subescapular e foi submetido à cirurgia de revisão 3 meses após o procedimento índice. O paciente da coorte de 2020 desenvolveu uma infecção e foi submetido a uma cirurgia de revisão 11 meses após a ATAO índice.


#
#

Discussão

A pandemia de Covid-19 mudou a prática clínica em diversas áreas, mas seus efeitos em pacientes submetidos à ATAO ainda são obscuros. Antes desta pandemia, o manejo pós-operatório normal após ATAO incluía FT frequente com ênfase na terapia de rotina para restauro de força, função e qualidade de vida.[8] Diferentemente da artroplastia reversa do ombro, a proteção do reparo do subescapular é fundamental para a obtenção de um bom resultado após a ATAO. Neste estudo retrospectivo e unicêntrico, analisamos e comparamos dados demográficos, ADM, força e FT entre coortes pré-pandêmicas e pandêmicas. As descobertas mais importantes sugerem que, apesar do número menor de sessões de FT após a ATAO, a ADM, a força e as pontuações SANE não foram significativamente afetadas pela pandemia de Covid-19. Estes resultados sugerem que os pacientes com acesso limitado à FT podem igualmente se beneficiar da ATAO.

A pandemia exigiu várias adaptações, incluindo um aumento nas consultas de telessaúde e menos sessões de FT.[5] Embora acontecimentos como esta recente pandemia de Covid-19 sejam imprevisíveis, muito pode ser aprendido e traduzido a partir das adaptações e respostas clínicas que se seguiram. Pertinente a este estudo, grandes coortes de pacientes que antes tinham amplo acesso a cuidados médicos não essenciais foram abruptamente colocados em quarentena e/ou incapazes de continuar com elementos dos seus tratamentos ortopédicos. Embora esta perturbação não tenha sido intencional, as limitações experimentadas podem, em alguns aspectos, refletir as de populações mal servidas e de nações com recursos limitados, em que a FT e os cuidados pós-operatórios de alta qualidade podem não estar disponíveis rotineiramente.[9] Como já discutido, o objetivo deste estudo foi o de investigar se as interrupções e atrasos na FT devido à pandemia de Covid-19 levaram a desfechos piores após a ATAO.

Parisien et al.[10] e Sabbagh et al.[5] estiveram entre os primeiros autores a avaliar a utilização e o impacto da telessaúde impulsionada pela pandemia de Covid-19 entre pacientes de cirurgia ortopédica. Eles observaram uma utilização significativa da telessaúde e nenhuma diferença na satisfação do paciente e nas MDRPs em comparação ao acompanhamento clínico presencial tradicional. Seetharam et al.[6] identificaram um aumento no número de ATAO ambulatoriais em sua instituição durante a pandemia, com redução significativa do tempo de internação e da taxa de readmissão em 90 dias. Outro estudo[4] que analisou a ATAO coberta pelo Medicare observou uma diminuição geral no volume de artroplastia de ombro em 14% durante a pandemia de Covid-19, com uma redução média de internação hospitalar de 16% e nenhuma mudança significativa nas taxas de readmissão hospitalar em 30 dias.

Secundariamente aos bloqueios obrigatórios e ao julgamento clínico, numerosos pacientes tiveram acesso limitado à FT de rotina. Wang et al.[9] relataram achados semelhantes, em que o confinamento devido à Covid-19 diminuiu a disponibilidade de cuidados eletivos. Consistente com esses achados, em nossa coorte de 2020, a pandemia de Covid-19 levou ao término mais precoce da FT e à redução do número de sessões de FT, o que levou 37% dos pacientes a citar a pandemia como uma influência negativa em sua recuperação após a ATAO.

Historicamente, a FT tem sido fundamental na restauração perioperatória da força e da ADM.[11] [12] Em nossa coorte, a força e a ADM melhoraram favoravelmente nas coortes de 2019 e 2020. Os pacientes de 2019 e 2020 apresentaram melhoras comparáveis nas ADMs de EA, RE e RI. Em relação à força, os pacientes de 2019 apresentaram melhoras significativas de EA e RE, mas não de RI. Notavelmente, os pacientes de 2020 não apresentaram melhoras significativas de EA, RE ou RI. Esses achados sugerem que a FT pode ser necessária para garantir a recuperação adequada da força pós-operatória, mas a ADM pode ser restaurada de forma semelhante sem a FT. Com a diminuição do acesso à FT, nossos pacientes exibiram melhora semelhante na ADM e menor recuperação de força.

Para delinear melhor essas mudanças na força e continuar a quantificar os efeitos da pandemia na ATAO, as MDRPs e as pontuações SANE e EVA foram obtidas da coorte de 2020. Descobrimos que 2 pacientes (7,4%) não fizeram nenhuma FT, e outros 2 (7,4%) notaram atraso no início da FT. Ao todo, 10 pacientes (37,0%) observaram que sua recuperação pós-operatória foi afetada negativamente pela pandemia de Covid-19. Quando os pacientes foram contatados por telefone em outubro de 2022, relataram uma pontuação média de dor na EVA de 1,67, uma pontuação SANE no ombro acometido de 77,0, e uma pontuação SANE no ombro não acometido de 91,1. A literatura atual estima que o estado sintomático aceitável do paciente (PASS, do inglês patients' acceptable symptom state) para ATAO seja de 75,5 para o escore SANE e de 1,5 para a EVA de dor.[12] [13] Os pacientes de nossa coorte de 2020 apresentaram valores próximos ou acima destes valores de referência 2,5 anos após a cirurgia, o que sugere que mesmo pacientes com acesso limitado à FT ainda podem alcançar melhoras clínicas significativas.

Como existem muitos fatores que influenciam a recuperação do paciente após a cirurgia, é difícil dizer com certeza quanto de FT é necessário para a obtenção de desfechos satisfatórios. No entanto, em nossa pequena coorte, observamos que os pacientes que preencheram os critérios para melhora aceitável fizeram, em média, 16,3 ± 7,2 sessões de FT. Essa aproximação foi feita comparando a melhora da ADM de EA de nossos pacientes com a diferença mínima clinicamente importante (MCDI, do inglês minimal clinically important difference) de 23,1° ± 5,8° estabelecida por Simovitch et al.[14] e calculando o número de sessões concluídas por aqueles que excederam o limite da MCID.

Em suma, apesar de menos FT e do efeito negativo percebido por conta das paralisações pandêmicas, os pacientes submetidos à ATAO em 2020 demonstraram desfechos clínicos e fisioterapêuticos semelhantes quando comparados a uma coorte similar de pacientes de 2019 em nossa instituição, mas com menor recuperação de força.


#

Limitações

Este estudo tem inúmeras limitações a serem abordadas. Inerente ao delineamento retrospectivo, vieses de seleção institucional e tratamento podem ser observados. Apesar desta limitação, as melhores recomendações de práticas clínicas foram seguidas, e todos os cuidados ortopédicos foram supervisionados por cirurgiões treinados em um centro médico acadêmico. Além disso, o estudo apresentado é limitado no tamanho da amostra e no viés de seleção, o que diminui ainda mais o poder estatístico e a generalização das observações apresentadas. Por fim, os protocolos de FT podem variar muito entre as instituições, o que pode influenciar a ausência de diferença observada entre as coortes.


#

Conclusão

As paralisações decorrentes da pandemia de COVID-19 levaram a muitas mudanças no manejo pós-operatório de pacientes submetidos à ATAO. De modo geral, os pacientes da coorte de 2020 terminaram a FT mais rapidamente e com menos sessões; 37% destes indivíduos afirmaram que a sua recuperação foi afetada negativamente pela pandemia. Apesar desses contratempos, os pacientes da coorte ainda obtiveram resultados satisfatórios em termos de ADM e das pontuações SANE e de dor na EVA. Esses achados sugerem que os pacientes com acesso limitado à FT ainda podem alcançar desfechos aceitáveis após a ATAO.[1]


#
#

Conflito de Interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia, Ohio State University Wexner Medical Center, Columbus, OH, Estados Unidos.


  • Referências

  • 1 Kennedy JS, Garrigues GE, Pozzi F. et al. The American Society of Shoulder and Elbow Therapists' consensus statement on rehabilitation for anatomic total shoulder arthroplasty. J Shoulder Elbow Surg 2020; 29 (10) 2149-2162
  • 2 Best MJ, Aziz KT, Wilckens JH, McFarland EG, Srikumaran U. Increasing incidence of primary reverse and anatomic total shoulder arthroplasty in the United States. J Shoulder Elbow Surg 2021; 30 (05) 1159-1166
  • 3 Edwards PK, Ebert JR, Littlewood C, Ackland T, Wang A. Effectiveness of formal physical therapy following total shoulder arthroplasty: A systematic review. Shoulder Elbow 2020; 12 (02) 136-143
  • 4 Khan AZ, Best MJ, Fedorka CJ. et al; Avant-Garde Health and Codman Shoulder Society Value Based Care Group. Impact of the COVID-19 pandemic on shoulder arthroplasty: surgical trends and postoperative care pathway analysis. J Shoulder Elbow Surg 2022; 31 (12) 2457-2464
  • 5 Sabbagh R, Shah N, Jenkins S. et al. The COVID-19 pandemic and follow-up for shoulder surgery: The impact of a shift toward telemedicine on validated patient-reported outcomes. J Telemed Telecare 2023; 29 (06) 484-491
  • 6 Seetharam A, Ghosh P, Prado R, Badman BL. Trends in outpatient shoulder arthroplasty during the COVID-19 (coronavirus disease 2019) era: increased proportion of outpatient cases with decrease in 90-day readmissions. J Shoulder Elbow Surg 2022; 31 (07) 1409-1415
  • 7 Wickman JR, Lau BC, Scribani MB, Wittstein JR. Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) correlates with American Shoulder and Elbow Surgeons score and Western Ontario Rotator Cuff index in patients undergoing arthroscopic rotator cuff repair. J Shoulder Elbow Surg 2020; 29 (02) 363-369
  • 8 Boardman III ND, Cofield RH, Bengtson KA, Little R, Jones MC, Rowland CM. Rehabilitation after total shoulder arthroplasty. J Arthroplasty 2001; 16 (04) 483-486
  • 9 Wang KC, Patel AV, White CA, Gross BD, Parsons BO, Cagle PJ. Effect of COVID-19 on Shoulder Arthroplasty at a Tertiary Care Medical Center in New York City. Rev Bras Ortop 2021; 58 (01) 121-126
  • 10 Parisien RL, Shin M, Constant M. et al. Telehealth utilization in response to the novel coronavirus (COVID-19) pandemic in orthopaedic surgery. J Am Acad Orthop Surg 2020; 28 (11) e487-e492
  • 11 Claes A, Mertens MG, Verborgt O, Baert I, Struyf F. Factors associated with better treatment outcome of physical therapy interventions after shoulder arthroplasty: A systematic review. Clin Rehabil 2022; 36 (10) 1369-1399
  • 12 Gowd AK, Charles MD, Liu JN. et al. Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) is a reliable metric to measure clinically significant improvements following shoulder arthroplasty. J Shoulder Elbow Surg 2019; 28 (11) 2238-2246
  • 13 Chamberlain AM, Hung M, Chen W. et al. Determining the Patient Acceptable Symptomatic State for the ASES, SST, and VAS Pain After Total Shoulder Arthroplasty. J Shoulder Elb Arthroplast 2017; 1: 2471549217720042
  • 14 Simovitch R, Flurin PH, Wright T, Zuckerman JD, Roche CP. Quantifying success after total shoulder arthroplasty: the minimal clinically important difference. J Shoulder Elbow Surg 2018; 27 (02) 298-305

Endereço para correspondência

Ryan Rauck, MD
Department of Orthopedics, Jameson Crane Sports Medicine Institute, The Ohio State University Wexner Medical Center
2835 Fred Taylor Drive, Columbus, OH 43202
United States   

Publication History

Received: 29 June 2023

Accepted: 15 January 2024

Article published online:
22 June 2024

© 2024. The Author(s). This is an open access article published by Thieme under the terms of the Creative Commons Attribution 4.0 International License, permitting copying and reproduction so long as the original work is given appropriate credit (https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/)

Thieme Revinter Publicações Ltda.
Rua do Matoso 170, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20270-135, Brazil

  • Referências

  • 1 Kennedy JS, Garrigues GE, Pozzi F. et al. The American Society of Shoulder and Elbow Therapists' consensus statement on rehabilitation for anatomic total shoulder arthroplasty. J Shoulder Elbow Surg 2020; 29 (10) 2149-2162
  • 2 Best MJ, Aziz KT, Wilckens JH, McFarland EG, Srikumaran U. Increasing incidence of primary reverse and anatomic total shoulder arthroplasty in the United States. J Shoulder Elbow Surg 2021; 30 (05) 1159-1166
  • 3 Edwards PK, Ebert JR, Littlewood C, Ackland T, Wang A. Effectiveness of formal physical therapy following total shoulder arthroplasty: A systematic review. Shoulder Elbow 2020; 12 (02) 136-143
  • 4 Khan AZ, Best MJ, Fedorka CJ. et al; Avant-Garde Health and Codman Shoulder Society Value Based Care Group. Impact of the COVID-19 pandemic on shoulder arthroplasty: surgical trends and postoperative care pathway analysis. J Shoulder Elbow Surg 2022; 31 (12) 2457-2464
  • 5 Sabbagh R, Shah N, Jenkins S. et al. The COVID-19 pandemic and follow-up for shoulder surgery: The impact of a shift toward telemedicine on validated patient-reported outcomes. J Telemed Telecare 2023; 29 (06) 484-491
  • 6 Seetharam A, Ghosh P, Prado R, Badman BL. Trends in outpatient shoulder arthroplasty during the COVID-19 (coronavirus disease 2019) era: increased proportion of outpatient cases with decrease in 90-day readmissions. J Shoulder Elbow Surg 2022; 31 (07) 1409-1415
  • 7 Wickman JR, Lau BC, Scribani MB, Wittstein JR. Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) correlates with American Shoulder and Elbow Surgeons score and Western Ontario Rotator Cuff index in patients undergoing arthroscopic rotator cuff repair. J Shoulder Elbow Surg 2020; 29 (02) 363-369
  • 8 Boardman III ND, Cofield RH, Bengtson KA, Little R, Jones MC, Rowland CM. Rehabilitation after total shoulder arthroplasty. J Arthroplasty 2001; 16 (04) 483-486
  • 9 Wang KC, Patel AV, White CA, Gross BD, Parsons BO, Cagle PJ. Effect of COVID-19 on Shoulder Arthroplasty at a Tertiary Care Medical Center in New York City. Rev Bras Ortop 2021; 58 (01) 121-126
  • 10 Parisien RL, Shin M, Constant M. et al. Telehealth utilization in response to the novel coronavirus (COVID-19) pandemic in orthopaedic surgery. J Am Acad Orthop Surg 2020; 28 (11) e487-e492
  • 11 Claes A, Mertens MG, Verborgt O, Baert I, Struyf F. Factors associated with better treatment outcome of physical therapy interventions after shoulder arthroplasty: A systematic review. Clin Rehabil 2022; 36 (10) 1369-1399
  • 12 Gowd AK, Charles MD, Liu JN. et al. Single Assessment Numeric Evaluation (SANE) is a reliable metric to measure clinically significant improvements following shoulder arthroplasty. J Shoulder Elbow Surg 2019; 28 (11) 2238-2246
  • 13 Chamberlain AM, Hung M, Chen W. et al. Determining the Patient Acceptable Symptomatic State for the ASES, SST, and VAS Pain After Total Shoulder Arthroplasty. J Shoulder Elb Arthroplast 2017; 1: 2471549217720042
  • 14 Simovitch R, Flurin PH, Wright T, Zuckerman JD, Roche CP. Quantifying success after total shoulder arthroplasty: the minimal clinically important difference. J Shoulder Elbow Surg 2018; 27 (02) 298-305