Palavras-chave
entorses e distensões - ferimentos e lesões - pé - pediatria - radiografia - tornozelo
Introdução
As lesões de tornozelo são comuns nos departamentos de emergência, e representam de
6 a 12% dos atendimentos.[1] Destas, as fraturas de tornozelo configuram aproximadamente 5% de todas as fraturas
em pacientes pediátricos.[2] Grande parte dessas lesões apresentam pico de incidência que varia entre 8 e 15
anos de idade, além de serem 2 vezes mais frequentes em meninos.[3] A maioria dos pacientes com traumas no pé e tornozelo são submetidos a radiografias
no pronto atendimento devido às chances de eventuais fraturas, embora sua frequência
seja detectada em menos de 15% dos casos. Essa abordagem conservadora gera muitas
solicitações desnecessárias de radiografias, o que acarreta exposição dispensável
à radiação, custos adicionais para o sistema de saúde e tempo de espera prolongado
para os pacientes.[4]
Para padronizar os métodos diagnósticos e diminuir as solicitações dispensáveis de
radiografias, um grupo de pesquisadores formulou, em 1992, as regras do tornozelo
de Ottawa (RTOs, que permitem prever a ocorrência de fraturas em lesões agudas do
tornozelo mediante de um exame físico direcionado.[5] O protocolo afirma que a avaliação radiográfica só é essencial quando o paciente
relatar dor maleolar associada a dor maleolar lateral ou medial à palpação óssea (ambas
6 cm distais na região posterior) ou incapacidade de apoiar o membro (imediatamente
após a lesão e ao caminhar 4 passos na urgência). Outra indicação seria em casos de
trauma no tornozelo com dor referida no mediopé associada a um ou mais dos seguintes
critérios: dor à palpação óssea da base do quinto metatarso, dor à palpação óssea
do navicular e incapacidade de apoiar o membro (imediatamente após a lesão e ao caminhar
quatro passos na urgência).[6] A princípio somente a radiografia é necessária quando os critérios clínicos são
atendidos.[7] Os demais exames complementares, como tomografia computadorizada (TC), ressonância
magnética (RM) e exames de sangue, são reservados para situações específicas, como
em avaliações de congruência articular, lesões intra-articulares e planejamento cirúrgico.[8] O protocolo é contraindicado em pacientes com estado mental alterado, intoxicação
por drogas, barreiras de linguagem ou edema significativo que limita a palpação óssea.[6]
A sensibilidade das regras atinge valores de quase 100% em estudos que envolvem população
adulta.[9] Entretanto, autores internacionais[10]
[11]
[12]
[13] identificaram uma oportunidade de utilizar as RTOs na população pediátrica. Essa
aplicação na área pediátrica é pouco utilizada, possivelmente devido à maior dificuldade
de se obter um histórico verbal confiável e realizar um exame físico apropriado em
algumas crianças, quando comparadas aos adultos. Além disso, as RTOs só podem ser
aplicadas em crianças capazes de caminhar independentemente antes do episódio torcional.[12]
As RTOs já foram validadas em adultos, mas carecem de estudos com a população infantojuvenil
para sua possível utilização como instrumento de triagem diagnóstica. No presente
estudo, temos o propósito de avaliar sua aplicabilidade em pacientes pediátricos atendidos
em um hospital de alta complexidade e em uma clínica privada.
Materiais e Métodos
Realizou-se um estudo observacional, analítico e transversal com abordagem quantitativa.
O projeto foi aprovado e supervisionado pelo Comitê de Ética da instituição (CAAE:
60851622.1.0000.0119).
A amostra incluiu 144 pacientes com idade menor ou igual a 16 anos, atendidos entre
janeiro de 2019 e dezembro de 2022, e que realizaram radiografias após episódio de
entorse de tornozelo. Os locais de estudo abrangem um hospital público e uma clínica
ortopédica privada: a clínica conta com plantão ortopédico de segunda-feira a sábado,
e oferece uma ampla estrutura, com raio-X à disposição; já o hospital é referência
em serviços de alta complexidade e conta com plantão ortopédico 24 horas por dia,
7 dias por semana.
O instrumento de coleta de dados continha dez variáveis qualitativas e quantitativas:
presença de fratura no tornozelo e/ou pé – resultado do exame de raio x; sexo; idade;
cor; histórico de trauma torcional de tornozelo; lado acometido; tempo de lesão; local
da fratura; necessidade de cirurgia; e presença de pelo menos um dos critérios de
Ottawa. Todos os pacientes foram avaliados e tratados pelos médicos disponíveis na
admissão, sem interferência dos pesquisadores. Os pacientes foram incluídos no estudo
caso houve histórico de entorse de tornozelo e solicitação de radiografias de tornozelo
e/ou pé, além da realização do exame. Os prontuários sem informações suficientes para
a aplicação das RTOs foram excluídos. Todas as radiografias foram analisadas por um
médico radiologista, e os resultados foram anexados aos prontuários, o que permitiu
a análise retrospectiva. Um ortopedista pediátrico acompanhou a coleta de dados e
tinha capacidade técnica para interpretar as radiografias, sem conhecimento prévio
dos resultados ou da presença ou ausência das RTOs nos registros dos pacientes. A
análise das imagens pelo radiologista e pelo ortopedista pediátrico foi totalmente
concordante quanto à identificação de fraturas. Após a identificação ou não das regras
nos prontuários dos pacientes e considerando a concordância das interpretações radiográficas,
realizou-se uma comparação entre os resultados radiográficos e as RTOs. Com isso,
pôde-se calcular a acurácia clínica, a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo
positivo (VPP), o valor preditivo negativo (VPN), bem como as razões de verossimilhança
positivas e negativas das regras. Para descartar fraturas, é crucial que o teste tenha
alta sensibilidade, baixa razão de verossimilhança negativa e alto VPN; isso significa
que o teste deve render poucos falsos negativos e ser altamente preciso na exclusão
de fraturas quando o resultado é negativo.
Os dados coletados foram analisados por meio do programa IBM SPSS Statistics for Windows
(IBM Corp., Armonk, NY, United States), versão 21.0. As variáveis quantitativas foram
expressas em valores de média e desvio padrão. Os testes estatísticos foram realizados
com nível de significância α = 0,05, indicando confiança de 95%. A normalidade das
variáveis quantitativas foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. A investigação
da existência de associações entre as variáveis qualitativas foi realizada com a aplicação
do teste do Qui-quadrado de Pearson, seguida de análise de resíduo quando observada
significância estatística. Foram calculadas a sensibilidade, a especificidade, a acurácia,
o VPP e o VPN, além das razões de verossimilhança positivas e negativas. O padrão-ouro
considerado foi o resultado do exame de raio X e, como método diagnóstico em teste,
a presença de pelo menos um dos critérios de Ottawa.
Resultados
No total, 144 pacientes foram caracterizados como elegíveis, e 47 pacientes foram
excluídos da amostra devido à ausência de trauma torcional ou por registros incompletos,
o que impedia a aplicação das RTOs. A [Tabela 1] mostra que a média de idade da amostra foi de 10,36 anos, com idade mínima de 2
anos e máxima 16 anos. Entre os pacientes, 53,5% eram do sexo masculino, e 98,6% eram
brancos.
Tabela 1
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|
Intervalo de confiança de 95%
|
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n = 144
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Idade (anos): média ± desvio padrão
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10,36 ± 3,45‡
|
9,81–10,96
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Sexo: n (%)
|
|
|
|
Masculino
|
77 (53,5)
|
–
|
|
Feminino
|
67 (46,5)
|
–
|
|
Cor da pele: n (%)
|
|
|
|
Branca
|
142 (98,6)
|
–
|
|
Parda
|
1 (0,7)
|
–
|
|
Preta
|
1 (0,7)
|
–
|
Nota-se, na [Tabela 2], que 51,4% das lesões foram no lado direito. Em relação ao tempo de lesão, 87,5%
se apresentaram para consulta em um período ≤ 48 horas após a entorse. Observou-se
também que 20,1% dos pacientes apresentaram fratura no tornozelo e/ou pé conforme
o exame radiográfico realizado à admissão. Foram registradas 35 fraturas em 6 regiões
distintas: a região da tíbia distal foi a mais comum (34,3%), seguida das regiões
da fíbula e do maléolo lateral, ambas com 22,9%. Em 95,8% dos pacientes, optou-se
pelo tratamento conservador.
Tabela 2
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n = 144
|
|
Lado acometido: n (%)
|
|
|
Direito
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74 (51,4)
|
|
Esquerdo
|
70 (48,6)
|
|
Tempo de lesão: n (%)
|
|
|
≤ 48 horas
|
126 (87,5)
|
|
> 48 horas
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18 (12,5)
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|
Presença de fratura no tornozelo e/ou pé (resultado da radiografia) : n (%)
|
|
|
Sim
|
29 (20,1)
|
|
Não
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115 (79,9)
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Local da fratura (n = 29)* – n (%)
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|
Tíbia distal
|
12 (34,3)
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|
Fíbula
|
8 (22,9)
|
|
Maléolo lateral
|
8 (22,9)
|
|
Base do quinto metatarso
|
4 (11,4)
|
|
Maléolo medial
|
2 (5,7)
|
|
Terceiro metatarso
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1 (2,9)
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|
Tratamento: n (%)
|
|
|
Conservador
|
138 (95,8)
|
|
Cirúrgico
|
6 (4,2)
|
Na [Tabela 3], observa-se que 81 pacientes apresentaram pelo menos 1 critério de Ottawa em seu
primeiro atendimento. A dor maleolar lateral e a incapacidade de deambulação por 4
passos foram observadas em 35,4% e 34,7% dos pacientes, respectivamente. Entre os
critérios adicionais avaliados nos pacientes com pelo menos 1 critério positivo, constata-se
que 7,6% apresentaram dor maleolar medial, 5,6%, dor na base do quinto metatarso,
e 2,1%, dor navicular.
Tabela 3
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n = 144
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|
Presença de pelo menos um dos critérios de Ottawa: n (%)
|
|
|
Sim
|
81 (56,3)
|
|
Não
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63 (43,8)
|
|
Dor maleolar lateral à palpação: n (%)
|
|
|
Sim
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51 (35,4)
|
|
Não
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93 (64,3)
|
|
Dor maleolar medial à palpação: n (%)
|
|
|
Sim
|
11 (7,6)
|
|
Não
|
133 (92,4)
|
|
Incapacidade de deambular por quatro passos: n (%)
|
|
|
Sim
|
50 (34,7)
|
|
Não
|
94 (65,3)
|
|
Dor à palpação na base do quinto metatarso: n (%)
|
|
|
Sim
|
8 (5,6)
|
|
Não
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136 (94,4)
|
|
Dor navicular à palpação: n (%)
|
|
|
Sim
|
3 (2,1)
|
|
Não
|
141 (97,9)
|
A [Tabela 4] descreve a associação entre a presença de fratura e os critérios de Ottawa. Observa-se
associação estatisticamente significativa entre a presença de pelo menos 1 das RTOs
e a presença de fratura (p < 0,001).
Tabela 4
|
Presença de fratura
|
Valor de p
†
|
|
Sim
|
Não
|
|
n = 29
|
n = 115
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|
Presença de pelo menos um dos critérios de Ottawa: n (%)
|
|
|
|
|
Sim
|
29 (100,0)b
|
52 (45,2)
|
< 0,001
|
|
Não
|
0 (0,0)
|
63 (54,8)b
|
|
A distribuição dos critérios de Ottawa na amostra foi abordada na [Tabela 5]. A sensibilidade e o VPN das regras em nossa amostra foram de 100,0% (sensibilidade:
intervalo de confiança de 95% [IC95%] = 96,2–100,0%; VPN: IC95% = 95,7–100,0%) na
detecção de fraturas, com uma razão de verossimilhança negativa de 0,00% (IC95% = 0,00–0,00%).
Os critérios de dor maleolar medial, dor na base do quinto metatarso e dor navicular
mostraram alta especificidade na detecção de fraturas, e atingiram valores acima de
90% em todos os casos. Além disso, os critérios de dor maleolar lateral à palpação
e incapacidade de deambular por 4 passos apresentaram VPN de 91,4% e 94,7%, respectivamente.
Tabela 5
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n = 144
|
|
Presença de pelo menos um dos critérios de Ottawa: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
100,0 (96,2–100,0)
|
|
Especificidade
|
54,8 (47,3–62,0)
|
|
Acurácia
|
63,9 (55,7–72,0)
|
|
Valor preditivo positivo
|
35,8 (27,5–46,5)
|
|
Valor preditivo negativo
|
100,0 (95,7–100,0)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
2,21 (1,73–4,97)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,00 (0,00–0,00)
|
|
Dor maleolar medial à palpação: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
10,3 (0,0–21,4)
|
|
Especificidade
|
93,0 (88,4–97,7)
|
|
Acurácia
|
76,4 (69,5–83,3)
|
|
Valor preditivo positivo
|
27,3 (1,0–53,6)
|
|
Valor preditivo negativo
|
80,5 (73,7–87,2)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
1,47 (0,00–9,30)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,96 (0,8–1,13)
|
|
Dor maleolar lateral à palpação: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
72,4 (56,1–88,7)
|
|
Especificidade
|
73,9 (65,9–81,9)
|
|
Acurácia
|
73,6 (66,4–80,8)
|
|
Valor preditivo positivo
|
41,2 (27,7–54,7)
|
|
Valor preditivo negativo
|
91,4 (85,7–97,1)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
2,77 (1,65–4,90)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,37 (0,14–0,67)
|
|
|
|
|
Incapacidade de deambular por quatro passos: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
82,8 (69,0–96,5)
|
|
Especificidade
|
77,4 (69,7–85,0)
|
|
Acurácia: % (IC95%)
|
78,5 (71,8– 5,2)
|
|
Valor preditivo positivo
|
48,0 (34,2–61,8)
|
|
Valor preditivo negativo
|
94,7 (90,1–99,2)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
3,66 (2,28–6,43)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,22 (0,04–0,44)
|
|
|
|
|
Dor base quinto metatarso à palpação: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
17,2 (3,5–31,0)
|
|
Especificidade
|
97,4 (94,5–100,0)
|
|
Acurácia
|
81,3 (74,9–87,6)
|
|
Valor preditivo positivo
|
62,5 (29,0–96,0)
|
|
Valor preditivo negativo
|
82,4 (75,9–88,8)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
6,62 (0,64–310,0)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,85 (0,69–1,02)
|
|
|
|
|
Dor navicular à palpação: % (IC95%)
|
|
|
Sensibilidade
|
6,9 (0,0–16,1)
|
|
Especificidade
|
99,1 (97,4–100,0)
|
|
Acurácia
|
80,6 (74,1–87,0)
|
|
Valor preditivo positivo
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66,7 (13,3–100,00)
|
|
Valor preditivo negativo
|
80,9 (74,4–87,3)
|
|
Razão de verossimilhança positiva
|
7,67 (0,00–161,0)
|
|
Razão de verossimilhança negativa
|
0,94 (0,84–1,03)
|
A [Tabela 6] apresenta a relação entre os pacientes da amostra que foram diagnosticados com fratura
por meio do exame radiológico e a presença dos critérios de Ottawa à admissão. Verifica-se
que 75,9% dos pacientes apresentaram 2 critérios de Ottawa antes da realização da
radiografia.
Tabela 6
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n = 29
|
|
Um critério: n (%)
|
5 (17,2)
|
|
Dois critérios: n (%)
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22 (75,9)
|
|
Três critérios: n (%)
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2 (6,9%)
|
Discussão
Lesões torcionais são comuns nos serviços de urgência e emergência ortopédicos, e
cursam com fraturas em 12% a 15% dos casos.[11] Em uma metanálise das RTO em 3.130 pacientes pediátricos, Dowling et al.[12] identificaram a presença de fraturas em 671 pacientes da amostra, sendo constatada
uma prevalência de 21,4%. Neste estudo, a taxa de ocorrência de fraturas foi semelhante,
e foi observada em 20,1% dos pacientes incluídos, sendo que 75,9% desses pacientes
apresentaram 2 critérios de Ottawa à admissão.
A fratura infantil mais comum é a da fise distal da tíbia, que representa de 9% a
18% das lesões fisárias, e é superada apenas pelas fraturas de falanges e do rádio
distal.[14] Em concordância com a literatura, observou-se neste estudo que, dos 6 locais distintos
de fraturas identificados, a região da tíbia distal apresentou a maior frequência
com uma taxa de 34,3% das fraturas. É sabido que essas fraturas pediátricas de tornozelo
atingem seu pico entre 8 e 15 anos de idade, com uma taxa de incidência dobrada em
meninos quando comparada às meninas.[2] De modo semelhante, observamos neste estudo que a idade média de apresentação das
fraturas foi de 10,36 anos. Além disso, houve predominância (53,5%) do sexo masculino,
o que também corrobora a ocorrência mais frequente de fraturas em meninos, embora
não apresente uma incidência duplicada.
O manejo inicial desses pacientes frequentemente envolve a realização de radiografias
de rotina de pé e tornozelo, sendo o segundo tipo de radiografia mais realizado no
pronto-socorro, logo após as radiografias de coluna. Entretanto, essa abordagem cautelosa
resulta em muitos exames radiológicos desnecessários, o que leva a custos mais altos,
maior tempo de atendimento e exposição desnecessária à radiação. Devido a isso, Stiell
et al.[6] desenvolveram e validaram as RTO, tornando-se uma ferramenta extremamente benéfica
no atendimento dos traumas de tornozelo, reduzindo a necessidade de solicitações do
exame.[11]
Yavas et al.[15] estimaram uma redução de 28,4% na solicitação de radiografias caso elas não fossem
realizadas em pacientes com RTOs negativas. Isso está relacionado aos altos valores
de sensibilidade e à especificidade moderada do método, que permite agilizar o atendimento
e diminuir a realização do exame. Da mesma forma, a metanálise conduzida por Bachmann
et al.,[10] que incluiu 15.581 pacientes de 27 estudos, confirmou que as RTOs são um instrumento
clínico confiável para exclusão de fraturas no tornozelo e no mediopé. Além disso,
os cálculos estatísticos evidenciaram uma possível taxa de redução de 30% a 40% na
solicitação de radiografias desnecessárias.[10] No presente estudo, observou-se retrospectivamente que, caso somente pacientes com
RTOs positivas realizassem exames radiográficos, haveria uma redução de 43,8% (IC95%)
nas radiografias solicitadas, oi que está em concordância com a literatura disponível
sobre a aplicabilidade do teste.
Plint et al.[13] detectaram que as RTOs atingem 100% de sensibilidade na detecção de fraturas no
tornozelo e no mediopé em pacientes pediátricos. Os 667 pacientes estudados por eles[13] tinham entre 12 e 16 anos de idade e relataram episódio prévio de trauma em tornozelo
dentro de 48 horas. Este estudo corrobora esses achados, pois mostra que 87,5% dos
pacientes buscaram atendimento dentro de 48 horas após o trauma e tinham idades mínima
e máxima similares. Na análise estatística, foi observada a mesma sensibilidade de
100,0%, VPN de 100,0% e razão de verossimilhança negativa de 0,00%. Isso demonstra,
portanto, a maior probabilidade de a criança ou o adolescente não apresentarem fratura
perante o resultado negativo das RTOs devido à alta precisão do teste na exclusão
de fraturas. Altos níveis de especificidade foram observados quanto aos critérios
de dor à palpação do quinto metatarso e dor navicular, sendo encontrados valores de
97,4% e 99,1%, respectivamente. Observou-se também alto VPN nos critérios de dor à
palpação maleolar medial e lateral, sendo encontrados valores de 80,5% e 91,4%, respectivamente.
Conclusão
As RTOs parecem ser um instrumento clínico confiável no manejo inicial de entorses
do tornozelo em pacientes pediátricos, que pode ser aplicado sem a preocupação de
perder fraturas significativas. Observou-se também uma redução na solicitação de radiografias,
o que traz benefícios como menor exposição à radiação para crianças e adolescentes,
redução de custos para o sistema de saúde e menor tempo de espera no setor de emergência.
Há uma escassez de pesquisas internacionais sobre as RTOs na população pediátrica,
e, até o momento, nenhum estudo publicado no Brasil, o que reforça a necessidade de
novas pesquisas para a consolidação desse instrumento clínico. Portanto, os resultados
deste estudo podem servir como base para a formulação e a implementação de medidas
governamentais e de diretrizes que visem melhorar a detecção e o tratamento de entorses
no tornozelo.
Bibliographical Record
Murilo Oliveira de Carvalho, Henrique de Medeiros Marcolino, Marcelo Romancini Daleffe.
Regras do tornozelo de Ottawa: Um instrumento clínico confiável na detecção de fraturas
na população infantojuvenil. Rev Bras Ortop (Sao Paulo) 2025; 60: s00441800938.
DOI: 10.1055/s-0044-1800938