Palavras-chave espectroscopia de ressonância magnética - líquido sinovial - metabolômica - osteoartrite
Introdução
A osteoartrite do joelho (OAJ) é uma doença caracterizada pela destruição da cartilagem articular, inflamação sinovial e espessamento do osso subcondral,[1 ] podendo ser entendida como uma doença que acomete a articulação como um órgão.[2 ] A síndrome metabólica é um conjunto de perturbações clínicas e metabólicas que aumentam o risco de mortalidade, participando desse contexto a obesidade, a hipertensão arterial, a dislipidemia, a intolerância à glicose e um estado pró-inflamatório.[3 ] Algumas pesquisas têm procurado subdividir a osteoartrite em fenótipos,[4 ]
[5 ] incluindo a osteoartrite associada à síndrome metabólica.[4 ]
[5 ]
[6 ]
Uma das ferramentas promissoras utilizadas para essa subclassificação em fenótipos é a metabolômica,[7 ]
[8 ] que visa compreender as interações biológicas celulares mediante a identificação das moléculas presentes em uma amostra biológica,[9 ] sendo distinta por avaliar a resultante dos fenômenos genéticos e epigenéticos interagindo com as ações do ambiente.[10 ] Uma das plataformas analíticas mais empregadas é a espectroscopia por ressonância magnética (RM), que apresenta como vantagens a reprodutibilidade, a independência de preparo prévio e a indestrutibilidade da amostra durante a análise, o que favorece a realização de inúmeras análises com o mesmo material.[11 ]
[12 ] Assim, a metabolômica do líquido sinovial tem sido apontada como ferramenta potencial para a identificação de biomarcadores relacionados à osteoartrite.[11 ]
[13 ]
O objetivo desse estudo foi analisar o perfil metabólico do líquido sinovial de pacientes com osteoartrite, correlacionando os achados com dados clínicos.
Materiais e Métodos
Seleção dos pacientes e coleta dos dados clínicos
Foram incluídos neste estudo 50 pacientes com OAJ submetidos à artroplastia total do joelho (ATJ), no período de outubro de 2019 a dezembro de 2020. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 23695019.5.0000.5273).
Foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico de OAJ conforme critérios diagnósticos clínico-radiográficos.[14 ] Foram excluídos pacientes com infecção ativa no membro operado; pacientes submetidos à cirurgia prévia no mesmo joelho; pacientes com doenças autoimunes, ou com síndromes genéticas; pacientes com teste sorológico positivo para hepatite B, C e/ou HIV; pacientes com neoplasias malignas ou em uso de quimioterápicos antineoplásicos; pacientes em uso de imunossupressores ou de glicocorticoides; e pacientes com volume de líquido sinovial coletado inferior a 1 mL, considerado insuficiente para as análises.
Neste estudo, o perfil metabólico do líquido sinovial de pacientes com OAJ foi analisado e comparado com o perfil clínico, radiográfico e laboratorial. No intuito de investigar a influência do envelhecimento no comportamento metabólico da OAJ, dividimos os pacientes entre os com idade até 70 e aqueles acima de 70 anos. Escolhemos arbitrariamente 70 anos como corte, pois esta idade é apontada como um bom parâmetro etário para a cirurgia proposta.[15 ] Em função da relação íntima entre obesidade e OAJ, testamos o perfil metabólico dos pacientes de acordo com o índice de massa corporal (IMC).
Foram analisados os prontuários dos participantes para a coleta das seguintes informações, resumidas na [Tabela 1 ]:
Tabela 1
Variável
Osteoartrite
(n = 50)
Sexo
Masculino
17 (34%)
Feminino
33 (66%)
Idade (anos)
67,96 ± 7,08
Peso (kg)
84,07 ± 14,91
Altura (m)
1,61 ± 0,1
Índice de massa corporal (kg/m2 )
32,51 ± 5,25
Obesidade
Normal
4 (8%)
Sobrepeso
12 (24%)
Obeso
34 (68%)
Gravidade da osteoartrite
Ahlbӓck modificada por Keyes et al.[17 ] III
3 (6%)
Ahlbӓck modificada por Keyes et al.[17 ] IV
7 (14%)
Ahlbӓck modificada por Keyes et al.[17 ] V
40 (80%)
Lado
Direito
22 (44%)
Esquerdo
28 (56%)
Hipertensão arterial
Sim
44 (88%)
Não
6 (12%)
Diabetes mellitus
Sim
11 (22%)
Não
39 (78%)
Dislipidemia
Sim
4 (8%)
Não
46 (92%)
Cardiopatia
Sim
3 (6%)
Não
47 (94%)
1) Sexo, idade e lateralidade do joelho operado;
2) Dados antropométricos: peso, expresso em quilogramas (kg), e altura, em metros (m), para cálculo do IMC, em kg/m2 . Cada participante foi classificado como normal (IMC entre 18,5–24,9), sobrepeso (IMC entre 25–29,9) ou obeso (IMC ≥ 30);[16 ]
3) Aspectos clínicos, coletados a partir da ficha de avaliação anestésica: presença ou ausência de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia e doença cardíaca;
4) Glicemia de jejum: Resultado do nível sérico, pré-operatório, da glicemia de jejum, expresso em mg/dL (miligramas por decilitro).
As radiografias pré-operatórias dos joelhos operados foram avaliadas e classificadas, conforme a classificação de Ahlbäck modificada por Keyes et al.[17 ] Uma vez que a amostra foi composta apenas por pacientes submetidos à ATJ, dividimos os pacientes em três grupos (grau III, IV e V).
Os dados coletados dos prontuários foram tabulados em planilha Microsoft Excel (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA). Para a análise estatística foi utilizando o software GraphPad Prism for Windows 9.0 (GraphPad Software, La Jolla, CA, EUA). Os dados correspondentes à idade, ao peso, à altura e ao IMC foram apresentados sob a forma de média ± desvio padrão. Já os dados referentes à presença de hipertensão arterial, de dislipidemia, de cardiopatia, de diabetes e de doença renal foram apresentados em frequência absoluta e em frequência relativa.
Análise metabólica do líquido sinovial por RM
As amostras de líquido sinovial foram coletadas pelo cirurgião, de forma estéril, durante o procedimento de ATJ, antes da abertura da cápsula articular, por punção aspirativa. Após a coleta, as amostras foram acondicionadas em bolsa térmica a 4° C, transportadas até o laboratório de pesquisa, transferidas para microtubos, identificadas, centrifugadas a 2.000 x g durante 5 minutos, e decantadas. Os sobrenadantes, contendo líquido sinovial livre de células, foram congelados a -80° C, sem qualquer diluição.
Duas horas antes da análise metabolômica, as amostras foram descongeladas em temperatura ambiente e centrifugadas a 7.168 x g, por 20 minutos. A seguir, 500 μL do sobrenadante foram misturados com 1.500 μL do tampão fosfato, a 50 mM, em pH 7,4 ([Fig. 1A ]). Para eliminar a interferência de moléculas grandes, as misturas de líquido sinovial com tampão fosfato foram filtradas em membranas Amicon Ultra-2 (MERK-Millipore, Burlington, MA, EUA, [Fig. 1B ]), com malha de 3 kDa (#UFC200324), e centrifugadas a 4.032 x g, por 20 minutos. Após a centrifugação, 540 μL da solução filtrada foram transferidas para um novo microtubo e foram adicionados 60 μL de uma solução, contendo 1 mM de 2,2-dimetil-silapentano-2-5-sulfonato (DSS) e água deuterada (D2 O) ([Fig. 1C ]). Para verificar o efeito de outros compostos presentes no tampão e no filtro, foi preparada uma amostra controle, na qual o líquido sinovial foi trocado por tampão fosfato. Os compostos detectados nesta amostra foram posteriormente retirados da análise.
Fig. 1 Esquema do processamento das amostras. Ilustração esquemática da mistura do líquido sinovial com o tampão fosfato. Na sequência, a foto do filtro Amicon, retirada do site do fabricante (https://www.merckmillipore.com/BR/pt/product/Amicon-Ultra-2-Centrifugal-Filter-Unit,MM_NF-UFC200324 ), no dia 13/06/2021. Por fim, 60 μL de uma solução contendo a substância padrão (DSS) é adicionada à 540 μL da solução filtrada, totalizando 600 μL.
Os microtubos, contendo as misturas e devidamente identificados, foram acondicionados em bolsa térmica a 4°C, para serem transportados até o laboratório de metabolômica, no qual foram transferidos manualmente os 600 μL dos tubos Eppendorf (Eppendorf, Hamburgo, Alemanha) para os tubos de RM, de 5 mm de diâmetro. As amostras foram analisadas com o espectrômetro Bruker Avance II HD (Bruker Biospin, Ettlingen, Alemanha, [Fig. 2A ]), que operou a 500 MHz, com a temperatura da sonda controlada a 300 K. Os tubos de RM de 5 mm foram acoplados a um dispositivo chamado rotor da amostra (sample spinner , [Fig. 2B ]) e inseridos nas 24 posições (holders ) do amostrador do aparelho para as análises ([Fig. 2C ]). O perfil metabólico das amostras de líquido sinovial foi analisado conforme descrito em Sousa et al.[13 ]
Fig. 2 Esquema com fotografias dos equipamentos utilizados. (A ) Imagem do aparelho Bruker Avance III HD 500 MHz utilizado para metabolômica. (B ) Fotografia do mesmo rotor (sample spinner ) utilizado nesta pesquisa. A fotografia foi coletada do site https://cortecnet.com/5-mm-pom-spinner-500-mhz.html , no dia 13/06/2021. (C ) Visualização do amostrador do aparelho, durante preparação para as análises. Observe que as amostras já foram inseridas nas oito primeiras posições. Cada amostra, contida em um tubo de 5 mm, é acoplada ao rotor, para ser inserida nas posições do amostrador.
Resultados
A análise por análise do componente principal (ACP) não foi capaz de classificar os indivíduos de acordo com os graus III, IV e V de Ahlbäck ([Fig. 3A ]), subgrupos por idade ([Fig. 3C ]), nem de acordo com sexo ([Fig. 3D ]), conforme o perfil metabólico. Por sua vez, a análise univariada encontrou diferenças na concentração do metabólito 3-hidroxibutirato (p = 0,039; [Fig. 3B ]) entre os grupos de acordo com a gravidade da OAJ. A análise estatística com múltiplos testes t não evidenciou diferenças significativas entre os metabólitos nos grupos por faixa etária e sexo (p > 0,05).
Fig. 3 Discriminação dos pacientes de acordo com a gravidade da osteoartrite, com a idade e com o sexo. (A ) Gráfico da análise pelo PCA entre os três grupos: graus III (diagrama vermelho), IV (diagrama verde) e V (diagrama azul) conforme a classificação de Ahlbäck. O Score-Plot , de PC 2 versus PC 1, em que cada ponto corresponde a um paciente. (B ) Box-plot demonstrando diferenças na concentração do metabólito 3-hidroxibutirato (4.15554) entre os grupos. (C ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos, abaixo de 70 anos (diagrama vermelho) e acima de 70 anos (diagrama verde). O score-Plot , de PC 2 versus PC 1, em que cada ponto corresponde a um paciente. (D ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos, sexo feminino (diagrama vermelho) e masculino (diagrama verde) pelo perfil metabólico. Score-Plot , de PC 2 versus PC 1, onde cada ponto corresponde a um paciente. Nota: *valor de p obtido pela análise de múltiplos testes t no Graph Pad Prism 9.0.
Esta análise não foi capaz de apresentar uma separação robusta nos indivíduos de acordo com o IMC conforme o perfil metabólico ([Fig. 4A,B ]). A análise estatística com múltiplos testes t não evidenciou diferenças entre os grupos (p > 0,05). Já a análise univariada encontrou diferenças na concentração do metabólito D-glicose (p = 0,037; [Fig. 4C ]) entre os grupos.
Fig. 4 Discriminação dos pacientes de acordo com o índice de massa corporal. (A ) Gráfico da análise pelo PCA entre os três grupos: IMC normal (diagrama vermelho), sobrepeso (diagrama verde) e obeso (diagrama azul). (B ) Score-Plot , de PC 2 versus PC 1, em que cada ponto corresponde a um paciente. e (C ) Box-plot demonstrando diferenças na concentração do metabólito D-glicose (3.45624) entre os grupos. Abreviatura: IMC, índice de massa corporal. Nota: *valor de p obtido pela análise de múltiplos testes t no Graph Pad Prism 9.0.
Também não foi capaz de apresentar uma segmentação sólida entre os indivíduos, de acordo com a medida da glicemia de jejum ([Fig. 5A ]), nem de acordo com o diagnóstico de diabetes mellitus ([Fig. 5B ]), dislipidemia ([Fig. 5C ]), cardiopatia ([Fig. 5D ]) e hipertensão ([Fig. 6A ]), conforme o perfil metabólico. A análise estatística com múltiplos testes t não evidenciou diferenças entre os grupos de acordo com a medida da glicemia de jejum, diagnóstico de diabetes, dislipidemia ou cardiopatia (p > 0,05). Contudo, a análise univariada encontrou diferenças na concentração dos metabólitos L-valina (p = 0,015; [Fig. 6B ]), L-arginina (p = 0,013; [Fig. 6C ]) e citrato (p = 0,026; [Fig. 6D ]).
Fig. 5 Discriminação dos pacientes de acordo com a glicemia de jejum, diabetes mellitus, dislipidemia e doença cardíaca. (A ) Gráfico da análise pelo PCA entre os três grupos: glicemia de jejum normal (diagrama verde), pré-diabetes (diagrama vermelho) e diabetes (diagrama azul) conforme o perfil metabólico. (B ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos: presença (diagrama verde) ou ausência do diagnóstico de diabetes mellitus (diagrama vermelho). (C ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos: presença (diagrama verde) ou ausência do diagnóstico de dislipidemia (diagrama vermelho). (D ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos: presença (diagrama verde) ou ausência do diagnóstico de cardiopatia (diagrama vermelho). Score-Plot , de PC 2 versus PC 1, em que cada ponto corresponde a um paciente.
Fig. 6 Discriminação dos pacientes pelo diagnóstico de hipertensão arterial. (A ) Gráfico da análise pelo PCA entre os dois grupos: presença (diagrama verde) ou a ausência do diagnóstico de hipertensão arterial (diagrama vermelho). Score-Plot , de PC 2 versus PC 1, em que cada ponto corresponde a um paciente. Box-plot demonstrando diferença na concentração do metabólito (B ) citrato (2.63706), (C ) L-valina (1.01868) e (D ) L-arginina entre os grupos (1.91778). Nota: *valor de p obtido pela análise de múltiplos testes t no Graph Pad Prism 9.0.
Discussão
Os principais achados de nosso estudo foram que o metabólito 3-hidroxibutirato apresentou variação inversamente proporcional à gravidade da OA, enquanto os metabólitos 3-hidroxibutirato e L-valina apresentaram níveis decrescentes em função da gravidade radiográfica da OAJ. Também encontramos menores valores de arginina, valina e citrato no subgrupo de pacientes hipertensos, e a glicose apresentou menor concentração nos obesos.
Recentemente, uma revisão sistemática da literatura concluiu que há uma grande variedade de vias metabólicas alteradas na osteoartrite, não havendo consenso a respeito de um metabólito ou painel que pudesse ser utilizado para o diagnóstico.[18 ]
A análise univariada evidenciou que o metabólito 3-hidroxibutirato apresentava variação inversamente proporcional à gravidade da OA. Outro metabólito que apresentou comportamento similar foi a L-valina, com níveis decrescentes em relação ao grau de OA, mas que não foi estatisticamente significativo. A razão entre os níveis séricos de valina e da histidina já foi proposta como marcador diagnóstico da OA.[19 ] Infere-se que a elevação no nível sérico dos aminoácidos de cadeia ramificada esteja envolvida com o aumento da síntese de citocinas inflamatórias na OA,[7 ] o que ainda não foi bem estabelecido no líquido sinovial. Outro estudo analisou mediante análise por espectrometria de massa o líquido sinovial, identificando 28 metabólitos aumentados no grupo OAJ avançada, relacionados ao metabolismo lipídico, glicolipídico e do ciclo de Krebs, sugerindo uma atividade metabólica aberrante associada à disfunção mitocondrial e a autofagia.[20 ] Wang et al.[21 ] identificaram que o aumento na concentração do metabólito N-α-acetil-L-asparagina estava associado com a OAJ grave, podendo ser indicado para predizer a gravidade da doença. Entretanto, a análise realizada foi do tipo direcionada, diferentemente da análise realizada no presente estudo, que não identificou o referido metabólito, embora tenha analisado um número maior de pacientes.
Não foi possível discriminar os participantes pelos dois grupos etários, tampouco de acordo com o sexo, pela ACP, provavelmente pelo fato de todos os pacientes analisados apresentarem OAJ grave. Welhaven et al.[22 ] realizaram análise do líquido sinovial de pacientes com lesão meniscal e/ou do ligamento cruzado anterior, concluindo que homens e mulheres possuíam perfis metabólitos distintos, e sugeriram que esses dados poderiam ser usados no futuro para avaliação do desenvolvimento de OA pós-traumática. Por outro lado, Zhai et al.[23 ] sugeriram que a fenilalanina poderia ser um marcador plasmático para a progressão da OAJ radiográfica bilateral em mulheres. No presente estudo, as análises foram realizadas apenas no líquido sinovial de pacientes com OAJ primária, o que poderia justificar a diferença entre os achados.
A análise multivariada não demonstrou diferenças no metabolismo do líquido sinovial de acordo com o IMC. Este resultado nos surpreendeu, pois já foi demonstrada a existência de diferenças significativas no metabolismo sérico entre obesos e não obesos com OAJ, porém analisando amostras de sangue.[24 ] Por se tratar de uma doença sistêmica, é possível que o perfil de metabólitos no sangue de obesos e não obesos não seja equivalente ao do ambiente sinovial. Outra explicação plausível para o nosso resultado é a influência da subclassificação que utilizamos, estratificada em três grupos, em vez da comparação entre obesos e não obesos. Ainda que a análise multivariada não tenha encontrado diferença, a concentração sinovial da glicose foi inferior no grupo de obesos. Embora o metabólito glicose não seja apontado diretamente como um biomarcador relacionado ao IMC, sabe-se que a elevação de metabólitos como a manose vincula-se com o sobrepeso e com a obesidade.[25 ] Especulamos que na articulação dos indivíduos obesos ocorra um maior consumo de glicose pelas células sinoviais.
As comparações do perfil metabólico do líquido sinovial entre pacientes com e sem diabetes e de acordo com o valor sérico da glicemia de jejum não evidenciaram diferenças nas análises multivariadas e univariadas. A relação entre diabetes e OA vem sendo muito pesquisada e já foi sugerida a existência de um fenótipo induzido pelo diabetes.[26 ] Um fator que pode ter influenciado nosso resultado é que não foi considerado o uso de hipoglicemiantes ou de insulina, que interferem diretamente no metabolismo da glicose. Além disso, a classificação entre diabéticos e não diabéticos foi determinada por autodeclaração na entrevista e não por métodos de diagnóstico laboratorial.
A hipertensão parece contribuir na patogênese da OA por aspectos bioquímicos e biomecânicos, ao interferir na microcirculação articular.[27 ] A análise multivariada não foi capaz de distinguir os grupos de pacientes com ou sem hipertensão de acordo com o perfil metabólico. Entretanto, os metabólitos valina, arginina e citrato apresentaram níveis mais elevados nos indivíduos sem a doença. Este resultado sugere um consumo de citrato em favor das vias inflamatórias na articulação destes indivíduos, corroborando com a hipótese de maior influência inflamatória na OA associada a essa doença crônica.[27 ] A valina também demonstrou menor concentração sinovial nos hipertensos. A elevação da razão sérica leucina/histidina também pode servir como biomarcador para o diagnóstico de OAJ estando este aumento relacionado à degradação do colágeno.[19 ] A arginina foi o outro metabólito que expressou redução no grupo com hipertensão. Zhang et al.[28 ] apontaram a redução sérica da arginina como um possível biomarcador de osteoartrite avançada, inferindo que a redução da arginina sérica se origina de um aumento compensatório na síntese de colágeno na OA grave. Outra pesquisa demonstrou o aumento dos níveis séricos de arginina em pacientes com OA grave, submetidos à ATJ e do quadril, comparado com pessoas saudáveis.[29 ] A redução na concentração sinovial de alguns metabólitos nos pacientes com OA e hipertensão poderia ser justificada por uma perturbação na drenagem sinovial, decorrente do comprometimento vascular nesta condição.[27 ] Por esta hipótese, a manutenção destes substratos por mais tempo no ambiente articular elevaria as suas taxas de metabolização aumentando os níveis dos seus subprodutos. Werdyani et al.[30 ] evidenciaram após análise metabolômica do plasma de pacientes com OA de quadril e joelho três endotipos da doença: fraqueza muscular, déficit de arginina e inflamação de baixo grau. Embora tenham analisado o plasma, tais achados corroboram nossos dados, uma vez que os pacientes hipertensos apresentavam menores níveis de arginina.
Quanto à avaliação do perfil metabólico do líquido sinovial nos pacientes classificados como com ou sem doença cardíaca, não encontramos diferenças nas análises. Contudo, o diagnóstico de doença cardíaca foi baseado na avaliação pré-anestésica, e apenas 6% da amostra foi classificada como portadora deste grupo de doenças.
Um dos pontos fortes do nosso estudo foi o número de amostras de líquido sinovial de pacientes com OAJ. Outro ponto positivo da pesquisa foi a menor variabilidade em relação ao grau de doença articular, comparando pacientes apenas com estágios avançados de destruição articular.
Uma das principais limitações do trabalho foi a classificação de algumas condições clínicas baseada em dados da ficha padrão de avaliação pré-anestésica, por autodeclaração. Outra limitação foi a realização da análise apenas do líquido sinovial, limitando a comparação com outros estudos que utilizaram o plasma.
Conclusão
As análises multivariadas do líquido sinovial não evidenciaram diferenças entre os pacientes com OAJ de acordo com as características clínicas. Os metabólitos 3-hidroxibutirato e L-valina apresentaram níveis menores em função da gravidade radiográfica, os pacientes obesos apresentaram menor concentração de glicose, enquanto os pacientes hipertensos apresentaram menores valores de arginina, valina e citrato.